Em seu horário eleitoral de segunda-feira, o candidato Bolsonaro proclamou-se um bastião da verdade, condenando candidatos que têm como lema “a mentira acima de tudo”.
Com isso, evidentemente, procura capitalizar o sentimento de repúdio do povo pelo estelionato eleitoral – e pelos mentirosos que, pegos em flagrante em atividades ilícitas, juram que são inocentes e que tudo é perseguição.
O problema é que, nesse aspecto, Bolsonaro não é diferente desses outros candidatos. A começar pelo iluminado econômico que escolheu, um escroque, aquele tipo de golpista na praça, que consegue criar ojeriza até em um meio – como o chamado “mercado financeiro” – onde a probidade não é uma virtude fácil de encontrar, para dizer o mínimo.
Mas não é só isso.
A cena, no programa eleitoral de sexta-feira e sábado, em que Bolsonaro subitamente para de falar – por um tempo que parece longo, apesar do horário eleitoral de cinco minutos – e, em seguida, verte algumas lágrimas para contar que desfez a sua vasectomia somente para conceber sua filha mais nova (que, segundo o narrador, “é o seu xodó”), não é, ao contrário do que disseram alguns, principalmente ridícula.
O problema da cena é que ela é falsa, de cabo a rabo, apenas uma montagem de marketing eleitoral no estilo que Goebbels – que não era um marketeiro sutil, mas não era burro -, provavelmente, faria.
Repare o leitor que não estamos questionando os sentimentos de Bolsonaro em relação à sua filha. Nem tocaríamos no assunto, se ele não a tivesse exposto no primeiro horário eleitoral do segundo turno.
Mas a cena foi toda montada somente para que Bolsonaro contestasse a sua própria declaração sobre os filhos, na Hebraica do Rio de Janeiro, em abril do ano passado:
“Foram quatro homens, a quinta eu dei uma fraquejada e veio uma mulher.”
A candidatura de Bolsonaro tem essa característica: seu marketing é sempre uma contestação de si próprio.
O estelionato, aqui, encontra-se já na campanha eleitoral.
O que isso mostra?
O contrário do que ele disse no horário eleitoral de segunda-feira: do ponto de vista moral, Bolsonaro é mais um candidato que não vê problemas, nem sente pruridos, em mentir para o povo, em montar encenações, em fazer pantominas para ser eleito.
Nesse quesito, ele não vê limites nem em sua vida privada, se achar que esta – ou a encenação desta – lhe traz alguma vantagem, verdadeira ou suposta, na vida pública.
Assim, haja montagem sobre o sacrifício supremo de desfazer sua vasectomia (convenhamos, se a maioria dos homens tem medo de fazer uma vasectomia, imagine-se só de desfazer uma vasectomia) para ter uma filha, depois de declará-la, publicamente, “uma fraquejada” – e apenas pelo fato de ser mulher.
Ou para garantir que se trata de um democrata desde criancinha (apesar de todas as suas declarações a favor da ditadura).
Ou para dizer que se trata de um nacionalista que defende as “estatais estratégicas” (as mesmas que seu pajé econômico disse que seriam todas privatizadas, se Bolsonaro vencesse).
Ou, mesmo, para passar como um defensor da Previdência pública (a mesma que seu programa, registrado no TSE, promete acabar).
Ou um “escravo da Constituição” (a mesma Constituição que consolidou as conquistas democráticas do povo brasileiro, quando acabou com o ordenamento jurídico da ditadura, que Bolsonaro sempre incensou).
Diz Bolsonaro que não tem marketeiro. Pode ser que não tenha contratado um, mas sua campanha é somente marketing – isto é, propaganda enganosa, vigarice e fraude de fazer inveja ao João Santana, de triste memória.
A diferença é que a fraude não está apenas nas promessas para quando (e se) for eleito, mas na pessoa do próprio candidato.
Alguns leitores acharam que, quanto aos ataques à outra candidatura do segundo turno, chamar Lula e os governos do PT de “comunistas” parece coisa de maluco, até porque Bolsonaro, do ponto de vista econômico, em seu programa, não promete outra coisa para o país senão uma repetição do segundo governo Dilma, com uma única diferença: em vez de Joaquim Levy no Ministério da Fazenda, Paulo Guedes no Ministério da Economia (Bolsonaro quer exumar essa invenção de Collor).
Na verdade, esses ataques são mentirosos, mas não são malucos.
O anticomunismo tem, na propaganda de Bolsonaro, a função de desviar a atenção do que realmente importa: quem está a favor de uma ditadura contra o povo no Brasil é ele – e não o seu adversário.
Daí o desvio, inclusive para outros países, com o objetivo de evitar a questão: quem está a favor da ditadura no Brasil e quem não está.
Trata-se de uma peça de marketing no estilo da conhecida história do batedor de carteiras que sai gritando “pega ladrão” para não ser agarrado pela polícia – ou pela multidão.
É evidente que tornar Lula um líder de “um grupo político com viés comunista de esquerda” (que será um “um grupo político com viés comunista de direita”?) – e um grupo internacional – parece coisa de marciano.
Afinal, a primeira decisão que Lula anunciou, depois de eleito e antes de tomar posse, foi a nomeação do ex-presidente do BankBoston, Henrique Meirelles, para o Banco Central – onde este permaneceu tanto tempo quanto Lula no governo, transferindo R$ 1,2 trilhão, sob a forma de juros, para os rentistas (bancos, fundos, negocistas e arrivistas do setor financeiro – os mesmos que hoje apoiam Bolsonaro).
Exceto se Bolsonaro achar que Meirelles é um perigoso comunista – e que seu próprio guru financeiro, Paulo Guedes, que ganhou os tubos nos governos Lula e Dilma, dando golpes em fundos de estatais, é um comunista – a propaganda do candidato do PSL abusa da paciência e da inteligência do eleitor.
No entanto, essa propaganda tenta tirar de Bolsonaro a pecha que lhe é própria: a de ser a favor da ditadura, o que é apenas verdade – e, antes desta campanha eleitoral, jamais foi escondido pelo próprio candidato – para atirá-la sobre o adversário.
Agora, no entanto, como sabe que a maioria do povo brasileiro é contra a ditadura, Bolsonaro quer esconder a si próprio atrás da imagem de um “novo” Bolsonaro, fabricado pelo marketing – e o faz do modo mais desonesto possível.
C.L.
É a versão “paz e amor” do Bolsonaro.