Ele vetou trechos da nova Lei de Segurança Nacional que impedem a ação do “gabinete do ódio”. Veto revela intenção de usar o expediente criminoso em planos seus golpistas
O veto de Jair Bolsonaro, nesta quarta-feira (1), à punição da “comunicação enganosa em massa”, crime mais conhecido como “produção e divulgação de fake news”, no projeto que revogou a Lei de Segurança Nacional, confirma sua intenção – tanto dele quanto de suas milícias – de utilizar esses métodos criminosos para atacar e ameaçar as instituições democráticas. O texto enviado pelo Congresso previa pena de 1 a 5 anos de reclusão para a prática desse crimes.
Na justificativa ao veto, Bolsonaro usou o pretexto de que o trecho contraria o interesse público por não deixar claro o que seria punido – se a conduta de quem gerou a informação ou quem a compartilhou. Ele, por exemplo, certamente seria enquadrado nos dois crimes. Bolsonaro questionou ainda se haveria um “tribunal da verdade” para definir o que pode ser entendido como inverídico. “Verdade” para Bolsonaro, é o que ele diz e mais nada. Ele também afirma que o trecho vetado poderia “afastar o eleitor do debate público”. Ou seja, dá uma clara sinalização de que ele seguirá utilizando sua fábrica de mentiras no debate público.
ABIN PARALELA
Bolsonaro vetou a punição à disseminação de mentiras porque quer manter a impunidade do “gabinete do ódio”, estrutura montada por cúmplices de suas intenções golpistas, e dirigidas por seus filhos, particularmente o vereador Carlos Bolsonaro. O ex-ministro Gustavo Bebiano disse, pouco antes de morrer, que descobriu a montagem, pelo vereador, de uma verdadeira “Abin paralela” dentro do Palácio do Planalto.
Sabe-se hoje, com detalhes, que Bolsonaro chegou ao poder usando e abusando desse tipo de expediente criminoso e que continuou a usá-lo durante seu governo. Antigos aliados de Bolsonaro, como a deputada Joice Hasselmann, deram informações minuciosas do funcionamento da estrutura conhecida por “gabinete do ódio”. O general Santos Cruz, ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo confirmou que sua saída do ministério se deu porque ele não permitiu que grupos fanáticos tomassem conta da comunicação do governo.
No texto original do projeto que substituiu a LSN, esses atos foram definidos como “promover ou financiar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral.”
INQUÉRITO DAS FAKE NEWS
A iniciativa de Bolsonaro de vetar este trecho da nova lei tem a clara intenção de proteger as suas milícias digitais, produtoras de fake news em série, e ele próprio, que estão sendo investigados por esses crimes no inquérito conduzido pelo Supremo Tribunal Federal, chamado “inquérito das fake news”, que apura a disseminação organizada de informações falsas.
Outro veto à lei que revela bem as intenções golpistas de Bolsonaro foi o veto à punição mais severa às pessoas ou servidores públicos que atentarem violentamente contra a democracia. O trecho vetado por Bolsonaro previa o aumento de pena em um terço caso os crimes contra o Estado Democrático de Direito que forem cometidos com violência ou grave ameaça com uso de arma de fogo ou por funcionário público – que seria punido, ainda, com a perda da função.
Outro artigo vetado por ele e que mostra bem os planos autoritários de Bolsonaro nos embates políticos que se avizinham é o trecho que prevê a punição a quem impedir “o livre e pacífico exercício de manifestação”. O pretexto de Bolsonaro para este veto foi de que haveria dificuldade para definir antes e no momento da ação operacional “o que viria a ser manifestação pacífica”.
MANIPUAÇÃO DE MILITARES
Ele também sinalizou sua intenção de tentar manipular os militares ao vetar o trecho que que aumentava pela metade o tempo de condenação de militares caso o crime atente contra o Estado de Direito. Previa também a perda de patente ou de graduação. A justificativa é que isso colocaria os militares em situação mais gravosa e representaria “uma tentativa de impedir as manifestações de pensamento emanadas de grupos mais conservadores.” A ideia parte do pressuposto errado de que as FFAA são sempre conservadoras. Em vários episódios da história do Brasil elas foram extremamente progressistas.
O projeto aprovado pelo Congresso Nacional deixa explícito que não será considerado crime contra o Estado Democrático de Direito: apelo à manifestação crítica aos poderes constitucionais; atividade jornalística; reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, reuniões, greves, aglomerações ou qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais. Os vetos de Bolsonaro deturpam a lei e deixam a nu seus planos contrários à democracia.
Agora caberá ao Congresso Nacional em sessão conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado Federal analisar, em 30 dias, os vetos do presidente da República ao projeto aprovado pelos parlamentares. Se não for apreciado neste período, o veto passa a trancar a pauta das sessões do Congresso Nacional.
Veja na íntegra os trechos vetados por Bolsonaro
“Art. 359- O Promover ou financiar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos capazes de comprometer o processo eleitoral: Pena: Reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos e multa,
Art. 359-Q. Para os crimes previstos neste Capítulo [dos crimes contra o funcionamento das instituições democráticas no processo eleitoral], admite-se ação privada subsidiária, de iniciativa de partido político com representação no Congresso Nacional, se o Ministério Público não atuar no prazo estabelecido em lei, oferecendo a denúncia ou ordenando o arquivamento do inquérito.
Art. 359-S. Impedir, mediante violência ou grave ameaça, o livre e pacífico exercício de manifestação de partidos políticos, de movimentos sociais, de sindicatos, de órgãos de classe ou de demais grupos políticos, associativos, étnicos, raciais, culturais ou religiosos: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. § 1º Se resulta lesão corporal grave: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos. § 2º Se resulta morte: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.
Art. 359-U. Nos crimes definidos neste Título [dos crimes contra o estado democrático de Direito], a pena é aumentada: I – de 1/3 (um terço) se o crime é cometido com violência ou grave ameaça exercidas com emprego de arma de fogo; II – de 1/3 (um terço), cumulada com a perda do cargo ou da função pública, se o crime é cometido por funcionário público; III – de metade, cumulada com a perda do posto e da patente ou da graduação, se o crime é cometido por militar.