Um dos principais problemas para o enfrentamento à pandemia de coronavírus no Brasil está na falta de uma ação efetiva de busca e rastreio dos casos nas regiões afetadas. Para isso, seria necessário utilizar de forma inteligente os testes para diagnosticar os portadores do Sars-Cov-2 (o vírus que causa a Covid-19), isolá-los e impedir a propagação da doença.
O governo Bolsonaro negligencia o problema, deixou de repassar 9,8 milhões de testes PT-PCR aos estados e municípios e abandonou as ações de controle da doença no país. O principal motivo para os testes ficarem parados nas prateleiras do ministério é a falta de insumos usados em laboratório para processar amostras de pacientes.
Enquanto isso estamos chegando à triste marca dos 100 mil brasileiros mortos pela Covid-19.
As universidades públicas atuam no desenvolvimento de novas formas, mais rápidas e eficazes, de identificar os portadores do coronavírus. Duas pesquisas, de diferentes instituições, visam apoiar o trabalho de controle da pandemia.
Teste molecular
Na Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), pesquisadores do Centro de Ciências Agroveterinárias (CAV) em Lages desenvolveram, em parceria com outras instituições, um teste molecular inédito para diagnóstico da Covid-19.
A descoberta aconteceu no Laboratório de Bioquímica da universidade, onde, após três meses de trabalho, os pesquisadores formularam um novo teste, mais rápido, mais simples e mais barato.
Eles desenvolveram um peptídeo, ou seja, uma molécula que reconhece o vírus e se liga a ele. Depois, acrescentaram estruturas químicas que emitem luz e deixam as moléculas com cor fluorescente. Quando elas encontram o vírus e a cor desaparece, o resultado é positivo para o novo coronavírus.
A vantagem do novo teste é que o material coletado dos pacientes não precisa passar por várias análises. As hastes contendo o vírus são mergulhadas em tubos onde há moléculas e a resposta é imediata. “É um peptídeo totalmente nacional, com produção barata e teremos a possibilidade de realizar testes em massa”, disse a professora Maria de Lourdes Magalhães, coordenadora do projeto, à agência de notícias da Udesc.
Força-tarefa nacional
O projeto que resultou na descoberta do teste promissor iniciou com a startup Scienco Biotech, criada dentro do ambiente de inovação da Udesc Lages. A startup foi contemplada, em abril, com recursos do Edital de Inovação para a Indústria, do Senai, na “Missão contra Covid-19”.
As pesquisas foram realizadas pelos alunos do Programa de Pós-Graduação em Bioquímica e Biologia Molecular da universidade, ao lado da professora Maria de Lourdes e do professor Gustavo Felippe da Silva. Foi o grupo que desenvolveu o peptídeo que se liga ao vírus.
O desenvolvimento das estruturas químicas que dão cor às moléculas ficou a cargo das instituições parceiras do projeto. A força-tarefa inclui uma equipe formada por especialistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e Instituto Senai de Inovação Química Verde.
Leveduras
Em São Paulo, pesquisadores do Laboratório de Genômica e Bioenergia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) estão desenvolvendo um modelo de teste para diagnóstico da Covid-19, chamado de Coronayeast. O teste detecta o vírus em fungos, que ganhariam cor vermelha ao confirmar a infecção.
O exame em desenvolvimento analisa amostras de saliva ou de material coletado da nasofaringe de pacientes.
Os pesquisadores inseriram leveduras (organismos unicelulares microscópicos da família dos fungos) um gene que produz a proteína humana ACE-2, substância que facilita a entrada do SARS-CoV-2. Se há o vírus na amostra, após minutos de incubação, passa a ser abundante a presença de angiotensina 2, hormônio que é identificado por estruturas da levedura.
Leveduras são bastante utilizadas na fabricação de alimentos e bebidas fermentadas, como pão, vinho e cerveja. Apesar de serem microscópicas, elas crescem em culturas, agregando-se ao ponto de serem facilmente identificadas.
O reconhecimento ativa genes que fazem a levedura ficar vermelha a olho nu e fluorescente. A intensidade da fluorescência, que se nota apenas com auxílio de equipamentos, é proporcional à quantidade de vírus na amostra.
Segundo o professor titular do instituto de biologia da Unicamp Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, que participa do projeto, o exame seria barato e poderia ser aplicado diversas vezes por dia, inclusive em casa. O custo de cada unidade ainda não foi estimado, mas a expectativa é de que a produção seja até 100 vezes mais barata do que de testes RT-PCR, tido como de “padrão-ouro” para o diagnóstico.
Tempo para o diagnóstico
Os pesquisadores também aguardam o desenrolar dos estudos para apontar o tempo necessário para se chegar ao diagnóstico, mas estimam que a coloração vermelha apareça na levedura em no máximo 4 horas. Se não há a presença do vírus, a levedura mantém a cor natural: bege-amarelada.
Segundo os responsáveis pelo invento, o Coronayeast é o primeiro biossensor de levedura para detecção de vírus que se tem notícia.
Eles afirmam que a mesma lógica pode ser utilizada na detecção de outras doenças. Embora os experimentos preliminares indiquem que a precisão do teste ainda depende de um número exato de dias após a infecção, os pesquisadores apontam que a sensibilidade do teste é bastante alta. Isso seria uma vantagem sobre os testes RT-PCR, indicados para encontrar o RNA do vírus na fase aguda da doença, entre o 3º e 7º dia de sintomas, e o exame sorológico (teste rápido), que mostra anticorpos após o 8º dia.
“Mesmo que de forma intermitente, a doença deve permanecer até 2025. Por isso, acreditamos no potencial do teste para aumentar o controle da pandemia, até ajudando a reduzir período de reclusão”, afirma Carla Maneira da Silva, estudante do mestrado em genética e biologia molecular da Unicamp.
Disponibilidade
A expectativa dos pesquisadores de Santa Catarina é que o novo método esteja disponível comercialmente nos próximos três ou quatro meses. Os dados da pesquisa serão públicos e a invenção não será patenteada. Portanto, empresas e laboratórios poderão desenvolver a mesma molécula ou usar a mesma estratégia para formulação de testes.
“Um teste simples como esse, de custo reduzido e de tecnologia totalmente nacional é muito factível e poderá melhorar muito a eficiência de testagem. Isso só é possível por causa do estímulo à mão de obra qualificada e aos programas de pós-graduação”, avalia Maria de Lourdes.
A equipe da Unicamp já pediu a patente do Coronayeast. No entanto, ainda é preciso um financiamento de R$ 500 mil a R$ 1 milhão para levar o produto no mercado em até seis meses.
ANDRÉ SANTANA
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