O juiz Sérgio Fernando Moro aceitou, na manhã de quinta-feira (01/11), o convite de Bolsonaro para ser “ministro da Justiça e da Segurança Pública”.
Pela nota de Moro, ele espera, como ministro, conter a voracidade ditatorial de Bolsonaro. É o que se pode entender ou perceber por frases como: “a perspectiva de implementar uma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado, com respeito à Constituição, à lei e aos direitos, levaram-me a tomar esta decisão”, e, logo em seguida, “na prática, significa consolidar os avanços contra o crime e a corrupção dos últimos anos e afastar riscos de retrocessos por um bem maior”.
No momento, evidentemente, os riscos de retrocesso estão em Bolsonaro e seu futuro governo. Não podem estar em outro lugar.
Infelizmente, Moro manifesta uma ilusão. Certamente, ele poderá, logo que perceber o que é Bolsonaro e seu governo, sair desse meio, pouco propício não somente ao respeito às leis, à Constituição e aos direitos, como também ao combate à corrupção e ao crime.
Que Bolsonaro use tais bandeiras como chamariz nas eleições – ou no aliciamento de ministros – somente piora as coisas, acrescentando a demagogia (portanto, a mentira) como elemento constituinte de seu governo.
Moro cometeu um erro – e um erro que não beneficiará a luta do país contra a corrupção, contra o apodrecimento de uma casta política da qual, por sinal, Bolsonaro faz parte há muito.
A pressão sobre o juiz Sérgio Moro, para que ele fosse ministro, foi algo que clamava aos céus pela sua ilegitimidade, por sua tentativa de coagir e comprometer um homem público a quem o país deve muito, nos últimos anos – em favor de uma pantomina para esconder o que é o próprio Bolsonaro e sua trupe de lúmpens.
A intenção de Bolsonaro, com o convite e nomeação do juiz Moro a ministro, é dar uma suposta respeitabilidade a um governo que não tem nenhuma.
Mas é impossível tornar respeitável o que não é digno de respeito.
Portanto, é Moro quem sai prejudicado, ao aceitar o convite para o ministério de Bolsonaro.
Assim, não é por acaso que corruptos – e porta-vozes de corruptos – tenham comemorado, e euforicamente, a aceitação por Moro do convite de Bolsonaro. Aqui, não estamos nos referindo apenas a elementos da cúpula do PT, como sua presidente, Gleisi Hoffmann, cuja festa foi óbvia. Também no MDB, PP e PSDB, a satisfação percorreu, como um arrepio, a coluna vertebral dos corruptos.
Sentiram-se, ao que parece, como se agora o juiz Moro fizesse parte da mesma confraria que eles.
Ainda que isso não seja verdade, não é por acaso que essa gente se sentiu assim.
O juiz Sérgio Moro conduziu os processos advindos da Operação Lava Jato – como responsável pelas ações sobre o assalto contra a Petrobrás – com isenção modelar, de modo apartidário, rejeitando injunções políticas.
Basta percorrer a lista de réus da Lava Jato para perceber esse caráter do trabalho de Moro na 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba. Apenas uma pequena amostra: Lula (PT), Cabral (PMDB), Pedro Corrêa (PP), João Vaccari (PT), Eduardo Cunha (PMDB), Beto Richa (PSDB), Antonio Palocci (PT), José Dirceu (PT), além daqueles que foram remetidos ao STF, devido ao famigerado foro privilegiado – por exemplo, Aécio Neves (PSDB).
Esses são políticos – os cabeças dos esquemas de corrupção dentro da Petrobrás, também condenados por Moro, mostram o mesmo: Renato Duque (PT), Jorge Zelada (PMDB), Paulo Roberto Costa (PP).
O objetivo de Moro, desde o início da Operação Lava Jato, em 2014, ou desde o caso Banestado, em 2003, sempre foi o de investigar a corrupção, colocar os corruptos na barra da Justiça – e punir os culpados, não importa o partido de que fizessem parte, ou o tamanho da empresa de que fossem donos (Marcelo Odebrecht, Léo Pinheiro, da OAS, Ricardo Pessoa, da UTC, e vários outros, que o digam).
Pois é esse trabalho de Moro que a aceitação do convite de Bolsonaro encerra. Certamente, outros juízes e juízas existem, mas é impossível subestimar a importância de Moro ao julgar os processos da Lava Jato e acompanhar as investigações.
Ao pressionar o juiz Moro a ser ministro de seu infausto governo (deve ser o primeiro governo da República que, pela composição, já é infausto antes de começar), Bolsonaro estava, concretamente, tentando afastá-lo da Lava Jato.
É provável que esse não fosse o objetivo principal de Bolsonaro (embora, com a trupe em torno dele, nem mesmo disso é possível, por agora, ter certeza).
Bolsonaro queria – e quer – Moro como símbolo da respeitabilidade que ele, e os outros que o acompanham, não têm.
Um governo cujo chefe é um sujeito que tem como herói o torturador Brilhante Ustra; que tem como modelo um picareta reacionário como Donald Trump; que faz continência para a bandeira dos EUA e bajula Israel (um Estado corrupto, “com uma horrenda reputação em direitos humanos”, nas palavras do escritor judeu Norman Finkelstein), não tem como ter – nem adquirir – respeitabilidade.
Bolsonaro ficou 11 anos no PP, um dos partidos mais corruptos do país – e um dos que teve mais membros investigados e condenados por Moro.
Como foi que ele conseguiu conviver com esse lodo?
A única resposta que nos ocorre é que ele não era (e não é) diferente dele. Onze anos não são 15 minutos nem dois meses. Como o seu estômago não revirou, durante todo esse tempo?
Mas não revirou, nem teve alguma azia.
Porém, voltemos ao governo Bolsonaro.
Um ministério cujo mandachuva econômico é um escroque, investigado pelos golpes que deu nos fundos de pensão das estatais, não passa de um Ministério de escroques (v. Os negócios do corrupto guru econômico de Bolsonaro e “Posto Ipiranga” arrombou fundo dos funcionários do BNDES).
Mas não é somente Guedes que tem esse perfil – ou assemelhado.
Onyx Lorenzoni, o genial veterinário e articulador político, recebeu R$ 100 mil da JBS – que não declarou à Justiça Eleitoral.
Como se sabe, a JBS passava dinheiro desinteressadamente, apenas pela admiração que tinha pelas convicções dos receptores do seu dinheiro… Sobretudo quando era via caixa 2.
O leitor pode achar que estamos brincando, mas foi mais ou menos isso o que disse Lorenzoni, sobre o dinheiro que recebeu: “Tive o cuidado de perguntar se o dinheiro era lícito, de origem limpa”, disse ele, em entrevista à Rádio Bandeirantes de Porto Alegre.
O que não era lícito era receber o dinheiro.
Mas Lorenzoni tomou o cuidado de perguntar se o dinheiro era de origem lícita…
Quanto ao – dizem – futuro ministro da Agricultura e Meio Ambiente, Luiz Antonio Nabhan Garcia, presidente da notória UDR, teve seu indiciamento pedido por apropriação ilegal de terra pública, falso testemunho e ameaça, na CPI da Terra, em 2005.
Bolsonaro pretende submeter o Meio Ambiente aos interesses dos agronegocistas – mas seu projetado ministro da Agricultura não é apenas um pecuarista. É suspeito de ser um dos mascarados de uma milícia que, em 2003, apareceu em um programa de TV, portando armas privativas das Forças Armadas (foto ao lado).
O que credencia esse indivíduo para candidato a ministro de Bolsonaro são duas opiniões muito progressistas: é a favor do desmatamento da Amazônia e a favor da liberação do trabalho escravo (nas suas palavras: “Empresário que paga imposto e trabalha não pode ser considerado escravocrata. Como é que quem está gerando emprego, produzindo, trabalhando, pagando imposto pode ser considerado escravagista? Se algum produtor aqui eventualmente comete uma arbitrariedade na questão trabalhista, ele não pode ser transformado em um escravagista”).
Essa é também uma amostra: a do futuro ministério de Bolsonaro.
Qual o papel que Moro irá cumprir no meio dessa coleção de corruptos (pois se trata disso, no fim das contas)?
Por que Bolsonaro tanto quer Moro como ministro?
Em primeiro lugar, como já dissemos, para tentar dar uma respeitabilidade de fachada ao bando de desclassificados que será o seu governo.
Em segundo lugar, para desacelerar a Operação Lava Jato.
Evidentemente, não é fácil encontrar um juiz como Moro – embora existam grandes profissionais em nossa magistratura.
Se Bolsonaro realmente apoiasse a Lava Jato, a última coisa em que pensaria – aliás, nem pensaria – era em tirar Sérgio Moro de seu trabalho em Curitiba.
Nomeá-lo para um ministério que será uma mera chefia de polícia, é uma forma de tirar Moro da Operação Lava Jato – um trabalho muito mais importante para a Nação que um “Ministério da Justiça e Segurança Pública”, sobretudo de um governo Bolsonaro.
Essa questão é vinculada diretamente à anterior – a da respeitabilidade de fachada, para a qual Bolsonaro quer usar Moro.
Para que essa respeitabilidade de fachada?
Uma fachada só pode ser para esconder alguma coisa.
Nesse caso, só pode ser para esconder, atrás da fachada, os corruptos.
Em suma, Bolsonaro quer usar Moro como uma espécie de licença para roubar, concedida aos seus sequazes.
Moro, portanto, se equivocou ao aceitar o convite de Bolsonaro.
Mas terá algum tempo para perceber onde ingressou – e tomar as decisões que lhe ditarem esta percepção.
C.L.
Acho que os investigados pelo Moro votaram no Bolsonaro, hein!