
Ao final do último depoimento desta fase do julgamento no STF, ficou difícil apontar qual dos réus foi mais competente na tentativa de ludibriar os ministros da suprema Corte
O general Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil do governo Bolsonaro e o vice da chapa do PL na eleição presidencial de 2022, foi coerente com os demais réus em seu interrogatório, hoje (10), na Ação Penal instaurada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre os atos golpistas que ameaçaram a democracia nos estertores do governo anterior e nos primeiros dias do atual.
O militar negou praticamente todos os elementos contidos na denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR), após ampla investigação promovida pela Polícia Federal (PF). Buscou, enfim, demonstrar, sofregamente, que tudo não passa de uma grande injustiça que estão praticando contra ele.
Primeiramente, Braga Netto eximiu-se de qualquer ação para intimidar chefes das Forças Armadas na tentativa de pressioná-los a aderir ao plano de golpe de Estado, apesar dos testemunhos do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, dos ex-comandantes do Exército, general Freire Gomes, e da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Júnior.
Aliás, nesses depoimentos, Mauro Cid, como réu, e os militares ofereceram detalhes sobre os movimentos de Braga Netto, principalmente após a derrota de Lula nas eleições de 2022.
Além disso, de acordo com a denúncia da PGR, o então candidato a vice-presidente teria comandado uma onda de ataques a chefes militares que se recusaram a embarcar na seara golpista.
Braga Netto, em uma das mensagens, pede para “oferecer a cabeça” e “sentar o pau” em Freire Gomes e Baptista Júnior, pela falta de adesão deles ao golpe. “Eu não me lembro de ter enviado essa mensagem, eu não me lembro de ter feito essa mensagem”, desconversou o desmemoriado.
“Jamais ordenei ou coordenei ataques aos chefes militares. Pelo contato que eu tinha com eles, se eu tivesse que falar alguma coisa, eu falaria pessoalmente e não falei”, afirmou o general. Pois as investigações mostraram que não falou e preferiu o caminho fácil do ataque pelas redes sociais nas quais a turba bolsonarista trafegava histericamente.
Além disso, o general negou ter enviado, visto ou recebido outras mensagens referentes ao planejamento do golpe de Estado citadas na denúncia da PGR. “Me recordo dessas mensagens que eu vi no inquérito, mas essas mensagens estão fora de contexto, descontextualizadas”.
A responsabilidade, segundo Braga Netto, da repercussão dessas mensagens é da autoridade policial ou do Ministério Público que as descontextualizou, não dele, que as emitiu.
REUNIÃO TRATOU DE AMENIDADES, NÃO DE GOLPE
Mas o general foi mais longe em sua tentativa de enrolar os ministros do STF ao afirmar que a reunião em sua casa, da qual participaram Mauro Cid e dois outros integrantes das Forças Armadas – e que durou entre 20 e 30 minutos -, tratou apenas de amenidades. “Eles não tinham intimidade comigo para tocar em assuntos delicados”, tergiversou.
Amenidades, naquela altura do campeonato, quando o circo estava pegando fogo entre os bolsonaristas, sequiosos para impedir a posse de Lula? Conta outra, general!
Acrescentou, ainda, que não deu dinheiro aos membros do esquadrão de elite do Exército, chamados de “kids pretos“, para financiar a trama golpista ou tratado do tema durante o encontro.
A versão se contrapõe ao depoimento de Mauro Cid, que, nesta segunda-feira (9), disse ter repassado ao major Rafael de Oliveira uma sacola de vinho com dinheiro vivo a pedido de Braga Netto.
Segundo ele, tudo não passou de uma invenção de Mauro Cid que “faltou com a verdade”, mas não explicou a razão que teria o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, hoje colaborador da justiça, de falsear a verdade dos fatos
PLANO DE GOVERNO, O BIOMBO DO GENERAL
Em relação à sua presença em reunião com outros ministros e Bolsonaro para planejar o golpe, embora já fora do governo, Braga Netto apelou para o pretexto de que estava montando um “plano de governo” com o então presidente como integrante do PL.
“Para mim era interessante para escutar a opinião dos ministros para tirar alguma coisa que interessasse para mim no plano de governo”, defendeu-se o general que está preso no Rio de Janeiro desde dezembro de 2024 sob a acusação de obstruir a investigação sobre a tentativa de golpe de Estado e tentar obter detalhes dos depoimentos de delação de Cid.
Uma intenção nobre, quis sustentar o militar, com esse plano de governo que nunca ninguém viu e que é usado, agora, como biombo para escudar-se das graves acusações imputadas pela PGR a partir das investigações da PF.
Ele negou ter tomado a iniciativa de tentar contato com o pai de Mauro Cid, general Lourena Cid, para obter informações sobre o acordo de delação premiada. Segundo ele, foi Lourena que entrou em contato, mas para pedir apoio político para o filho. “Eu nunca entrei em contato com ele e perguntei nada sobre delação premiada”, enredou-se.
O militar foi mais longe ao negar conhecimento dos documentos relativos à proposta de golpe e do plano “Punhal Verde e Amarelo“, que previa o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o próprio Moraes. “Só soube a partir da mídia”, disse, sem nenhum rubor.
Braga Netto participou da sessão por meio de videoconferência ao lado de dois de seus advogados. Questionado pelo relator Alexandre de Moraes se já havia sido preso, Braga Netto respondeu: “Estou preso”, ao que Moraes rebateu: “Eu sei que o senhor está preso, fui eu que decretei”, arrancando risadas entre os presentes na sessão. Em seguida, o ministro do STF esclareceu que a pergunta se referia a prisões anteriores.
PRÓXIMOS PASSOS
Braga Netto foi o último dos réus do Núcleo 1 da ação penal da trama golpista a depor. Antes dele, foram ouvidos Bolsonaro, Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, e Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
A 1ª Turma do STF, em março deste ano, decidiu pelo acolhimento da denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Bolsonaro e outras sete pessoas, que integram o primeiro núcleo de acusados da tentativa de golpe abolição do Estado Democrático de Direito.
Os interrogatórios finalizados hoje representam uma das últimas etapas da ação penal. A expectativa é de que o julgamento seja concluído no 2º semestre deste ano.
Em face dos elementos colhidos na fase encerrada hoje, tanto defesa quanto acusação poderão demandar novas diligências e, depois, será concedido um prazo de 15 dias para que as partes apresentem um resumo com as alegações finais favoráveis ou contrárias aos réus.
Ao final, os ministros votarão pela condenação, com a fixação de penas, ou pelo arquivamento do caso.