
Com tecnologia própria, o país não ficaria vulnerável em caso de falhas nos sistemas existentes, protegendo a navegação, a tecnologia e a infraestrutura do país
O governo brasileiro anunciou a criação de um grupo técnico para acelerar a criação de um sistema próprio de posicionamento, navegação. O grupo vai estudar a viabilidade de o Brasil desenvolver seu próprio sistema de navegação por satélite, um empreendimento de alta complexidade tecnológica. Atualmente o país é vulnerável por depender exclusivamente de empresas estrangeiras neste setor.
BRASIL VULNERÁVEL
O estudo será financiado pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e realizado pelo CGEE (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos), do governo. Para custear o estudo, que deve ficar pronto até o próximo semestre, a ABDI gastará R$ 500 mil, informou o diretor de desenvolvimento tecnológico e inovação da ABDI, Carlos Geraldo de Oliveira. A preocupação do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI) é não deixar o Brasil vulnerável no caso de apagão, uma vez que o país não tem um sistema próprio de GPS.
Formado por representantes de ministérios, da Aeronáutica, do Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação (MCTI), de agências e institutos federais e da Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil, o grupo técnico deve diagnosticar as consequências do país depender de sistemas de posicionamento, navegação e tempo controlados por outras nações. O grupo foi criado no início deste mês, por meio da Resolução nº 33, do Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro.
O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, Marcos Antonio Amaro dos Santos, informou que a resolução estabelece um prazo de 180 dias, contados a partir de 14 de julho, para que o grupo entregue um relatório com suas conclusões e sugestões.
Especialistas defendem um sistema próprio de navegação para garantir ao Brasil a sua autonomia. O país não ficaria vulnerável em caso de falhas nos sistemas existentes, protegendo a navegação, a tecnologia e a infraestrutura do país. Além disso, o desenvolvimento de um sistema nacional fortaleceria a capacidade tecnológica do Brasil e a sua posição no cenário espacial internacional, algo já feito por países como Estados Unidos, China, Índia e Rússia.
OUTROS SISTEMAS
Atualmente existe o sistema global (Global Navigation Satellite System) que é composto pelos satélites GPS (americano), o GLONASS (russo), GALILEO (europeu), BeiDou (Chinês) e o QZSS (japonês), além das SBAS, chamados de redes de aumento, que são grupos de satélites geoestacionários localizados sobre alguns continentes. Dentre elas, podemos citar a WASS (americano) e a EGNOS (europeia).”
O grupo técnico brasileiro foi criado uma semana antes do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciar que, a partir de 1º de agosto, os produtos brasileiros pagarão uma tarifa de 50% para ingressar em território estadunidense. E duas semanas antes de as redes sociais serem tomadas pelo debate sobre a possibilidade de os Estados Unidos, em caso de uma guerra comercial, desligarem ou restringirem o sinal de seu sistema, o GPS (do inglês, Sistema de Posicionamento Global), para o Brasil.
“Este é um típico caso de ruído surgido nas mídias sociais, capaz de gerar ansiedade. E uma coincidência, porque já vínhamos discutindo o tema há tempos, de maneira que a criação do grupo não teve nenhuma relação com o que aconteceu depois”, afirmou Rodrigo Leonardi, diretor de Gestão de Portfólio da Agência Espacial Brasileira (AEB).
“Primeiro, porque não houve nenhum comunicado, de nenhuma autoridade norte-americana, sobre a remota possibilidade dos EUA restringirem o uso do GPS no Brasil. Depois porque, mesmo que isso acontecesse – o que seria uma situação muito drástica e improvável – há alternativas ao GPS”, assegurou o diretor da Agência Espacial Brasileira.
INTERLIGAÇÃO MUNDIAL
Segundo Leonardi, a maioria das pessoas erra ao usar a sigla GPS como sinônimo de GNSS, do inglês Sistema Global de Navegação por Satélite, termo correto para se referir a qualquer conjunto (ou constelação) de satélites usado para fornecer serviços de posicionamento, navegação e temporização global.
“O GPS é o sistema de propriedade dos EUA, mas há outros, globais, como o Glonass [russo]; o Galileo [União Europeia] e o BeiDou [ou BDS], da China. Estes têm cobertura global e podem ser utilizados, inclusive, no e pelo Brasil. E há também algumas nações que possuem sistemas regionais, como a Índia [NavlC] e o Japão [Qzss]”, apontou Leonardi. “Com isso em mente, é lógico cogitar que, em tese, os EUA poderiam degradar ou até mesmo restringir o sinal de seu GPS para determinadas regiões”, destacou o diretor da AEB.
O especialista acha pouco provável que haja um desligamento do GPS. “Isso poderia causar acidentes, por exemplo, na aviação civil, custando vidas, inclusive as de norte-americanos. Para não falar das repercussões comerciais, já que outros países se perguntariam se deveriam continuar confiando no sistema norte-americano ou migrar para outros”, apontou Leonardi.
INTERRUPÇÃO DOS SERVIÇOS
O professor da Universidade de Brasília (UnB), onde coordena o Laboratório de Automação e Robótica (Lara), Geovany Araújo Borges, concorda com a avaliação de que, tecnicamente, os EUA poderiam interromper o sinal do GPS ou mesmo tornar o sistema menos eficaz para uma determinada região. Ele também acha pouco provável que isso venha a ocorrer.
“Se fizessem isso sem aviso prévio, os norte-americanos assumiriam o risco de contrariar seus próprios interesses em território brasileiro”, afirmou Borges, acrescentando que boa parte dos sistemas e equipamentos eletrônicos modernos são capazes de receber o sinal de mais de um sistema de geolocalização. De maneira geral, os sinais enviados pelos satélites que integram os diferentes sistemas em operação são captados por receptores embutidos em veículos, aeronaves, espaçonaves, navios, munições guiadas de precisão, aplicativos e telefones celulares, além de equipamentos de monitoramento de uso industrial, civil e militar.
“A maioria dos aparelhos celulares, por exemplo, já é multiconstelação, ou seja, é capaz de receber, automaticamente, o sinal de diferentes sistemas. De forma que, em termos de localização, nossos celulares seguiriam funcionando normalmente se deixássemos de receber o sinal do GPS. A mesma lógica vale para muitos outros sistemas [dependente de serviços de posicionamento, navegação e temporização global]: se o sistema de sincronização for redundante, o impacto será limitado”, disse Borges, defendendo a importância do país dispor de tecnologias próprias neste setor.
DEPENDÊNCIA
Ele lembra que, independentemente das intenções norte-americanas ou de haver alternativas ao GPS, hoje o Brasil depende de outras nações neste que é um campo estratégico.
“Várias áreas perdem com isso. Não só porque um país independente tem que ter um setor de defesa aeroespacial forte, como porque o desenvolvimento de tecnologias aeroespaciais beneficia outros segmentos, como, por exemplo, a medicina, a indústria e a agropecuária”, comentou o professor, assegurando que o Brasil dispõe de mão de obra qualificada e capacidade de desenvolver, a longo prazo, seu próprio sistema.
“Nosso problema não é RH [recursos humanos]. É dinheiro. Temos pessoal capacitado. A questão é se temos condições de bancar um projeto desta envergadura. Principalmente porque, qualquer coisa neste sentido que comecemos hoje, demorará a vingar. Até mesmo porque alguns países não aceitarão exportar certos componentes essenciais. Então, teremos que, paralelamente, desenvolver nossa indústria de microeletrônica, investir mais em educação básica e assegurar que este projeto seja uma política de Estado. Neste sentido, ainda que tardia, é positiva a criação de um grupo de especialistas para debater o tema”, finalizou Borges.
Com informações da Agência Brasil