“Fica todo mundo quieto até as eleições”
Em mensagem para a cúpula de sua campanha, especialmente Paulo Guedes e Hamilton Mourão, Bolsonaro ordenou:
“Vê se consegue unir essa turma aí, porra! Quer se matar, se ferrar, vai pra um canto, mas não fica atrapalhando”.
A mensagem – um áudio – foi transmitida através de Gustavo Bebianno, presidente do PSL.
“Fica todo mundo quieto até as eleições, tá ok?”, disse Bolsonaro. “Estou vendo fofoquinha pra cá, fofoquinha pra lá. Tudo reflete contra mim. Junta essa galera aí num canto, todo mundo sai na porrada e fica quieto.”
O conteúdo do áudio de Bolsonaro foi publicado pelo jornal “Folha de S. Paulo”, no sábado – e foi enviado nove dias antes.
Bolsonaro diz, também, que vai se abster de declarações “polêmicas” (ou seja, verdadeiras) até as eleições.
Apesar disso, pesquisas por telefone (“trackings”) sugerem que a atitude de Bolsonaro de não ir ao debate da TV Globo, na quinta-feira, e ao mesmo tempo encenar uma programação eleitoral ilícita na TV Record, teve efeito negativo entre os eleitores indecisos.
Um analista de pesquisas declarou que a decisão de Bolsonaro pode ser interpretada, pelos eleitores, como se fosse a ação “do funcionário que entrega atestado médico na firma, mas posta uma fotografia na praia”.
Três candidatos a presidente, durante o debate na TV Globo, denunciaram a atitude de Bolsonaro: Marina Silva (Rede), Ciro Gomes (PDT) e Henrique Meirelles (PMDB).
POSIÇÃO
A mordaça imposta por Bolsonaro à sua campanha, especialmente a Guedes e a Mourão, reflete o medo de que o conhecimento de sua posição real esvazie seu eleitorado.
Com efeito, Guedes, um especulador e “gestor” de dinheiro estrangeiro, causou um estrago ao dizer que pretende aumentar a alíquota de Imposto de Renda dos que ganham menos e diminuir a dos que ganham mais, igualando-as em 20%, ou seja, um confisco de 1/5 nos salários em geral.
Bolsonaro desmentiu que Guedes tivesse dito tal coisa. No entanto, vários dos presentes à reunião em que ele referiu-se aos impostos, confirmaram que foi, precisamente, o que ele falou.
Esse é o gênio econômico que Bolsonaro descobriu em algum recanto sombrio do setor financeiro – Guedes não é conhecido pela lisura de sua atividade especulativa.
Aliás, uma coincidência importante é que após o golpe de Estado de 1º de abril de 1964, a economia foi entregue a Roberto Campos e Octávio Gouveia de Bulhões – os porta-vozes, dentro do país, do capital financeiro norte-americano.
O desastre da política econômica de ambos – intitulada “Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG)” -, com um brutal arrocho salarial e a falência em massa de empresas nacionais, levou até mesmo a ditadura a promover mudanças.
Bolsonaro quer repetir a dose, 33 anos depois – com um sujeito muito mais medíocre que Roberto Campos (o famoso “Bob Fields”).
E, antes que o leitor pergunte, jamais consideramos Bob Fields como dotado de alguma capacidade, exceto a de bajular o que havia de pior nos EUA. Aliás, não houve negócio em que ele se metesse, onde não provocasse um desastre.
Mas, há de se convir, Guedes é um muar de qualidade ainda mais inferior, ou seja, mais muar – que nos perdoem os muares de verdade.
Apenas de passagem, notemos que o Brasil, quando do golpe de Estado, em 1964, não era o país exausto de hoje, depois de anos de “ajuste” do PSDB, PT e PMDB. Portanto, os efeitos do que Bolsonaro (e Guedes) está querendo, se fosse eleito, fazer no país, seriam muito mais trágicos.
A mesma coisa pode-se dizer das declarações do candidato a vice, na chapa de Bolsonaro, Hamilton Mourão, contra o 13º salário, o adicional de férias e contra a Constituição.
Bolsonaro também as desmentiu – mas, nesse caso, esses desmentidos são, publicamente, mentiras. Nas duas vezes em que Mourão falou disso, havia uma plateia, que não era grande, mas era considerável. Houve, inclusive, quem gravasse as declarações.
Assim, Bolsonaro decretou a omertà – a lei do silêncio dos mafiosos – na sua campanha.
O objetivo é que o povo não conheça sua posição, apesar do programa que registrou no TSE já ser um escândalo: corte de direitos dos trabalhadores, privatização (inclusive da Petrobrás, como esclareceu Guedes) e repressão para o povo.
PESADO
Nesse último item, não são os marginais, os bandidos, que Bolsonaro, principalmente, quer atingir – se é que ele quer atingir algum bandido.
Na manhã de sábado, ele escreveu no Twitter:
“É preciso pegar pesado no combate ao crime para que o marginal entenda que suas ações não sairão impunes, e que é ele que deve ceder. A sociedade precisa de uma resposta! E nós daremos!”
No momento, o Rio de Janeiro, sob intervenção, está ocupado pelas Forças Armadas – numa tarefa estranha aos seus fins, um desvirtuamento que só um cabeça de bagre, como Temer, pode conceber.
Mas o fato é que, pegando no pesado desse jeito, nem por isso a criminalidade cedeu.
Em sete meses de intervenção no Rio (16/02/2018 a 16/09/2018), foram realizadas 457 operações em favelas e outros bairros populares, em ações que mobilizaram 185 mil agentes (policiais e militares).
Morreram, nessas operações, 103 pessoas – dessas, 61 eram policiais ou militares. Houve, além disso, 736 pessoas que foram mortas, fora das operações, por policiais (não estamos aqui julgando se, em cada caso, a ação policial foi justa, apenas citando um dado).
Entretanto, houve, no mesmo período, 2.617 homicídios dolosos, 99.571 roubos, 36 chacinas (com 152 mortos), 855 mortos e 733 feridos em tiroteios.
[Todos os dados, que são oficiais, podem ser encontrados no site e nos relatórios do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESEC).]
A violência, dependendo da modalidade, aumentou entre 38% e 59%.
É óbvio que, sem mudar nada social e economicamente, esse problema não vai se resolver.
É óbvio, também, que Bolsonaro não está querendo reprimir os criminosos – pois nem uma intervenção com quase 200 mil policiais e militares conseguiu resolver problema algum, porque a desgraça, a miséria, as estúpidas condições de vida do povo, não foram tocadas.
Durante a intervenção, aliás, uma vereadora foi assassinada – e até hoje os culpados estão soltos; soldados, que, infelizmente, estavam fora de seus afazeres, também foram assassinados.
O crime organizado, simplesmente, não foi tocado – exceto epidermicamente.
Bolsonaro, portanto, não quer reprimir bandidos com essa conversa imbecil de que a polícia tem que ser excluída de qualquer investigação, quando matar alguém.
É óbvio que o policial que for obrigado a matar um bandido, para proteger a população ou a si mesmo, deve fazê-lo.
Coisa completamente diferente é o “excludente de ilicitude” proposto por Bolsonaro.
Nenhum policial decente e honrado quer qualquer impunidade. Para ninguém na sociedade. Inclusive para si próprio. Sobretudo quando a licença para matar não é para matar bandidos – se fosse, já seria um absurdo, pois o objetivo da atividade policial é prender os bandidos, não matá-los, exceto se for para proteger a sociedade de um dano iminente.
Bolsonaro, mais uma vez, está tentando contrabandear o que acontece nos EUA, onde matar é preferível a prender, para o Brasil.
Com mais uma macaqueação: a polícia nos EUA, realmente, existe sobretudo para reprimir o povo – e, secundariamente, os bandidos.
CARLOS LOPES
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