Em sua entrevista no Jornal Nacional, da TV Globo, na segunda-feira (08/10), Bolsonaro afirmou que “o nosso compromisso, a nossa plataforma, a nossa bandeira, baseia-se em João 8:32: E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”.
A frase, de Jesus Cristo, no Evangelho Segundo João é, por coincidência, o lema da CIA, que a colocou, em letras douradas, na parede do saguão de entrada, na sua sede, em Langley, Virginia.
Deve ser uma coincidência que uma central de mentiras – para não falar do terrorismo, torturas, assassinatos e golpes de Estado – tenha por lema a mesma frase citada por Bolsonaro.
Mas, também no caso de Bolsonaro, a frase serve para introduzir a mentira – por atacado e a varejo.
Na entrevista, Bolsonaro disse que “desautorizou” (sic) seu candidato a vice-presidente, Hamilton Mourão, nos seus ataques à Constituição (inclusive a afirmação de que não eram necessários “representantes do povo” para fazer uma outra Constituição) e quando “admitiu a possibilidade do presidente da República perpetrar um autogolpe”.
Disse Bolsonaro: “seremos escravos da nossa Constituição”.
A frase poderia ter alguma credibilidade na boca do presidente Eurico Gaspar Dutra (1946-1951), de quem Bolsonaro a plagiou.
Mas não na boca de Bolsonaro, que, logo depois, diz o seguinte: “o que falta um pouco ainda ao general Mourão é um pouco de tato, um pouco de vivência com a política”.
Mourão atacou a Constituição e falou em “autogolpe” – o que, com certeza, não é um contragolpe para garantir o cumprimento da Constituição, já que ele quer mudá-la.
Portanto, Mourão expressou uma posição política. Não é uma questão de “tato”, pouco ou muito, nem é uma questão de “ vivência com a política”. Essa é a sua opinião, da mesma forma que também disse que o melhor governo que o país teve foi o governo Médici, que não é lembrado por seu zelo pela democracia.
Então, por que Bolsonaro falou em “tato” e “vivência com a política”?
Porque, para Bolsonaro, o problema das declarações de Mourão não é a opinião antidemocrática e pró-ditatorial. O problema é o fato de que ele falou essas coisas numa hora imprópria, em plena campanha eleitoral, e em público.
Daí, se ele mentisse ou calasse a boca (isso é que é ter “tato” ou “vivência com a política”) não haveria problema.
Aliás, quem não sabe que Bolsonaro acha a mesma coisa que Mourão sobre a ditadura?
Ele mesmo cansou de dizer coisas semelhantes – inclusive chamando facínoras, assassinos e torturadores, que desonraram a sua farda, de heróis, ou cantando loas, algo histéricas, em louvor à ditadura.
Será que ele fazia isso movido por seu amor à democracia e por sua fidelidade à Constituição?
Para isso serve a sua citação do Evangelho: para cometer um sacrilégio, tentando ocultar mentiras com as santas palavras.
MAIS MENTIRAS
A mesma coisa pode ser dita de seu vídeo, no domingo, após a apuração das eleições.
Existe uma diferença entre unir o Brasil e submeter o povo brasileiro.
Bolsonaro, em sua arenga, no último domingo, demonstrou ignorar essa diferença. Ou, para ser mais preciso, quis apresentar a submissão do povo – a ele e aos interesses antinacionais, antipopulares, e, portanto, antidemocráticos, que se homiziam na sua candidatura – como “união do Brasil”.
Mais uma vez, Bolsonaro, usando como pretexto a saúde, fugiu de uma entrevista – uma entrevista que ele mesmo convocara, em um hotel na Barra da Tijuca, no Rio, a poucos metros de sua casa.
Os repórteres ficaram esperando em vão – enquanto ele lançava, no “Facebook”, esse vídeo, onde aparece ao lado de seu chefe de programa econômico, Paulo Guedes. Lá no fundo, imerso na semi-escuridão, em pé, seu vice, Hamilton Mourão, tentava (e nem isso conseguia) fazer o papel de papagaio de pirata, deslocado e desempenhando um papel ridículo – ao fim, Mourão aplaude, de maneira bajulatória, um sujeito que foi excluído da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO) e quase foi expulso do Exército por indisciplina e atos contra a própria instituição militar (v. Terrorismo de baixa potência).
Quanto ao que ele disse, foi uma repetição da retórica de Collor. Por exemplo, disse ele, “temos que nos aproximar das grandes nações”, tal como Collor dizia: “temos que entrar no primeiro mundo” (e, para tal, a primeira providência de Collor foi confiscar a poupança dos mais pobres; a segunda foi devastar a Petrobrás; a terceira foi privatizar a siderurgia, o que fez com que nos tornássemos importadores de aço).
Além disso, lançou suspeitas – e, até mesmo, fez acusações – contra a lisura das eleições, e apenas porque não ganhou no primeiro turno, morre de medo de não ganhar no segundo, e quer intimidar os adversários e a Justiça Eleitoral, incitando seus seguidores à violência (v. Vídeo sobre fraude na urna eletrônica é falso, mas Bolsonaro insiste na farsa).
Porém, depois de citar o mesmo trecho do Evangelho Segundo João (“E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”), disse ele:
“… de aproximadamente 150 estatais, no primeiro ano, no mínimo 50 ou nós privatizamos ou extinguimos simplesmente, e assim vamos continuar com responsabilidade a diminuir o tamanho do Estado, porque somente dessa maneira nós combateremos a corrupção. Nós temos responsabilidade em definir o que são estatais estratégicas, temos responsabilidade, sim, não queremos entregar o nosso patrimônio pra qual país que seja, nós devemos valorizar o que é nosso.”
Ao lado dele, estava, precisamente, seu guru econômico, Paulo Guedes, autor da seguinte exposição do programa de Bolsonaro:
“[O programa de ajuste] começa com um programa de privatizações. Calculamos que temos cerca de 1 trilhão de reais em ativos a ser privatizados, incluindo as ações do Tesouro na Petrobras. O governo pode vender a Petrobras, por que não? Para mim são todas [as estatais que devem ser privatizadas]. Eu acho que o Congresso aprova. Eu defendo privatizar tudo mesmo. Temos ainda mais de 700.000 imóveis da União que podem ser vendidos. Com isso, calculamos mais cerca de 800 bilhões a 1 trilhão de reais. Somadas essas duas medidas, já são 2 trilhões de reais que poderíamos usar para reduzir a dívida, que hoje é de 4 trilhões. Depois, faríamos concessões de tudo relacionado à infraestrutura. Não há limites.”
Se algum bolsonarista tiver a capadócia de dizer que essa é a opinião de Guedes e não de Bolsonaro, reproduzimos abaixo as declarações do próprio candidato:
“Se você privatizar a Petrobras, deixar outras empresas entrarem no Brasil, vai ter a livre concorrência aqui, com toda certeza, isso pode acontecer” (Bolsonaro em entrevista à GloboNews, 03/08/2018).
Obviamente, os monopólios petroleiros estrangeiros não trazem concorrência alguma quando entram dentro do país – pela simples razão de que são monopólios.
Não existe, no Brasil, empresa mais estratégica do que a Petrobrás. E a solução para a corrupção não é privatizá-la, pois isso só aumentaria a corrupção dos monopólios privados – foram estes, ou candidatos a monopólios, que promoveram, com ajuda de alguns partidos, a corrupção na Petrobrás. Não foi a Petrobrás que fez isso. Pelo contrário, a Petrobrás foi vítima desses monopólios e de seus cúmplices.
A solução para a corrupção é colocar os corruptos na cadeia.
Porém, o importante aqui é ver a desenvoltura como Bolsonaro é capaz de mentir, ao mesmo tempo em que cita versículos do Evangelho sobre a verdade. E com Paulo Guedes do lado.
Se ele quisesse não entregar o nosso patrimônio, escolheria outro guru econômico.
Mas a questão é, precisamente, como pode ser aquilatado pelas palavras acima, que ele não quer proteger patrimônio algum. Ao contrário, quer entregá-lo – e estava falando do petróleo do pré-sal.
Sem nem tremer de medo do castigo divino, ao usar a Bíblia para mal tampar suas mentiras.
C.L.