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“A decisão é positiva e coloca o Brasil num outro patamar geopolítico. Entretanto, não é real uma participação que não demande nenhum compromisso”, disse o professor da USP
O governo brasileiro decidiu na terça-feira (18) aderir à carta de cooperação da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e aliados, a Opep+. O Brasil há algum tempo já é um país exportador de petróleo e, por isso, já era esperado que ele se associasse à organização internacional que defende os interesses dos exportadores do produto. A decisão de participar da Opep foi tomada pelo CNPE (Conselho Nacional de Política Energética).
Com a sétima posição na ranking mundial de exportadores e petróleo, o Brasil vende atualmente cerca de dois milhões de barris de petróleo por dia no mercado mundial. O petróleo já ocupa o lugar de principal produto de exportação brasileiro. A Petrobrás é responsável por 75% da exploração do produto, 15% ficam com as multinacionais, principalmente a Shell, e os outros 10% são explorados por privados nacionais.
Em entrevista ao HP, o professor do IEE da USP, Ildo Sauer, ex-diretor da Petrobrás, afirmou nesta quarta-feira (19) que a decisão de participar da Opep+ é positiva e acrescentou que a associação com a Opep+ coloca o Brasil num outro patamar geopolítico. Ele considera que não é real e nem factível uma participação que não demande nenhum compromisso, como divulgou o governo.
“Não será uma organização que se reúne apenas para conversas ou para tomar chá”, disse o especialista. Para ele, os países que participam da organização não podem apenas se beneficiar das decisões sobre a defesa da estabilidade dos preços do petróleo sem se comprometer com nenhuma de suas decisões.
“Participar do grupo de produtores mundiais que é responsável por 40% do suprimento mundial de petróleo, e que defende a estabilidade dos preços dos combustíveis, coloca o Brasil num outro patamar geopolítico”, avalia Ildo Sauer.
“E, ao mesmo tempo”, afirma, “torna crucial a discussão sobre o controle do ritmo de produção e a melhor distribuição e utilização das riquezas geradas pelo petróleo”. O país hoje fica com menos da metade da renda do petróleo. Ela vai em grande parte para grupos estrangeiros e acionistas da Petrobrás, que também são, em sua grande parte, estrangeiros, argumenta um dos maiores especialistas em energia do Brasil.
Na opinião do professor da USP e ex-diretor da Petrobrás, a associação à Opep+ implicará compromissos do país com as estratégias de defesa dos preços do produto no mercado mundial. Não será, como diz o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, uma participação apenas consultiva, sem nenhum envolvimento ou compromisso. Para Ildo, será importante a criação de mecanismos de controle da produção onde o governo tenha autoridade sobre os produtores e sobre os ritmos da produção. Atualmente isso não existe.
Ildo Sauer destacou que “a associação com a OPEP+ é uma boa oportunidade para a reabertura da discussão sobre o regime de produção e a distribuição das riquezas do petróleo. Ele apoia a decisão do governo e destaca que ela tem a vantagem de trazer de volta o debate sobre os objetivos originais de quando a Petrobrás foi criada, na década de 1950, após a vigorosa campanha do “Petróleo é Nosso”.
“Há que se ter”, segundo ele, “o controle sobre a produção e que o excedente econômico, criado a partir da exploração e a venda do petróleo, seja investido no desenvolvimento nacional”.
Segundo a Opep, a carta de cooperação é uma plataforma que facilita o diálogo entre os países membros da Opep e aliados (conhecidos como Opep+). “O objetivo é contribuir para um abastecimento energético seguro e uma estabilidade duradoura em benefício dos produtores, consumidores, investidores e da economia global”, diz a organização.
A adesão do Brasil ao fórum da OPEP+ gerou discussões internas dentro do governo sobre os rumos da política energética do Brasil. O presidente Lula defende a utilização dos recursos do petróleo para beneficiar o país e financiar a transição energética, mas enfrenta críticas, especialmente de setores ambientalistas
Depois do anúncio, ambientalistas criticaram a decisão brasileira. Contudo, integrantes do governo, como o ministro Alexandre Silveira, dizem não ver contradição entre o país sediar neste ano a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30) e anunciar a adesão ao fórum da Opep+.
“Com a decisão de explorar petróleo até a última gota’, como declarado pelo ministro no ano passado, o país está abrindo mão de ser um líder da nova economia descarbonizada”, reclamou a WWF.
“Os ambientalistas […] têm todo o meu respeito, eu também sou ambientalista, também defendo a preservação do meio ambiente. Trabalho vigorosamente para avançar na transição energética, talvez eu me considere até mais ambientalista que eles”, disse o ministro Silveira.
A reação contrária de organizações como WWF e Greenpeace, apontando que seria um retrocesso o Brasil participar da Opep+, revelam que essas organizações não estão contra apenas a exploração de petróleo na Margem Equatorial, como já é de conhecimento público. Eles são contra que o Brasil explore qualquer petróleo no país. Esta é mesma posição que foi defendida pelo Partido Verde na Alemanha e que afundou o país numa grave crise energética e acabou desgastando bastante o partido daquele país.
A Petrobrás está aguardando há mais de um ano a liberação do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) para a exploração das reservas petrolíferas da Margem Equatorial brasileira. Para a presidente da estatal, Magda Chambriard, esta exploração é importante para a reposição das reservas estratégicas brasileiras.
Já o professor Ildo Sauer considera fundamental que o país conheça todas as suas reservas de petróleo e avalie também o quanto o país possui desta riqueza e quais são as condições para a sua produção com vistas a usá-la em benefício de toda a nação. Sauer defende que as rendas obtidas com a exploração e a venda do petróleo sejam usadas para o desenvolvimento do Brasil, a solução de seus graves problemas sociais e para financiar as pesquisas que visem garantir a transição energética.
S.C.