O presidente sem partido Jair Bolsonaro (está difícil a tarefa de encontrar um que o aceite) disse, nesta quarta-feira (28), que “o povo vai reagir” se o país não tiver “uma eleição democrática” no pleito do próximo ano.
Sinônimo de “eleição democrática” para ele é a instituição do voto impresso – um modelo que vem defendendo sob o pretexto de que o atual sistema eleitoral, baseado nas urnas eletrônicas, permite fraude. A declaração foi feita a apoiadores, no Palácio da Alvorada.
Disse o mandatário:
– Olha, o povo vai reagir em 22 se não tivermos uma eleição democrática. Todos nós queremos eleições. […] Temos que ter transparência. Me acusavam de ser ditador, mas estou demonstrando exatamente o contrário. Vai ganhar eleições quem tem voto. Se não for dessa maneira, poderemos ter problema em 22 e eu não quero problema.
Bolsonaro, decididamente, mergulhou no pântano do cinismo e da desfaçatez.
Isso não acontece por acaso.
Levantamento feito pela imprensa aponta que o capitão falou numa provável “fraude” nas eleições de 2022 ao menos 90 vezes entre 6 de maio e a última sexta-feira, 23 de julho, mas deve ter falado muito menos de vacina, emprego, assuntos de pouca ou nenhuma relevância para ele.
Diante do cavalar processo de desgaste social, tenta construir uma narrativa que lhe sirva de plataforma para justificar tal “reação popular”.
“O povo vai reagir”… Que povo? O que já o abandonou pelas frustrações crescentes com seu trágico governo, na economia e na pandemia?
Certamente, com esse “povo” ele não vai contar, muito menos com a maioria dos brasileiros que, em 2018, votou na oposição ou preferiu anular o voto ou, ainda, se absteve de votar.
Que autoridade tem para pedir “transparência” quando transformou seu governo numa verdadeira caixa-preta, dessas cujo conteúdo só será inteiramente conhecido após sua queda, como nas aeronaves.
“Ditador”? Não, nesse ponto, concordamos com o capitão. Ele não é um ditador, não porque não queira, e sim por não ter respaldo, nem social, nem político, nem militar, para seu solerte e indisfarçável desejo, embora não tenham faltado tentativas nessa direção.
Bolsonaro afirmou com todas as letras, buscando reforçar sua tese baseada no voto impresso: o país terá “eleições limpas” ou “não terá eleição”, como se a realização do pleito dependesse da vontade do déspota que ocupa a suprema magistratura do país por esses acidentes e infortúnios da política nacional.
Segundo ele, “eleições limpas” só com voto impresso.
A primeira vez em que Jair Bolsonaro prometeu que iria expor provas de fraudes nas eleições pela ausência do voto impresso foi em 9 de março de 2020, ou seja, há mais de um ano, e até agora nada.
Em tom desafiador, disse que fará um anúncio “bombástico” em sua live semanal desta quinta-feira (29) para demonstrar as “inconsistências” e “vulnerabilidades” das urnas eletrônicas. Quanto ao drama sanitário inédito que o país ainda atravessa, ao desemprego dos trabalhadores e à ruína do setor produtivo, enquanto os rentistas engordam com a crise, ou, ainda, à legião de miseráveis que se avoluma a cada dia nas ruas diante da desídia de seu governo, bem, essas não são questões da alçada de sua excelência.
Não, nada disso preocupa Bolsonaro.
Ele está preocupado em provar a fraude no pleito de 2014 quando Dilma Rousseff (PT) venceu o candidato Aécio Neves (PSDB), embora os próprios tucanos, vítimas da vitória petista, já informaram que promoveram uma auditoria independente e não constataram qualquer vestígio de fraude nas urnas eletrônicas.
Sua sanha delirante não para por aí: prometeu provas de que venceu as eleições de 2018 ainda no primeiro turno.
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, cansado dessa ladainha, e após auditorias internas que não constataram fraudes nos pleitos pretéritos realizados sob a égide da urna eletrônica, além de descartar essas alucinadas hipóteses de Bolsonaro, garantiu a segurança no atual sistema e informou novas providências para fortalecer a credibilidade do voto eletrônico.
Ainda no início deste mês, o TSE pediu ao chefe do Executivo que apontasse as aludidas provas de irregularidades, mas, até o momento, a Corte nada recebeu, até porque o discurso de Bolsonaro sobre o “voto impresso” nada tem a ver com seu compromisso com a lisura das eleições.
Trata-se, reafirmamos, de uma narrativa na busca de um pretexto para não aceitar o resultado das eleições de 2022, pois, diante da previsível derrota, no primeiro ou no segundo-turno – como indicam todas as pesquisas de opinião de todos os institutos realizadas até o momento, se puder, tentará usar o seu “povo” para não aceitar o sufrágio, como tentou fazer, sem sucesso, seu guru, nos EUA, Donald Trump, cujo destino foi o recolhimento aos seus aposentos milionários na Flórida, após o fracassado assalto ao Capitólio.
E não há nada que indique a possibilidade de reversão desse quadro de desgaste e isolamento. Nem na economia, cuja condução foi catastrófica desde os primeiros dias de seu governo, muito menos na pandemia, diante da tragédia que ainda mata milhares de brasileiros todos os dias, decorrente, em grande medida, do negacionismo bolsonarista.
Quanto ao voto impresso, trata-se de uma matéria que está sob análise do Congresso Nacional, mais especificamente de comissão especial que discute a proposta de emenda constitucional na Câmara dos Deputados.
Partidos sérios e históricos como o PDT, por exemplo, sustentam a proposta desde os tempos de Leonel Brizola, mas não pelas mesmas razões de Bolsonaro, que, rigorosamente, não tem compromisso com a urna eletrônica nem com o voto impresso, muito menos com as eleições, e muito menos ainda com a democracia.
Se pudesse, se tornaria um ditador, com o fechamento do Parlamento e do Supremo Tribunal Federal, e a anulação da Constituição Cidadã de 88, como seus acólitos defenderam nas ruas há bem pouco tempo atrás, com seu apoio tácito.
Se pudesse, mas não pode, pois a rua já disse não a esse caminho, como também a Justiça, o Parlamento e os quartéis, em que pese sua persistente tentativa de empurrar nossos bravos militares para essa aventura.
Portanto, suas palavras não passam de bazófia, fanfarronice, sobre as quais os democratas devem ficar alertas, é verdade, até porque, no desespero, tentará mobilizar seu “povo” para não aceitar o resultado das urnas.
Certamente, será o “povo” do Rio das Pedras, entre outras cidadelas cujos milicianos estão muito mais próximos do xadrez do que do poder.
Mesmo com todas essas convicções, para não parecer intolerância ou intransigência de nossa parte, estaremos de olho na live do presidente sem partido desta quinta-feira, afinal, promete ser “bombástica”.
MAC