Outra coincidência: o pistoleiro Ronnie Lessa, além de vizinho de Bolsonaro, era do mesmo “Escritório do Crime” de Adriano da Nóbrega, assassino que foi homenageado por Bolsonaro em Brasília e por seu filho na Alerj e tinha mãe e ex-mulher empregadas no gabinete de Flávio Bolsonaro
Algumas coincidências estão sendo analisadas pela Polícia Federal no caso do assassinato da ex-vereadora do Psol Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes. A indicação do ex-chefe de Polícia do Rio de Janeiro, delegado Rivaldo Barbosa, que assumiu o cargo na véspera do crime, e que está preso, foi feita pelo então interventor na Segurança Pública do estado, general Braga Netto, que seria depois ministro de Bolsonaro e vice em sua chapa presidencial de 2022.
A nomeação foi oficializada no dia 13 de março de 2018, apenas um dia antes do assassinato da vereadora. Na época, Braga Netto era o interventor na Segurança Pública do estado. Antes do crime, ou seja, durante a sua preparação, Rivaldo era chefe da Divisão de Homicídios do Rio de Janeiro. Ele teria contribuído para “preparação do crime, colaborando ativamente na construção do plano de execução e assegurando que não haveria atuação repressiva por parte da Polícia Civil”, segundo documento da PF.
Ronnie Lessa, responsável pelos tiros que mataram Marielle e Anderson, pertencia ao mesmo “Escritório do Crime” – uma espécie de central de assassinatos de aluguel da milícia – de Adriano da Nóbrega, um ex-militar que foi morto em condições ainda não esclarecidas na Bahia. Adriano recebeu solidariedade de Bolsonaro ao ser preso e acusado de assassinato. Quando ainda era deputado, Bolsonaro discursou na tribuna da Câmara em apoio a Adriano e contra a sua prisão. O mesmo pistoleiro que fazia dupla com Lessa, recebeu das mãos de Flávio Bolsonaro a medalha Tiradentes, maior comenda do estado do Rio de Janeiro.
Mas, as coincidências não param por aí. A mãe e a ex-mulher do pistoleiro de aluguel Adriano da Nóbrega, Raimunda Veras Magalhães e Daniella Mendonça da Costa, respectivamente, recebiam proventos pagos pelo gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, sem que trabalhassem efetivamente no gabinete do parlamentar. Há, então, uma ligação entre Adriano e o gabinete de Flávio Bolsonaro. Mas, além de fazer parte do mesmo “escritório do crime” de Adriano, Ronnie Lessa era vizinho de Jair Bolsonaro no condomínio de luxo Vivenda da Barra, localizado na Barra da Tijuca.
Com o desfecho do caso, Braga Netto, envolvido até o fundo na tentativa de golpe de Estado de Bolsonaro, tentou desconversar sobre a indicação de Rivaldo. Mas não colou porque a assinatura no documento de nomeação é dele. Neste domingo (24), Braga Netto divulgou uma nota colocando a culpa pela indicação de Rivaldo para o cargo em Richard Nunes, um general do Exército que ocupava, naquele momento, o posto de Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro.
“A seleção e indicação para nomeações eram feitas, exclusivamente, pelo então Secretário de Segurança Pública, assim como ocorria nas outras secretarias subordinadas ao Gabinete de Intervenção Federal, como a Defesa Civil e Penitenciária”, diz a nota do golpista Braga Netto.
Mas a “argumentação” do vice da chapa de Bolsonaro não se sustenta porque, como informamos, a assinatura que está no documento da nomeação de Rivaldo Barbosa para Chefe de Polícia do Rio é de Walter Souza Braga Neto. Pode dizer o que quiser, mas o que vale é o documento. Ele interveio exatamente na Secretaria de Segurança Pública do Rio. Todas as nomeações eram de sua responsabilidade.
A intervenção começou em fevereiro de 2018, quando Braga Netto foi indicado pelo então presidente Michel Temer. Era o ano da eleição presidencial e a demagogia bolsonarista estava em alta. Uma das principais bases de sustentação de Bolsonaro, naquela ocasião, eram as milícias e setores das polícias.
O crime contra a vereadora, segundo a Polícia Federal, recebeu guarida de Rivaldo Barbosa. Ele prometeu, segundo o relatório da PF, que as investigações não teriam futuro.
Apenas um dia após a nomeação de Rivaldo Barbosa para a chefia da Polícia Civil do Rio, o assassinato de Marielle foi consumado. Foi como um sinal dado para a execução do crime. Neste mesmo dia, Rivaldo Barbosa nomeou seu comparsa, Giniton Lages, para chefiar as investigações sobre o crime.
Segundo a PF, eles eram cúmplices em empresas controladas por laranjas e garantiram que câmeras não funcionassem e que as primeiras horas após o assassinato fossem desperdiçadas com as provas mais importantes sendo perdidas.
A conclusão da Polícia Federal é de que a promessa feita por Rivaldo Barbosa aos mandantes e executores do crime contra Marelle era a de que conseguiria atrapalhar as investigações. No caso, com ele na chefia da polícia do Rio e Giniton Lages no comando da investigação, o caso estaria “talhado para ser natimorto”. Mas, a grande repercussão do crime, atrapalhou os planos de Rivaldo.
Ronnie Lessa disse na colaboração que Rivaldo Barbosa pediu para que o crime fosse feito longe da Câmara para “esconder” o caráter político da ação.
Hoje, é perfeitamente compreensível os reais motivos para Bolsonaro pressionar tanto pelo controle da Polícia Federal do Rio de Janeiro. A Polícia Civil já estava sob controle. Faltava a PF. Apesar de tudo, o “controle” de Rivaldo Barbosa sobre as investigações foi sendo perdido na medida em que a repercussão do crime crescia.
A partir daí, uma série de testemunhas começaram a desaparecer. Não por acaso, o intermediário entre mandantes e executores do crime, o ex-policial Edimilson Oliveira da Silva, conhecido como Macalé, foi morto, vitima de queima de arquivo e, até hoje, não houve esclarecimento do caso. A informação sobre Macalé foi dada por Ronnie Lessa em seu depoimento de colaboração. Macalé foi assassinado em novembro de 2021.
Élcio de Queiroz também afirmou em sua colaboração que Rivaldo Barbosa teria “abandonado o barco” e que passou a achacar e chantagear os executores do crime. “Ressalta-se que a chegada da denúncia anônima coincide com o período em que Rivaldo Barbosa indica aos autores mediatos que não daria mais para suportar a pressão imposta pela sociedade civil e pela mídia”, conclui o relatório da PF.