Jair Bolsonaro sancionou na terça-feira (17) o Projeto de Lei 3.715/19, que amplia a posse de arma em propriedades rurais. Pelas regras atuais do Estatuto do Desarmamento os integrantes e moradores de uma fazenda só podem manter armas dentro da sede da propriedade.
Com a norma aprovada, os fazendeiros e seus “funcionários” poderão andar armados em toda a extensão do imóvel rural, independente do tamanho da propriedade. O projeto repete neste item, o decreto editado por Bolsonaro que trata do registro e da posse de armas de fogo.
Com isso, as milícias rurais poderão se armar livremente com o decreto de Bolsonaro e a nova lei aprovada. Tradicionalmente as ligações da família Bolsonaro são com as milícias urbanas, agora eles querem estendê-las para o campo.
Em abril deste ano, em discurso na Agrishow, feira de tecnologia para o campo que acontece em Ribeirão Preto, ele já anunciava que “será encaminhado um projeto nosso à Câmara”. “Vai dar o que falar, mas é uma maneira que nós temos de ajudar a combater a violência no campo, é fazer com que ao defender a sua propriedade privada ou a sua vida, o cidadão de bem entre no excludente de ilicitude. Ou seja, ele responde, mas não tem punição. É a forma que nós temos que proceder para que o outro lado, que teima em desrespeitar a lei, tema vocês, tema o cidadão de bem, e não o contrário”, disse Bolsonaro.
Para montar esse esquema de armamento das milícias rurais, Bolsonaro indicou para o cargo de secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Luiz Antônio Nabhan Garcia, ruralista, presidente da UDR, defensor da violência no campo e integrante de milícia rural. Nabhan Garcia já teve que dar esclarecimentos à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Terra por porte ilegal de armas, contrabando e organização de milícias privadas na região do Pontal do Paranapanema, em São Paulo, e apoia o desmatamento da Amazônia.
Sobre as demarcações de terras indígenas, Nabhan Garcia defende as mesmas ideias retrógradas de Bolsonaro. De acordo com o pecuarista, “demarcações feitas de forma indiscriminada geraram conflitos e inseguranças jurídicas grandes para o país, o que o governo não quer”. O miliciano afirmou que haverá uma nova prioridade para se outorgar o benefício “ao índio que esteja mais preocupado em produzir e ser inserido na sociedade, do que em ter mais terras”.
A TRAJETÓRIA DAS MILÍCIAS RURAIS
Em julho de 2003, um grupo de fazendeiros do Pontal do Paranapanema, no oeste paulista, resolveu posar para o Jornal Nacional com armas em punho. Eles anunciavam a formação de um ‘centro de treinamentos’ onde se preparavam para resistir às ações do MST. Assim que assumiu o cargo, Nabhan seguiu a cartilha do governo e chamou o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST, de “organização criminosa”.
Os milicianos rurais eram ligados a Luiz Antônio Nabhan Garcia, fazendeiro da região e presidente da UDR, a União Democrática Ruralista. Hoje, ele é secretário especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura – em outras palavras, o responsável pelas demarcações de terras e a reforma agrária.
A ligação de Nabhan Garcia com a violência na região está documentada e detalhada na tese de livre-docência do historiador Adalmir Leonídio, defendida na Esalq-USP em 2010. O Pontal do Paranapanema tem um longo histórico de crise fundiária, mas foi no início dos anos 2000 que a tensão entre os fazendeiros e o MST se acentuou.
“Os grandes fazendeiros se mobilizavam para evitar a reforma agrária”, diz Leonídio. Alguns integrantes do grupo eram “jagunços e pistoleiros trazidos do Mato Grosso”. Já o Estadão noticiou que a milícia, capaz de operar com fuzis AR-15, praticava “tiro ao alvo”. Foi um escândalo. A Polícia Federal reagiu e o Senado também, com a abertura de uma CPI para investigar as milícias rurais da região.
Dias depois, o fazendeiro Manoel Domingues Paes Neto foi preso em flagrante pela Polícia Federal por porte ilegal de armas. Sua família é amiga de Nabhan e dona de uma fazenda próxima à dele, em Sandovalina. Foram apreendidas com Paes Neto carabinas, pistolas, fuzis e munição. Segundo ele, parte do armamento pertencia a Nabhan. E os capangas eram bombeiros e policiais militares, aposentados e da ativa, a grande maioria do Mato Grosso do Sul.
Segundo o depoimento de Paes Neto, a reportagem havia sido gravada em uma das fazendas de Nabhan Garcia, a São Manoel. O fazendeiro também contou que foi convidado por Nabhan, junto com o pai, para participar da foto; ambos declinaram, pois já eram investigados por outros crimes. E mais: disse que o próprio Nabhan García aparecia na foto junto aos milicianos – ele seria o quinto da esquerda para a direita, com o rosto coberto, como os outros, usando um boné da Mercedes-Benz.
O padre Paulo Cesar Moreira, membro da Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra, afirmou que “antes, os ruralistas faziam parte do governo”. “Nesse, os ruralistas são o governo, o que aponta para um cenário de aumento da violência e de legitimação da violência”, prevê.
S. C.