Um dos heróis de Bolsonaro, o General Garrastazu Médici, que governou o Brasil de outubro de 1968 a março de 1974, morreu em 1985, no mais completo ostracismo.
Médici foi um assassino de carteirinha, que organizou e pôs em movimento no interior das forças armadas, de modo ilegal e semiclandestino, um repugnante serviço nacional de tortura e eliminação de presos políticos. Mas, candidamente, procurava disfarçar a carranca sob a aparência de brasileiro comum. A tática era mostrar paixão pelo futebol. Uma paixão tão estudada e calculada quanto falsa, que o levava, dependendo da plateia, a declarar-se torcedor do Grêmio, do Flamengo ou simultaneamente dos dois.
Bolsonaro, um ex-capitão afastado do Exército por indisciplina, seguindo os passos do mestre, foi palmeirense e botafoguense quando deputado e virou palmeirense e rubro-negro durante a campanha para presidente da República.
O fato é que mestre e discípulo nunca tiveram consideração com o esporte e seus valores éticos, apenas procuraram valer-se dele para manipular seus praticantes e torcedores.
O problema, para esse tipo de gente, é que o povo brasileiro tem demonstrado ao longo do tempo uma capacidade crescente de aprender com a própria experiência e rever as expectativas depositadas em falsos profetas.
Por isso o jogo de Médici não o livrou do melancólico, porém merecido, isolamento. E o de Bolsonaro, mais escrachado e caricatural, está levando a popularidade do “mito”, inflada pela rejeição à roubalheira desenfreada do PT, a derreter numa velocidade acima das expectativas, digamos, mais otimistas.
Depois que os ministros Paulo Guedes e Sérgio Moro bateram em retirada, deixando Bolsonaro sozinho com as vaias no gramado do Maracanã, fica difícil tapar o sol com a peneira. Na terça-feira, no jogo com a Argentina, ele já tinha sido vaiado no Mineirão. São fortes sinais de que o público pagante perdeu a paciência com as insistentes e bandeirosas manifestações de oportunismo do bicão.
A bobeira dos jogadores, permitindo que Bolsonaro invadisse a sua festa de conquista da Copa América para produzir um vídeo postado no Twitter com áudio adulterado, foi reparada pelo técnico Tite, que sacou a manobra de longe e se esquivou do abraço do amigo da onça, lavando a alma da torcida.
Bolsonaro provavelmente vai continuar pagando o mico de aparecer nos estádios, até murchar por completo, porque já se viciou e não sabe fazer diferente. Quando o assunto é religião, por exemplo, ele se apresenta, conforme a conveniência, como católico, evangélico ou mesmo devoto do rei David, mas essa é uma história que fica para outro artigo.
(SÉRGIO RUBENS)