“A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei dever de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado”.
Com essas citações do Código Penal Brasileiro, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por meio da sua Comissão de Juristas para Análise e Sugestões de Medidas de Enfrentamento da Pandemia do Coronavírus, inicia o seu parecer sobre os crimes de responsabilidade e crimes contra a Humanidade, que, entende, foram e estão sendo cometidos pelo presidente da República, Jair Bolsonaro.
“Um dos exemplos mais eloquentes da omissão do presidente da República encontra-se no caso da vacina da Pfizer. De fato, em impactante entrevista concedida à revista Veja, em outubro do ano passado, Carlos Murillo, CEO da Pfizer Brasil, revelou o absoluto desinteresse do governo federal na aquisição do imunizante”, diz outro trecho do parecer, que concluiu que Bolsonaro não apenas se omitiu, como agiu deliberadamente para propagar o vírus da Covid-19.
“O desinteresse do Governo Federal mostra-se verdadeiramente incompreensível, não somente pelo alto grau de eficácia da vacina, como também pela disponibilidade que tinha a Pfizer de entregar doses do imunizante ainda no final do ano passado”.
Em relação à vacina CoronaVac, o texto afirma: “Note-se bem. No dia 20.10.2020, o Ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, enviou carta ao Presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, informando-o sobre a intenção do Governo Federal de comprar a vacina CoronaVac, bem como solicitando documentos sobre o andamento das pesquisas. A compra de 46 milhões de doses do imunizante fora amplamente divulgada pela mídia”.
Entretanto, no dia seguinte, em 21.10.2020, o Presidente da República desautorizou o Ministro Pazuello, suspendendo a compra da CoronaVac. Na oportunidade, por meio de uma rede social, o Presidente da República afirmou o seguinte: “O povo brasileiro não será cobaia de ninguém. […] Minha decisão é a de não adquirir a referida vacina”.
O documento afirma que o presidente deve ser responsabilizado pelo total descontrole da pandemia no país, e que as mortes de milhões de brasileiros devem ser consideradas prática de homicídio.
Citando a Constituição, que afirma que é dever do Chefe do Poder Executivo da União salvaguardar a saúde pública, o documento diz que “o terceiro exemplo de omissão penalmente relevante do Presidente da República encontra-se em sua renitente resistência em operacionalizar medidas previstas na Lei13.979/20, a exemplo da restrição de circulação de pessoas e de atividades comerciais, que são insistentemente recomendadas pelos especialistas como medidas necessárias para evitar a disseminação descontrolada do coronavírus e, consequentemente, preservar a vida e a integridade física dos indivíduos”.
“Aliás, a experiência de outros países demonstra que a única forma de combater eficazmente o vírus é por meio da combinação de uma ampla campanha de vacinação com o lockdown”, afirma o documento.
O parecer lembra ainda que “o Presidente da República vetou 25 (vinte e cinco) dispositivos da Lei 14.019/20, relativos à obrigatoriedade do uso de máscaras em estabelecimentos comerciais e industriais, templos religiosos, escolas e demais locais fechados” em que possa haver o risco de contaminação.
O texto cita ainda a pressão do presidente, de diversas formas e meios, para impedir que governadores e prefeitos, ante a total omissão do Governo Federal, implementassem por conta própria medidas para impedir a disseminação do vírus.
“Em suma: as omissões e ações do Presidente da República ao longo da pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV2) são perfeitamente subsumíveis ao tipo prescrito no art. 7º, inciso 9 da Lei 1.079/50, representando um ataque frontal a um dos núcleos da Constituição Cidadã, qual seja, o direito à saúde e, em última instância, à própria vida”.
O parecer sugere também que o presidente seja submetido ao Tribunal Penal Internacional, por crime contra a Humanidade.
O documento, que foi encaminhado para Conselho Federal da OAB para que os representantes das seccionais estaduais da Ordem decidam se será apresentado um pedido de impeachment contra Bolsonaro, foi assinado pelos seguintes juristas: Ex-ministro Carlos Ayres Britto, Miguel Reale Jr., Carlos Roberto Siqueira Castro, Cléa Carpi, Nabor Bulhões, Antonio Carlos de Almeida Castro, Geraldo Prado, Marta Saad, José Carlos Porciúncula e Alexandre Freire.
Leia aqui a íntegra do parecer de juristas