“Se a Eletrobrás for privatizada, o Brasil será o único país a vender as suas hidrelétricas”, afirma o especialista Joaquim Francisco de Carvalho
O governo Bolsonaro decidiu acelerar a privatização da Eletrobrás através da edição da Medida Provisória (MP) 1.031/2021, publicada no Diário Oficial desta terça-feira (23), já que as tentativas anteriores de entregar a estatal ao setor privado, de preferência estrangeiro, através de projeto de lei, foram fracassadas.
A proposta consiste em reduzir a participação da União na empresa para 45%. No caso da Itaipu Binacional e da Eletronuclear, a MP estabele a preservação do controle estatal sobre essas empresas.
Ao tentar emparedar os parlamentares exigindo sua aprovação no prazo de 120 dias, conforme determina a MP, cria um conflito que pode trazer resultados inesperados para o governo diante da enorme resistência que existe entre os parlamentares para aprovação da privatização da estatal. Afinal, mais de 60% da população já manifestou em pesquisa que é contra a privatização das estatais brasileiras.
No entanto, o desejo de Paulo Guedes de vender o Brasil é tamanho que ele chegou a aproveitar da pandemia da Covid-19, no início do ano passado, para tentar passar sua proposta de privatização da Eletrobrás, transferindo os recursos arrecadados com a venda do patrimônio do povo brasileiro para bancos, mas o plano foi rejeitado pelo Congresso Nacional, que preferiu aprovar o Estado de Calamidade Pública para enfrentar a crise sanitária e salvar vidas.
Afinal, entregar a Eletrobrás, a maior geradora de energia elétrica da América Latina, com suas subsidiárias Furnas, Chesf, Eletronorte e metade de Itaipu, é um crime de lesa-pátria. E por uma merreca de R$ 16 bilhões, quando praticamente todo o capital investido nas hidrelétricas está amortizado, é entregar o ouro ao bandido. R$ 16 bilhões que não iriam salvar nem vidas e nem a economia.
Anualmente, a Eletrobrás tem apresentado lucros em torno R$ 10 bilhões, pagando ao Tesouro dividendos de cerca de R$ 1,1 bilhão por ano, sendo que o restante é aplicado no desenvolvimento tecnológico e manutenção do sistema.
Como registrou o especialista Joaquim Francisco de Carvalho, mestre em engenharia nuclear e pesquisador associado ao IEE/USP, em artigo publicado no site ILUMINA, “… a privatização produziu resultados opostos ao prometido quando aquelas empresas começaram a ser privatizadas. O empresariado pouco investiu e, para evitar apagões, o governo teve que continuar investindo no setor. E, em vez de mais baratas, as tarifas para o setor residencial subiram mais de 55% e as do setor industrial cerca de 130% acima da inflação, provocando a falência de inúmeros estabelecimentos industriais, desempregando centenas de engenheiros e milhares de operários qualificados. Iss o contribuiu muito para o processo de desindustrialização do país, que começou no governo Collor e ganhou impulso no governo FHC”.
O parque gerador da Eletrobrás tem uma capacidade conjunta de 51.143 MW, compondo-se preponderantemente de usinas hidrelétricas. Cerca de 65% da eletricidade consumida no Brasil vêm das hidrelétricas.
“As antigas estatais do sistema elétrico foram quase todas privatizadas. Só no segmento de geração, foram 60% delas. No segmento de transmissão, 85% das linhas são operadas por grupos privados. As principais empresas de distribuição também foram privatizadas”, aponta o especialista.
CONTROLE É ESTRATÉGICO
“Cerca de 65% da eletricidade consumida no Brasil vêm das hidrelétricas – e a geração de energia é apenas uma das utilidades dos reservatórios, ao lado do abastecimento de água, da regularização dos rios, da navegação, etc. Assim, o controle das grandes usinas hidrelétricas é estratégico”, alertou.
“Até nos Estados Unidos estas pertencem a entidades públicas, como a Tennessee Valley Authority, a North Western Energy Company, a Bonneville Power Administration e, principalmente, o US Army Corps of Engineers, que é o maior proprietário de usinas hidrelétricas, com 75 usinas e capacidade instalada de 21.000 MW, ou cerca de 24% da capacidade hidrelétrica instalada naquele país. Ali, as termelétricas convencionais e as nucleares é que pertencem a empresas privadas”.
“Brasil, Canadá, Noruega, Suécia e Venezuela são os únicos países em que a energia hidráulica é a principal fonte primária para a geração de energia elétrica. Em todos, as hidrelétricas são estatais e, deles, só a Venezuela é socialista. Se a Eletrobrás for privatizada, o Brasil será o único país a vender as suas hidrelétricas”, ressaltou o especialista.
Joaquim Francisco destacou também que as empresas privadas têm entre os seus objetivos o de gerar lucros, enquanto as empresas públicas visam atividades como a segurança, o ensino básico, a pesquisa científica, a saúde pública, entre outras. Além do mais, a eletricidade é vital para a produção industrial, o comércio, as comunicações, a conservação dos alimentos, ou seja, praticamente tudo.
“Assim, as tarifas de eletricidade não devem ser formadas no espaço privado, pois influenciam todos os custos da economia e constituem um eficiente instrumento de incentivo à indústria – e uma privilegiada ferramenta de arrecadação, daí a cobiça do setor financeiro”, afirmou.
“Por força das privatizações e dos intermediários não produtivos, introduzidos com o objetivo (inatingível) de converter em mercadoria um monopólio natural como o fornecimento de eletricidade, a Eletrobrás vinha apresentando resultados muito negativos, por ter sido obrigada arcar com os prejuízos do modelo. Não por acaso, esses prejuízos corresponderam a grandes lucros para os intermediários não produtivos”.
“Em vez de investir em projetos novos, os empresários do setor financeiro preferem comprar o que já foi feito pelo Estado, o que representa apenas a passagem de títulos de propriedade de um lado para outro, sem que haja expansão da capacidade do sistema”, denunciou.
APAGÃO NO AMAPÁ
O especialista citou, como exemplo, recente pesquisa de opinião feita na Inglaterra, onde 77% dos ingleses querem que sejam reestatizadas as empresas de energia elétrica que foram privatizadas pela administração Margareth Tatcher.
E lembrou o recente episódio do Amapá. “Ao contrário do que faria uma empresa estatal, a Gemini Energy, atual responsável pelo suprimento elétrico daquele estado, decidiu se apropriar da totalidade dos lucros, sem deixar nada para os investimentos em manutenção. O resultado foi um apagão que durou três semanas”, enfatizou.
O estrago no Amapá só foi solucionado graças ao empenho da Eletronorte, subsidiária da Eletrobrás.