Embargo alemão veio em retaliação à posição neutra do Brasil na guerra da Otan contra a Rússia. Acirramento geopolítico está levando vários países a acelerarem o enfrentamento de sua dependência tecnológica
A Alemanha decidiu embargar a exportação de 28 blindados fabricados no Brasil para as Filipinas, movimento visto no governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como retaliação pela negativa do presidente de vender munição de tanques para Berlim repassar à Ucrânia em sua luta contra a Rússia.
O embargo obrigou o Brasil a procurar uma fabricante nacional para substituir o componente alemão que permitiu o embargo.
Este episódio, em que pese não ser inédito, mostra que a interligação na fabricação de componentes industriais, particularmente no setor de defesa, vem enfrentando cada vez mais obstáculos, criados em função dos interesses geopolíticos mais recentes e de um protecionismo crescente praticado por potências econômicas em crise ou em processo de perda de hegemonia.
Segundo relatos de especialistas, já houve, há alguns anos, um episódio em que a Avibrás Aeroespacial e Defesa foi obrigada a adotar o chassi tubular de longarina central da Tatra, de origem tcheca, após o escritório de controle de exportação alemão, o mesmo que está agindo no embargo atul, proibir o emprego do chassi e motorização Mercedes Benz como plataforma sobre rodas do Sistema de Artilharia Astros.
Há relatos de que os equipamentos de guerra russos, eventualmente capturados pelos EUA nos campos de batalha da Ucrânia, estão sendo desmontados totalmente nos centros de reparação para que a Casa Branca possa detectar a origem das peças e componentes utilizadas nos tanques e outros armamentos russos. Desta forma, os EUA acham que podem pressionar mais diretamente os fornecedores destes equipamentos para impedir que os russos tenham acesso a essas tecnologias.
O presidente Lula se recusou a repassar R$ 25 milhões em munições para tanques Leopard-1 1A5 que a Alemanha queria enviar a Kiev, afirmando que não seria o caso do Brasil se posicionar contra a Rússia. O Brasil procura uma postura independente, mantendo relações com Moscou e condenando tanto a invasão que completou um ano nesta sexta (24) quanto o regime de sanções imposto pelo Ocidente aos russos.
A alegação da Alemanha é de que os componentes de origem germânica do blindado não podem ser vendidos a terceiros sem sua autorização. Assim, o Escritório Federal de Economia e Controle de Exportação determinou a suspensão do envio dos blindados. Cinco Guarani já estavam prontos para envio. A fatia do contrato dedicado aos veículos é estimada em US$ 47 milhões (R$ 243 milhões).
Este embargo da Alemanha pode prejudicar um contrato de compra de156 blindados brasileiros pelo governo argentino. Mauro Vieira e Jorge Taiana, ministros das Relações Exteriores do Brasil e da Defesa da Argentina, respectivamente, assinaram uma carta de intenções para a aquisição por Buenos Aires de 156 veículos blindados de combate sobre rodas (VCBR) Guarani 6×6, de produção brasileira.
Na prática, o Brasil está sob pressão das potências ocidentais para que assuma uma posição pró-Otan na guerra russo-ucraniana, neste caso, em favor da Ucrânia. As 156 unidades do blindado Guarani acertadas com a Argentina serão produzidas na fábrica da Iveco de Sete Lagoas, (MG).
No contrato com a Argentina foi estipulada a condição de que peças fabricadas na Argentina sejam incluídas no processo de montagem dos veículos.
Para superar os problemas causados pelo embargo alemão, o governo brasileiro já fechou parceria com uma empresa nacional para a produção das peças que irão substituir os dispositivos dos alemães no veículo militar. Este processo, de substituição de importações de componentes tecnológicos no setor de defesa já está ocorrendo em todo o mundo, particularmente na Rússia e China, países que vêm sofrendo embargos unilaterais por parte do governo dos EUA.