
Baptista Júnior também avaliou que o golpe não se concretizou porque “não houve participação unânime das Forças Armadas”. Revelações estão nos vídeos liberados pelo STF na terça-feira (3)
O brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, ex-comandante da FAB (Força Aérea Brasileira) durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), confirmou, em depoimento ao Supremo Tribunal Federal (STF), que a reunião ocorrida no Palácio da Alvorada, no mês de novembro de 2022, portanto, após a vitória do presidente Lula nas eleições, com a presença do ex-mandatário e demais comandantes das Forças Armadas, tratou claramente sobre a possibilidade da adoção de GLO (Garantia da Lei e da Ordem), uma medida que serviria para impedir a posse de Lula.
A revelação foi feita com a divulgação, pelo STF, dos vídeos dos depoimentos das 52 testemunhas de defesa e de acusação que foram ouvidas na suprema Corte, na ação penal que tramita contra o chamado “núcleo crucial” da trama golpista, entre eles o ex-presidente.
Baptista Júnior contou que, inicialmente, os comandantes das Forças Armadas e o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, discutiam a possibilidade de GLO, com presença do Exército nas ruas, para evitar uma crise social, enquanto havia os acampamentos em frente aos quartéis-generais pelo Brasil e uma greve de caminhoneiros.
No entanto, ele, no mesmo depoimento, revela que se deu conta de que o objetivo de Bolsonaro era outro. “A partir de um momento, comecei a achar que o objetivo de qualquer medida de exceção era, sim, para não haver assunção do presidente que foi eleito. A partir desse momento, fiquei muito preocupado”, disse.
BRIGADEIRO SUSTENTA AMEAÇA DE FREIRE GOMES
Baptista Júnior também contradisse o ex-comandante do Exército Freire Gomes que, em depoimento na mesma manhã ao STF, negou que tivesse ameaçado o ex-presidente de prisão caso insistisse na trama golpista.
“Não é uma coisa simples se esquecer do general tratando de uma hipótese de prisão. Não foi ordem de prisão como vi na imprensa, foi hipótese. A minha palavra eu mantenho: por educação, ele disse ao presidente que por hipótese teria que prendê-lo”, esclareceu.
“O general Freire Gomes é uma pessoa educada, logicamente que ele não falou essa frase com agressividade com o presidente da República. Falou com muita tranquilidade, com muita calma, ele colocou isso. Eu vi a discordância entre o que ele falou e o que eu estou falando”, sustentou.
Em seu depoimento, Freire Gomes, embora tenha confirmado a existência de uma minuta golpista apresentada por Bolsonaro, deu uma versão mais amena do que teria dito a Bolsonaro, afirmando que disse ao então presidente que ele poderia ser “enquadrado juridicamente” se insistisse em algumas teses que saíam do “aspecto jurídico”.
O general chegou a ser repreendido pelo ministro Alexandre de Moraes, que conduziu a audiência, após mudar de versão também sobre o apoio do ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, ao golpe.
“Ou o senhor falseou a verdade na polícia, ou está falseando a verdade aqui”, advertiu Moraes.
Em resposta, Freire Gomes afirmou que “jamais mentiria”. “O almirante Garnier tomou essa postura de ficar com o presidente. Eu não posso inferir o que ele quis dizer com ‘estar com o presidente’. Agora eu não omiti o dado. Eu sei plenamente o que eu falei.“
ALMIRANTE COLOCOU MARINHA À DISPOSIÇÃO
O brigadeiro Baptista Júnior também confirmou que o almirante Garnier, então comandante da Marinha, se colocou à disposição do presidente. “Eu tenho uma visão muito passiva do almirante Garnier. Em uma dessas reuniões, chegou o ponto em que ele falou que as tropas da Marinha estariam à disposição do presidente.”
REFUTADA TESE BOLSONARISTA DAS “POSSIBILIDADES JURÍDICAS”
O ex-comandante da FAB também rebateu uma tese sustentada pelos bolsonaristas de que a reunião ocorrida em 14 de novembro e em outros que participou trataram apenas de “possibilidades jurídicas”, deixando evidente que o objeto central era buscar um pretexto jurídico para implementar o golpe de Estado.
“Ele (Paulo Sérgio) falou assim: ‘Eu trouxe aqui um documento para vocês analisarem’. Logicamente, com base em tudo o que estava acontecendo, eu perguntei: esse documento prevê a não assunção, no dia 1 de janeiro, do presidente eleito? Ele respondeu que sim. Aí eu falei: não admito sequer receber este documento”
“A reunião abordava possibilidades jurídicas, temos conhecimento jurídico suficiente para abordar um tema inicialmente sobre GLO, mas a reunião, o objetivo não era só esse. O objetivo sempre foi uma análise de conjuntura, preocupações com acampamentos, problemas com caminhoneiros. Isso foi num crescente como disse, começou com GLO, e passou a se discutir estado de defesa”, sentenciou.
Baptista Júnior acrescentou, ainda, que “as palavras do Bolsonaro na frente do Alvorada de que as Forças Armadas iriam para onde o povo mandasse, que estávamos em uma encruzilhada, também não tinham me deixado desconfortável”.
“Começamos a imaginar que os objetivos políticos de uma medida de exceção não eram para garantir a paz social até o dia 1º de janeiro. Não foi uma resposta a uma colocação do presidente de que faria um golpe, mas no âmbito dessa discussão de implementação de um estado de exceção”, argumentou.
MINUTA GOLPISTA E PRISÃO DE MORAES
O ex-chefe da Aeronáutica também relembrou que houve reuniões e “brainstormings” para debater a prisão do ministro Alexandre de Moraes.
Baptista Júnior afirmou, ainda, que o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, apresentou uma minuta golpista aos comandantes das Forças Armadas na mesma reunião do dia 14 de dezembro de 2022.
“Ele (Paulo Sérgio) falou assim: ‘Eu trouxe aqui um documento para vocês analisarem’. Logicamente, com base em tudo o que estava acontecendo, eu perguntei: esse documento prevê a não assunção, no dia 1 de janeiro, do presidente eleito? Ele respondeu que sim. Aí eu falei: não admito sequer receber este documento”, sustentou em seu depoimento.
Sobre os ataques do general Braga Netto à sua pessoa, afirmou: “Não só à minha pessoa, mas à minha família, o que foi muito difícil e ainda tem sido muito difícil porque tem muita gente insana.”
MORAES: “NÃO ESTAMOS AQUI PARA FAZER CIRCO”
Em outra intervenção, Moraes levantou a voz com o advogado Eumar Novacki, que representa o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, e mandou cortar o áudio do criminalista, depois que ele insistiu em uma pergunta sobre a minuta golpista ao brigadeiro Baptista Júnior.
“Nós não estamos aqui para fazer circo. Não vou permitir que Vossa senhoria faça circo no meu tribunal”, repreendeu o ministro. “Não adianta ficar repetindo seis vezes a mesma pergunta para tentar que a testemunha mude.”
OS VÍDEOS LIBERADOS E OS PRÓXIMOS PASSOS
As gravações das audiências foram liberadas após a conclusão de todos os depoimentos. A próxima etapa é o interrogatório dos réus, a partir da próxima semana. As audiências integram a ação penal sobre tentativa de golpe de Estado para manter Bolsonaro no poder após perder as eleições em 2022. O ex-comandante da FAB foi a última das testemunhas da acusação a ser ouvida. A partir de amanhã, o STF ouve as testemunhas das defesas.
O relator do processo no Supremo, Alexandre de Moraes, conduz o depoimento. Normalmente, isso costuma ser feito por juízes auxiliares, mas ele já tinha estado à frente no primeiro dia de oitivas. Diferentemente da primeira audiência, porém, o ministro não deu bronca na testemunha e não cortou o microfone de nenhum advogado, mas intercedeu quando a defesa de Almir Garnier insistiu em perguntas repetitivas.
Os ministros Cármen Lúcia e Luiz Fux, que integram a Primeira Turma, onde corre a ação penal, também acompanham a audiência, sendo que Fux também fez algumas perguntas ao final.