“A China é um parceiro indispensável do Brasil. É o maior parceiro comercial e um grande parceiro em cooperação científica”, afirmou o ministro das Relações Exteriores
Os governos do Brasil e da China devem discutir nos próximos meses a cooperação tecnológica para a produção de satélites de observação da Terra, revelou o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, em entrevista ao jornal Valor.
Esse é um dos assuntos que serão tratados entre os dois países durante a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Pequim.
O Ministério das Relações Exteriores já começou a preparar temas da viagem que Lula fará à China, possivelmente em março. O gigante asiático é o maior parceiro comercial do Brasil, sendo que o comércio bilateral entre os dois países é de US$ 150 bilhões, com um superavit, para o lado brasileiro, de US$ 28 bilhões.
“Além da política, as prioridades são econômicas, na área de ciência e tecnologia, educação, pesquisa. Há mais de dez anos a China é nosso maior parceiro comercial, com grandes investimentos, e um ator imprescindível no mundo”, disse o chanceler. “Vamos discutir com eles a reformulação do Conselho de Segurança, os métodos de trabalho da ONU, uma nova governança global e acordos comerciais que podem surgir”, afirmou o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira.
A parceria tecnológica na área espacial já viabilizou a produção de satélites de diversas aplicações, do monitoramento do clima a projetos de sistematização e uso da terra, além de gerenciamento de recursos hídricos e produção de imagens para licenciamento ambiental. “O Brasil tem há quase 40 anos um programa de pesquisas espaciais e construção de satélites de observação da Terra e isso tudo tem que ser adaptado aos requerimentos atuais”.
Chefe da diplomacia brasileira, o chanceler Mauro Vieira avalia que a viagem de Lula será “uma visita grande” e que poderá abrir novas oportunidades. “Já estamos trabalhando internamente no Itamaraty e muitas coisas podem surgir”, afirmou o ministro, durante entrevista ao colunista Jamil Chade publicada no portal UOL.
“A China é um parceiro indispensável do Brasil. É o maior parceiro comercial e um grande parceiro em cooperação científica”, argumentou.
O chefe da diplomacia sinalizou com uma mudança no padrão de participação do Brasil nos fóruns internacionais.
“O que eu posso te dizer é que os alinhamentos automáticos e ideológicos que existiam no passado não existirão mais. Vamos examinar cada caso individualmente. Nossa posição será estudada”, afirmou
Mauro Vieira considerou também que a ideologia na diplomacia, que marcou a gestão de Jair Bolsonaro nas relações internacionais, prejudicou brasileiros fora do país.
“Acho que prejudicou o interesse nacional e os cidadãos brasileiros. Fechar a embaixada em Caracas e quatro consulados prejudicou 25 mil brasileiros que vivem na Venezuela. A decisão foi tomada com base apenas política e ideológica. E essas pessoas ficaram abandonadas na Venezuela. Quando precisavam de qualquer tipo de documento, tinham de viajar até a Colômbia. A proteção dos brasileiros é um dever constitucional e temos de ter isso num país vizinho, com uma fronteira tão grande, numa região tão frágil”, observou.
O ministro lembrou que o Itamaraty já providenciou a reabertura da embaixada brasileira na Venezuela e que está tomando as últimas medidas para reabrir os consulados no país vizinho.
Vieira também sinalizou que a disposição do governo sobre a embaixada em Israel é que a representação diplomática permaneça em Tel Aviv. “É a capital que o governo reconhece. A embaixada do Brasil está e ficará em Tel Aviv”, disse.
Bolsonaro chegou a anunciar o objetivo de transferir a representação diplomática do Brasil em Israel para a cidade de Jerusalém, que está no centro de confrontos e disputas entre palestinos (islâmicos) e israelenses (judeus), mesmo com a resistência de países islâmicos, que ocupam posição de destaque entre os principais importadores de produtos agrícolas brasileiros.
O ministro das Relações Exteriores anunciou ainda que é apenas uma questão de tempo a saída do país da iniciativa Parceria para a Família, formada com os governos conservadores da Hungria e Polônia, que busca promover uma agenda de extrema-direita para refletir esses valores em âmbito internacional.
“São políticas extremamente conservadoras, Algumas delas vão contra a legislação brasileira e não tem nenhum interesse em participar desse grupo. Não nos leva a nada. Pelo contrário”, ressaltou.
O chanceler abordou ainda o relacionamento com a Organização Mundial do Comércio (OMC), avaliando a possibilidade de desfazer decisões tomadas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro como a de abrir mão do status de país em desenvolvimento.
“Todas as decisões que envolverem o interesse nacional de forma positiva serão tomadas. Se for do interesse nacional, sim. Aliás, o Brasil é um país em desenvolvimento. É e nunca deixou de ser. É membro dos Brics, que é um bloco de países em desenvolvimento. É membro do grupo de países que luta pela reforma do Conselho de Segurança, é observador do Grupo dos Países Não Alinhados. É membro do Mercosul, que é um bloco de países em desenvolvimento. Portanto, que o Brasil é um país em desenvolvimento não há dúvida”, apontou.
Mauro Vieira sinalizou, ainda, com a possibilidade de defender a entrada da Argentina no Brics, bloco composto atualmente por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, caso ocorra algum movimento no sentido da expansão do grupo.
“O bloco já se expandiu. Já houve o acréscimo da África do Sul. Como é um clube de cinco países, acho que após consultas internas e um consenso, o Brasil não tem nenhum obstáculo nisso”, disse.
“Se houver consenso para uma expansão dentro do bloco, a Argentina é um candidato natural e seria um candidato natural do Brasil”, acrescentou.
O ministro afirmou ao colunista que o Brasil não vai tomar partido na guerra entre Rússia e Ucrânia. Segundo o chanceler, a posição brasileira é de buscar uma neutralidade na disputa para funcionar como um interlocutor em possíveis conversas de paz entre os países em guerra.
“A declaração de que houve a agressão, a invasão, é uma questão de estar de acordo com o direito internacional. Nós não estamos tomando partido de forma alguma, nós queremos oferecer nossos bons ofícios, se as partes quiserem, para encontrar uma forma de negociar alguma coisa. Nós queremos, juntos com outros, trabalhar para que haja condições que levem a um início de negociação para acabar com o sofrimento, a destruição e tudo isso”, disse o embaixador.
Segundo Vieira, essa mensagem será colocada ao ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, em sua visita ao Brasil em abril.