Bolsonaro, depois de substituir Ernesto Araújo no Itamaraty por outro diplomata que, segundo consta, também reza pela cartilha do olavismo, vingou-se do crescente isolamento social e da rejeição da elite econômica do país e do centrão (vide pronunciamento de Lira anunciando a luz amarela), e promoveu alterações no Ministério da Defesa e em outras áreas do governo para manter viva a ideia do golpe de Estado.
As mudanças começaram logo cedo na Esplanada dos Ministérios com a saída do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, um contumaz seguidor do negacionismo olavista que produziu inúmeros prejuízos ao país na condução da política externa. O embaixador Carlos França, que ocupou a chefia do cerimonial do Palácio do Planalto, ocupará o cargo, após indicação de Eduardo Bolsonaro, o que desagradou setores do próprio centrão e de vários senadores da República.
A demissão do general Fernando Azevedo e Silva do Ministério da Defesa, anunciada também nesta segunda-feira (29), após uma reunião de cinco minutos de duração com o presidente, revelou bem o desapreço com que Bolsonaro trata os militares que se tornam auxiliares de seu governo. Em carta logo após a demissão, o general sinalizou os motivos de sua saída na forma como agradeceu ao presidente, mas fez questão de frisar que preservou as Forças Armadas como instituições de Estado, numa evidente demonstração da resistência que ofereceu à renitente tentativa de transformar a instituição em instrumento da sanha golpista.
PRESERVAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS
“Agradeço ao Presidente da República, a quem dediquei total lealdade ao longo desses mais de dois anos, a oportunidade de ter servido ao País, como Ministro de Estado da Defesa. Nesse período, preservei as Forças Armadas como instituições de Estado”, disse o general. “O meu reconhecimento e gratidão aos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, e suas respectivas forças, que nunca mediram esforços para atender às necessidades e emergências da população brasileira. Saio na certeza da missão cumprida”, acrescentou o agora ex-ministro, em nota.
Auxiliares de Azevedo confirmaram a insatisfação do general com declarações de Bolsonaro a respeito das Forças Armadas e uma avaliação de que ele tentava tratar o Exército como uma instituição a serviço dos interesses golpistas de seu governo e não um instrumento de estado. Entre aderir ao bolsonarismo e preservar as Forças Armadas, Azevedo optou claramente pela segunda alternativo, o que ficou claro na frase “preservei as Forças Armadas como instituições de Estado”, dita pelo general em, sua carta de despedida.
O ministro Braga Netto, antes na Casa Civil, foi deslocado para o Ministério da Defesa. Resta saber se o general manterá a linha de seu antecessor ou se submeterá aos desígnios do bolsonarismo, como fez seu colega de farda, Eduardo Pazuello, no Ministério da Saúde, cuja gestão desastrosa gerou constrangimentos entre os militares.
REAÇÕES NO STF
Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), avaliaram com preocupação a demissão de Azevedo. Antes de assumir o Ministério, o general era assessor da presidência do Tribunal. Na época, ele estabeleceu boa relação com os ministros e manteve contato com eles depois de ir para o governo. Integrantes da Corte lembram que, quando Bolsonaro insinuava acionar o Exército para resolver suas aventuras golpistas, era Azevedo quem entrava em contato com os ministros do STF para afirmar que as Forças Armadas respeitam a Constituição e não compactuam com a ideia de um novo golpe de Estado.
Segundo assessores do general Fernando Azevedo e Silva, Bolsonaro pressionava por um engajamento maior das Forças Armadas no seu governo. Em diversas oportunidades, o agora ex-ministro da Defesa optou por manter distância dessas intenções antidemocráticas de Bolsonaro e, inclusive, manifestou insatisfação com o uso indevido do nome da instituição.
A maior preocupação nos comandos das Forças Armadas estava no movimento de politização dos quartéis. O presidente passou a deixar pública a sua insatisfação com a permanência do general Edson Pujol no comando do Exército, por exemplo. Em novembro do ano passado, Pujol afirmou que os militares não querem “fazer parte da política, muito menos deixar a política entrar nos quartéis”.
O desgaste entre o Palácio do Planalto e as Forças Armadas se intensificou após o episódio em que Bolsonaro desautorizou publicamente o general Eduardo Pazuello, então ministro da Saúde, ao anúncio da compra de 40 milhões de doses da CoronaVac, a vacina que seria produzida pelo Instituto Butantan, de São Paulo, em parceria com a empresa chinesa Sinovac. A declaração de Pazuello, alguns dias depois, de que Bolsonaro era quem dava as ordens e que a ele cabia obedecer, foi a gota d´água para os generais da ativa. A insatisfação, lado a lado, entre Bolsonaro e o ministério da Defesa, só fez aumentar.
No final do dia, Bolsonaro, confirmou o deslocamento do general Luiz Eduardo Ramos, atual ministro-chefe da Secretaria de Governo, para a pasta antes ocupada pelo general Braga Netto – a Casa Civil.
Com a vaga deixada por Ramos, coube ao centrão, em especial, ao deputado Arthur Lira, presidente da Câmara, indicar a deputada federal Flávia Arruda (PL-DF) para a Secretaria de Governo, órgão encarregado da articulação política do governo, situado no Palácio do Planalto, próximo ao gabinete presidencial.
MUDANÇAS NO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E NA AGU SEGUEM A MESMA LÓGICA
Bolsonaro aproveitou para fazer outras mudanças em áreas nas quais estava insatisfeito pela resistência dos titulares de cumprirem rigorosamente suas ordens, demandadas, recorrentemente, ao arrepio da Constituição e em benefício de seu interesse golpista.
A recente negativa do advogado geral da União, José Levi, de subscrever ação junto ao Supremo Tribunal Federal contestando as medidas adotadas por governadores no enfrentamento da pandemia foi a gota d’água para Bolsonaro tirá-lo do cargo, indicando para seu lugar o atual ministro da Justiça, André Mendonça, uma espécie de Pazuello sem fardas, que tudo obedece ao que o chefe manda.
O delegado da Polícia Federal Anderson Torres, atual secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, será, agora, o titular do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Bolsonaro, ainda em 2019, tentou emplacar Torres como diretor-geral da PF, mas enfrentou a resistência do então ministro Sergio Moro, numa época em que o presidente buscava, desesperadamente, aparelhar o órgão para defender interesses de seu núcleo mais próximo, inclusive familiar.
REDES DAS MILÍCIAS FICARAM AGITADAS
Nas redes sociais bolsonaristas já haviam, segundo o site Congresso em Foco, críticas ásperas aos militares há pelo menos duas semanas. Os grupos indicavam uma iminente cisão entre a alta cúpula do governo e a ala de militares que ocupam ministérios e cargos em grande volume na Esplanada. A queda do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, uma das seis trocas ministeriais feitas por Bolsonaro nesta segunda-feira (29), mostrou que o que ocorria nessas redes já estava dentro do Palácio do Planalto.
Um vídeo que circulou nas redes restritas de bolsonaristas diz: “repare em quem era amigo quando convinha”. Nele, militares aparecem ao lado de Bolsonaro e, em seguida, ao lado de personalidades não alinhadas com o presidente – o que indicaria, para os autores do vídeo, certo clientelismo dos militares. Aparecem no vídeo, entre outros, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, o vice presidente Hamilton Mourão e o agora ex-ministro da defesa Fernando Azevedo e Silva – ambos generais.
Outro termômetro das intrigas palacianas foram as páginas do guru da família Bolsonaro, o astrólogo Olavo de Carvalho, na internet. Ele passou a última semana publicando uma série de provocações diretas aos militares e às Forças Armadas – braço do governo que Olavo evitava criticar em público. O que no início parecia ruído mostra-se, no entanto, como um sinal bastante claro. As mensagens refletem um movimento que vinha ocorrendo há semanas em grupos de Telegram com influenciadores da esfera apoiadora do presidente de divórcio entre as partes.
Na última sexta-feira (26), Olavo voltou a seu perfil no Twitter para questionar: “De que lado vão ficar as Forças Armadas?”. As críticas aos militares brasileiros vêm se avolumando desde a semana passada – lá, o pensador bolsonarista, auto-exilado nos Estados Unidos, chegou a dizer que os militares “são o maior risco para a segurança nacional” e que, se elas não ajudam Bolsonaro na “extinção de partidos proibidos por lei” – seja lá o que isso signifique – tais forças “não servem para porra nenhuma”.