Ele disse que antes a imprensa chamava isso de greve e que, agora, “denigre” o movimento “chamando-o de motim”. “Essa é a imprensa brasileira”, reclamou Bolsonaro.
A insanidade de Jair Bolsonaro parece inesgotável. Depois de transformar a saída do Alvorada num palco para palhaçadas, ele resolveu argumentar, em live, divulgada na quinta-feira (05), que a ocupação de quartéis por homens encapuzados que aterrorizaram a população do Ceará, que obrigaram lojistas e escolas a fecharem suas portas, que, com armas na mão, agrediram policiais em serviço, atiraram para matar num senador da República e inutilizaram viaturas da polícia, “não foi um motim, “foi uma greve”.
“Terminou, demos por 8 dias, prorrogamos por mais 7 e, no quinto dia da segunda prorrogação, foi feito um acordo e decidiu a questão da greve dos policiais. Olha o que eu falei, greve. A imprensa, nos governos anteriores, falava em greve. Quando chegou no meu governo, começou a falar o que? Motim, que é uma diferença enorme de greve para motim. Essa é a imprensa brasileira”, afirmou Bolsonaro.
A fala de Bolsonaro em socorro aos amotinados que cometeram crimes é uma afronta à Constituição e às leis. É um apoio explicito aos absurdos cometidos pelos encapuzados que chantagearam e aterrorizaram a população. Já houve vários movimentos por aumento de salários de policiais, mas nunca aconteceu nada parecido ao que foi feito no Ceará pelos grupos de mascarados. A população foi ameaçada por elementos à paisana e armados exatamente como agem os bandidos.
A live é tão lunática que bate de frente até com o próprio ministro da Justiça, Sérgio Moro, que, apesar de ter contemporizado inicialmente com os encapuzados, acabou condenando o motim em reunião com governadores do Sudeste. Cobrado, na ocasião, Sérgio Moro respondeu que “de fato essa paralisação é ilegal, é proibida pela Constituição. O Supremo Tribunal Federal já decidiu isso”.
A demora de Moro em reconhecer a ilegalidade do motim cearense rendeu a ele um profundo desgaste em suas próprias redes sociais. Milhares de seus seguidores cobraram do ministro um posicionamento claro de condenação à barbárie que foi colocada em prática pelos amotinados no Ceará. “O governo federal vê com preocupação a paralisação que é ilegal da Polícia Militar do Estado”, afirmou, depois de muita pressão, o ministro da Justiça.
Esse gesto irresponsável exposto pelo presidente em sua live, explica porque, ao ser forçado a enviar tropas federais, após o pedido oficial do governador do Ceará, Bolsonaro enviou ao estado conflagrado um militar comandando a Força Nacional de Segurança, o coronel Antônio Aginaldo de Oliveira, que, ao chegar ao estado, deu declarações de apoio aos amotinados.
Disse que eles eram “gigantes” e “fortes” por estarem fazendo tudo aquilo. Explica também porque Bolsonaro quis tirar as tropas do Exército, garantidas pela decretação da GLO (Garantia da Lei e da Ordem), antes da resolução do conflito.
Ele só não retirou as tropas antes da hora porque governadores de vários estados se prontificaram a enviar suas tropas para o Ceará, caso Bolsonaro abandonasse a população cearense nas mãos dos bandidos e dos amotinados.
Já se sabia que o motim de policiais do Ceará tinha sido insuflado por interesses políticos – a proposta de aumento de 43% no salário inicial de soldado tinha sido aceita pela categoria. Agora fica claro que, além do bolsonarismo local, os encapuzados do Ceará estavam sendo respaldados também por Brasília.
Esse apoio dado por Bolsonaro e por seus milicianos ao motim cearense resultou na explosão da violência no estado. Foram 241 mortes violentas durante os 13 dias de motim, o dobro do que ocorreu no mesmo período do ano anterior, em situação normal.
Entre os mortos pelo menos vinte eram jovens com menos de 20 anos. Não precisaria de nada disso, caso os bolsonaristas não tivessem insuflado irresponsavelmente a categoria a rejeitar a proposta salarial. Que, diga-se de passagem, era boa e colocava a PM do Ceará entre os cinco melhores salários do país. Tanto isso é verdade que ela tinha sido comemorada antes da radicalização e acabou sendo aceita no final.
E, para concluir, Bolsonaro disse que não será mais “tão fácil enviar tropas aos estados” que necessitarem. “Deixar bem claro, nós vamos dificultar a GLO”, disse ele na live.
Esse tipo de raciocínio tosco, já expresso durante o motim, levou um jornal cearense a afirmar que Bolsonaro “pensa que está fazendo algum favor”.
“Não está não”, disse o jornal. Ele tem que saber que o Exército não é dele. É obrigação do governo federal garantir a lei e a ordem, acrescentou o periódico local.
Esse tipo de comportamento irresponsável que tantos males trouxe à população do Ceará, e que foi apoiado por Bolsonaro, como uma simples “greve”, indignou também o general Santos Cruz, ex-ministro do governo e um dos militares mais respeitados do Exército brasileiro. Ele disse que esse motim do Ceará não “é coisa de militar”.
“Chama a atenção a parte comportamental, fora da disciplina, estragar veículos, sair encapuzado. Vai contra a hierarquia, a disciplina, contra tudo. Quem infringiu a lei que pague de acordo com a lei”, acrescentou o general.
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