Participantes do encontro querem maior equilíbrio nas negociações com a UE. Lula disse que “entre parceiros estratégicos não pode haver ameaças”, numa referência à arrogância europeia
Os chanceleres do Mercosul (Comunidade de países da América do Sul) iniciaram, nesta segunda-feira (3), em Puerto Iguazu, na Argentina, a 62ª Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul. O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva chega ao encontro na terça-feira (4). Na ocasião, será discutida a maior integração do bloco e o acordo com a União Europeia. Ao final, a Argentina transmitirá a presidência para o Brasil.
O evento é um ponto importante na reconstrução das relações diplomáticas e parcerias com seus vizinhos mais próximos, iniciada a partir da posse do presidente Lula em janeiro deste ano, explicou a embaixadora Gisela Padovan, secretária de América Latina e Caribe do Ministério das Relações Exteriores (MRE), durante entrevista à imprensa no Palácio Itamaraty. Uma vez na presidência, o Brasil organizará o fórum social, o fórum empresarial e a próxima cúpula do bloco em território nacional.
“Essa cúpula é particularmente relevante para nós porque, em primeiro lugar, o Brasil assume a presidência pro tempore num contexto de retomada de prioridade da integração, então não é uma presidência rotineira, é a prioridade concedida pelo governo aos processos de integração, começando pela volta à Celac, a realização da cúpula sul-americana e agora o Mercosul, fundamental para o desenvolvimento dos nossos países”, disse a embaixadora. O presidente Lula trabalha incansavelmente pelo fortalecimento do Mercosul.
A respeito do possível acordo com a União Europeia, o embaixador Maurício Lyrio, secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do MRE, esclareceu que o governo brasileiro está finalizando uma posição, tomando como base a proposta feita em 2019, juntamente com um documento adicional enviado pela União Europeia no início deste ano.
“O governo está traduzindo as instruções do presidente Lula para um documento que será apresentado primeiro aos parceiros do Mercosul, e depois à União Europeia. É um processo que não é tão rápido porque os acordos são muito delicados e têm exigido um trabalho de coordenação interna muito intenso”, relatou.
Os países do Mercosul, assim como o Brasil, têm sido muito críticos ao comportamento arrogante da União Europeia nas negociações comerciais entre os dois blocos. Eles querem um maior equilíbrio nas relações entre os dois blocos, em meio a tensões pelo endurecimento das demandas ambientais dos europeus.
A Argentina “compartilha o objetivo de avançar com o acordo Mercosul-UE”, uma dos temas centrais nos diálogos da cúpula entre os chefes de Estado do bloco, nesta terça, disse o chanceler argentino, Santiago Cafiero, na abertura do encontro dos ministros. Os sul-americanos estão sendo pressionados a abrir suas compras governamentais aos europeus enquanto a Europa usa questões ambientais como pretexto para impedir a entrada de produtos sul-americanos no velho continente.
“O aprofundamento do vínculo entre (os blocos) é uma política necessária em um contexto internacional de conflito e incerteza crescente”, afirmou o chanceler argentino, cujo país ocupa até terça-feira a presidência pró-tempore do grupo, integrado também por Brasil, Paraguai e Uruguai.
Para que “o acordo tenha bons resultados para as duas partes, é necessário trabalhar e atualizar os textos de 2019”, disse Cafiero. “Tal como foi fechado, (o texto) reflete um esforço desigual entre blocos assimétricos e não responde ao cenário internacional atual”, acrescentou o chanceler argentino. Como exemplo, ele citou que, enquanto o Mercosul deve liberar as tarifas alfandegárias de 95% das exportações agrícolas europeias, a UE só deve fazer o mesmo com 82% das importações agrícolas procedentes do bloco sul-americano.
A volta de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência deu um novo impulso ao diálogo, mas Lula tem denunciado as exigências ambientais dos europeus, contidas em um documento adicional ao acordo apresentado em março pela UE. Essas exigências geraram mal-estar entre os sul-americanos. Segundo Cafiero, o texto europeu “apresenta uma visão parcial” do desenvolvimento sustentável, com uma abordagem “excessiva” na área ambiental e “pouca consideração” do panorama socioeconômico dos países do Mercosul, grandes produtores agrícolas.
Neste tema, destacou, a União Europeia teria feito exigências que ultrapassam os compromissos multilaterais e “omite” como os países em desenvolvimento do bloco devem implementá-las. Lula foi contundente ao denunciar que “entre parceiros estratégicos não pode haver ameaças”. Ele disse isso ao lado do presidente francês Emanuel Macron, em recente viagem à França. Lula cobrou, ainda, que não pode haver essas cobranças pois “nenhum país europeu cumpre os acordos de Paris”.
A secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Tatiana Rosito, disse na reunão que um dos objetivos do Brasil na presidência do Mercosul será ampliar as transações em moedas locais entre os países do bloco.
Segundo a secretária, é preciso melhorar operacionalmente o SML (Sistema de Pagamentos em Moeda Local) que funciona por meio de transações bilaterais. O sistema de pagamento internacional é administrado pelo Banco Central do Brasil em parceria com os bancos centrais da Argentina, do Uruguai e do Paraguai – países que integram o Mercosul. Tatiana Rosito participou da reunião da 62ª reunião ordinária do CMC (Conselho de Mercado Comum), realizado na 62ª Cúpula do Mercosul. Na terçao-feira (4.jul), os presidentes do bloco se encontrarão na cúpula.
Mauro Vieira anunciou que o bloco vai retomar os trabalhos – suspensos desde 2019 – para a adesão da Bolívia como membro pleno do bloco, que concentra 62% da população sul-americana e 67% do PIB regional. Não houve, no entanto, menções a um eventual retorno ao bloco da Venezuela, suspensa em 2017, uma postura defendida pelo Brasil. Ao final da cúpula, Lula assumirá a presidência pró-tempore do Mercosul até o fim do ano.
Outros temas estão na pauta: as “regras de origem”, um mecanismo para garantir as boas práticas de comércio, e a questão da inserção do Mercosul nas cadeias globais de produção. No tema dos serviços, o bloco irá debater a cooperação nas áreas da saúde, educação, defesa, proteção às mulheres, aos povos indígenas e proteção aos cidadãos dos países do bloco.
“Estamos em contato com ministérios e representantes da sociedade para termos uma presidência com resultados concretos para a cúpula no fim do ano. Além do fórum social, que é uma plataforma para a participação da sociedade civil, teremos o fórum empresarial”, ressaltou o embaixador Francisco Cannabrava, diretor do Departamento de Mercosul.