O general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo, avaliou que o primeiro ano da gestão de Bolsonaro foi uma “desilusão para muita gente”.
Em entrevista à BBC Brasil, ele criticou a atuação no combate à corrupção, bandeira eleitoral do candidato à Presidência em 2018, além de condenar o afastamento do presidente de outros compromissos de campanha.
“Houve algumas mudanças. A primeira delas: a reeleição. Ele dizia que não iria continuar com a reeleição etc., com quatro meses estava aberta a campanha de reeleição. Outra coisa: o combate à corrupção, que foi o carro-chefe, digamos assim, junto com o antipetismo, o combate à corrupção não ficou tão caracterizado e acho até que em alguns pontos se afastou, se afastou disso aí. E isso aí eu acho que trouxe desilusão para muita gente”, afirmou.
Ele aponta o enfraquecimento do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) – órgão que foi renomeado como Unidade de Inteligência Financeira (UIF), repassado ao controle do Banco Central e que teve sua atuação limitada após o STF atender um recurso de um dos filhos do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Sem partido-RJ), investigado – junto com seu assessor Fabrício Queiroz – por desvio de verba do seu antigo gabinete de deputado estadual – como exemplo de medida que contribuiu para o enfraquecimento do combate à corrupção.
“O Coaf, quando foi para o Banco Central, muitos percebem que ele trocou de nome e reduziu atividade”, disse. O general citou ainda nesta área as pressões sobre o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo.
Santos Cruz também criticou a interferência da família Bolsonaro no governo. Para o general, além de não ser boa, essa influência familiar desmedida é uma coisa que a sociedade brasileira não aceita. “Ela votou no presidente Bolsonaro, ela não votou na família Bolsonaro”, observou.
“Na sociedade brasileira, a gente não gosta nem que parente se meta na vida particular da gente, muito menos num ambiente nacional. O presidente tem uma responsabilidade muito grande e todas essas interferências acabam trazendo desgaste para ele mesmo, eu acredito. É uma coisa que os assessores precisam alertar muitas vezes. São momentos até um pouco mais… não constrangedores, mas mais delicados para os assessores”, acrescentou.
O militar da reserva foi alvo da rede de intrigas, que move a teia de interesses do núcleo familiar de Bolsonaro. Ele deixou o governo após sofrer uma onda de ataques orquestrada nas redes sociais por outro filho, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ). A campanha de difamação incluiu uma imagem falsa de uma conversa dele com ataques ao governo.
“Uns criminosos vagabundos de baixo nível fazem aquilo, entregam para o presidente (a imagem forjada), incrivelmente ele acredita naquilo e incrivelmente ele até hoje se nega a dizer quem levou aquilo para ele. São coisas que não se pode esperar de uma autoridade que tem essa responsabilidade”, assinalou.
Desde que deixou o governo, Santos Cruz tem cumprido uma intensa agenda de viagens pelo Brasil e o exterior. Prestigiado internacionalmente após ter comandado a missão de paz das Nações Unidas na República Democrática do Congo, entre 2013 e 2015, ele faz severas críticas à política externa do governo, comandada por Ernesto Araújo.
O general considera que a diplomacia de Bolsonaro, marcada por um “alinhamento automático” aos Estados Unidos, tem causado surpresa entre autoridades internacionais. “É completamente ideológica (a política externa). Desde o discurso de posse do ministro das Relações Exteriores, quase transformando a Bíblia num plano de governo, e outras como a parte de mudar nossa embaixada de Tel Aviv para Jerusalém”, afirmou.
Ele contou à BBC que pensa em se filiar a um partido político e disputar eleição no futuro – ainda que não saiba por qual sigla e para qual cargo.
Ele afirma que não entrará no mesmo partido de Bolsonaro. “Eu não entraria em um partido (dele) de jeito nenhum. Ele tem valores que não coincidem com os meus; ele tem atitudes que eu acho que não têm cabimento”, disse.
No entanto, apesar dessas críticas ao governo, o ex-ministro manifestou na entrevista algum otimismo na área econômica. Porém, avaliou que é preciso “prestar atenção pra não ficar só na matemática financeira”, sem chegar nos mais desfavorecidos.
“Em termos de resultado, é um governo que acertou em algumas coisas, errou em outras, como é normal em qualquer governo, nada de excepcional. A parte econômica, que sempre foi um problema bastante crítico, teve um crescimento do PIB no mesmo patamar do governo (de Michel) Temer, que tinha 5% de aprovação (contra 30% de Bolsonaro, segundo o Datafolha). Então, não vejo problema nenhum”, opinou.