Seguindo a risca a cartilha do Banco Mundial, a equipe do programa de governo de Bolsonaro para a Educação pretende instituir a cobrança de mensalidades nas universidades federais brasileiras.
A justificativa da equipe de Bolsonaro é que grande parte das vagas nas universidades federais é ocupada por alunos que cursaram o ensino médio em escolas particulares e, portanto, integrantes de famílias que podem arcar com mensalidades. Segundo eles, com a medida se arrecadaria verba para um fundo de financiamento das vagas para estudantes carentes, segundo informações do Jornal o Estado de S. Paulo.
Como o plano dos bolsonaristas não é de realizar novos investimentos na Educação, a brilhante saída traz como consequência a retirada do caráter público e gratuito das universidades federais. A proposta é criticada por professores, estudantes e economistas.
A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior no Brasil (Andifes) destaca que o modelo pretendido por Bolsonaro é na verdade inconstitucional, já que o ensino gratuito é garantido pela Constituição. “Isso não vai resolver o problema. Para começar, a estratégia se baseia em conceitos errados”, afirma o presidente da entidade, Reinaldo Centoducatte, em entrevista para o Estadão. Para Reinaldo, a medida pode ter efeito contrário, e assim reduzir o acesso das pessoas ao ensino superior, o que prejudicaria o país e diminuiria suas chances de se tornar competitivo.
O presidente da Andifes lembrou também que as federais são responsáveis pela administração de 46 hospitais universitários, além de museus e diversas empresas incubadoras de base tecnológica. “A universidade não é apenas graduação. Há ensino, pesquisa e outras atividades que beneficiam a população como um todo”.
Ainda de acordo com a Andifes, a renda das famílias dos estudantes das universidades federais é baixa – em 2016, dois em cada três estudantes de universidades federais são da classe D e E, e 66,2% dos alunos são de famílias em que a renda não ultrapassa 1,5 salário mínimo per capita. Ou seja, o plano dos bolsonaristas tornaria a universidade ainda mais excludente.
Para o diretor da União Estadual dos Estudantes de São Paulo (UEE-SP), Guilherme Bianco, “a cobrança de mensalidade nas universidades públicas é um atestado de segregação social que Bolsonaro quer impor à juventude, é acabar com os poucos avanços que conquistamos”.
“O que eles pretendem é expulsar o jovem mais pobre, que precisa da assistência estudantil pra se formar, da Universidade. Impedir toda uma geração de poder sonhar em se formar, é criminoso. Talvez essa proposta sintetize toda a truculência e antipatriotismo que sua candidatura represente. Certamente, os estudantes reagiriam ao ataques, os sonhos da juventude não cabem dentro das fardas e dos pijamas de Bolsonaro e Mourão,” disse Guilherme.
BANCO MUNDIAL
Como era de se esperar, o plano bolsonarista para as universidades federais também não é uma criação de notáveis.
Na verdade, ele se baseia num relatório do Banco Mundial de 2017, que recomendava expressamente a contenção dos gastos públicos e o enxugamento do Estado. Propondo que os drásticos cortes começassem pelo ensino superior público.
O relatório do Banco Mundial foi desmontado pelo professore e economista Nilson Araújo de Souza. “Reproduz um mito muito difundido aqui no Brasil e que se manifesta nas três afirmações centrais do relatório: a primeira, de que o setor público gasta demais nas universidades; a segunda, que se gasta mal, ou seja, é ineficiente; o terceiro, que o sistema público de educação é injusto, pois privilegia os ricos em detrimento dos pobres”, introduziu o professor.
“Aqui no Brasil, gastamos 3.400 dólares por aluno em um ano. No Chile, apesar da expansão da rede privada, o investimento é de 4.300 dólares por estudante. Na França, esse valor cresce para 10 mil dólares e na Alemanha, para 12 mil dólares”. Para ele, isso apenas prova que o Brasil está “longe de gastar demais”, pois o gasto é, em média, inferior até mesmo a países com menor grau de desenvolvimento. “Em resumo: no Brasil, se gasta com as universidades públicas apenas 38% do que é gasto em média nos países da OCDE, 28 nações com maior, igual e menor desenvolvimento”, criticou Nilson.
REITORES E DEMOCRACIA
A aversão às regras democráticas também se faz presente no plano dos bolsonaristas para as universidades. De acordo com a reportagem, sua equipe pretende ainda interferir na escolha dos reitores das instituições. Hoje, a escolha do reitor e do vice é feita pelo presidente com base na relação dos mais votados da lista que é elaborada por um colegiado universitário com 70% de docentes. Pelo texto da norma assinada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, o dirigente escolhido deve ser professor titular ou associado 4, com título de doutor.
O grupo de campanha do PSL recomenda um “enfrentamento” no Congresso e uma campanha de convencimento da opinião pública para fazer, em um “segundo momento”, alterações na Lei 9.192, de 21 de dezembro de 1995, que estabelece que o presidente da República deve escolher o reitor e o vice com base na lista tríplice.
Os auxiliares de Bolsonaro propõem ao presidenciável que, uma vez eleito, não escolha o primeiro da lista automaticamente e aplique a fórmula de optar por nomes com experiência em “gestão” e “administração” e sem vínculos com partidos de esquerda.
O presidente do Sindicato dos Docentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andes), Antonio Gonçalves Filho, se preocupa com esse “conselho” da equipe de Bolsonaro. “Eu espero que não seja essa a proposta, mas desconfio que esses interventores sejam indicados para calar a universidade, que é o ambiente da crítica”.
Reinaldo Centoducatte também critica a proposta. “Embora a regra atual já permita que o Ministério da Educação não escolha o primeiro colocado na lista, a pasta geralmente respeita a decisão da universidade. A pessoa escolhida como reitora precisa de apoio da comunidade. Ela vai ficar à frente da instituição por um período razoável, não é nada interessante já começar com resistência”, finaliza.