Os crimes do cartel do bilhão contra o Brasil (4)
(HP 14/08/2015)
CARLOS LOPES
Que motivo teria alguém – ou uma empresa, que, afinal, é apenas uma organização de pessoas – para lavar dinheiro?
Obviamente, porque ele é sujo. Inexiste outra explicação.
Nesta parte de nossa série sobre as denúncias do Ministério Público Federal contra o Cartel do Bilhão, veremos como a Odebrecht burlou as leis e montou, recorrendo a profissionais com experiência no ramo, um esquema de lavagem, exemplificado, aqui, no caso Braskem.
A Braskem foi, em 2014, a oitava companhia do país em faturamento, com vendas totais de U$ 9,2 bilhões e lucro líquido de US$ 375,3 milhões e uma rentabilidade (lucro/investimento) de 15,5% – superior à da Petrobrás, da BR Distribuidora, da Vale e até à da Telefônica ou da Bunge, todas elas companhias acima da Braskem em faturamento.
Esses resultados foram atingidos com a Petrobrás fornecendo nafta à Braskem por preço abaixo do mercado internacional. Como vimos na edição anterior, até mesmo uma parte das importações de nafta que a Petrobrás foi obrigada a fazer eram para a Braskem/Odebrecht. A Petrobrás, portanto, foi obrigada a subsidiar a nafta para a Braskem.
O total de dinheiro, oriundo do golpe da Braskem/Odebrecht contra a Petrobrás, onde já foi possível comprovar a lavagem, monta a US$ 1.850.000,00.
Diante disso, a afirmação dos consultores advocatícios da Odebrecht de que na prisão de seu dono teria sido “desvirtuada a teoria do domínio do fato” parece uma discussão sobre quantos anjos cabem na ponta de uma agulha – famoso ponto teológico que consumiu décadas, talvez séculos de discussão e polêmica, na antiga cidade de Bizâncio.
Primeiro, há fatos e provas – não é preciso a “teoria do domínio do fato” para tornar supostos participantes do crime, que não se envolveram diretamente, em autores do crime, porque eles já são autores, ou seja, o que existe contra eles é suficiente (ou até excede) o que é preciso para denunciá-los como autores dos crimes.
Segundo, nenhum desses senhores lamenta o destino de centenas de milhares de brasileiros que estão encarcerados por crimes muito menores que os do Sr. Marcelo Odebrecht, muitos deles sem que haja julgamento – muito menos sentença transitada em julgado.
Mas, vejamos o texto dos procuradores federais sobre a lavagem no caso Braskem/Odebrecht. Fizemos o possível para mantê-lo sem cortes, para que o leitor tenha ideia das acusações e das provas. Manter esses elementos soltos somente serviria para que eles escapassem ao longo braço da Lei e da Justiça.
C.L.
Marcelo Bahia Odebrecht, Alexandrino de Salles Ramos de Alencar e Paulo Roberto Costa, em período compreendido entre os anos de 2009 e 2014, ocultaram e dissimularam a origem, disposição, movimentação, localização e propriedade dos valores provenientes, direta e indiretamente, dos delitos de corrupção ativa e passiva, violando o disposto no art. 1o da Lei 9613/98 e incorreram na prática do crime de lavagem de capitais.
Para tanto, valeram-se dos serviços dos operadores Bernardo Schiller Freiburghaus e Alberto Youssef, que ocultaram e dissimularam a origem dos valores entregues a Paulo Roberto Costa e a José Janene, que, na condição de liderança do Partido Progressista (PP), também era destinatário final dos valores pagos.
Conforme apurado nos presentes autos, Marcelo Odebrecht, na condição de executivo do Grupo Odebrecht e presidente do Conselho de Administração da Braskem, e Alexandrino Alencar, na condição de executivo da Braskem, juntamente com o operador financeiro Alberto Youssef e o ex-Diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa, ocultaram e dissimularam a origem e a propriedade de valores direta e indiretamente provenientes dos delitos de organização criminosa, cartel, fraude à licitação, e, especialmente, do produto dos crime de corrupção praticados em face da Petrobrás S.A., todos descritos nesta peça, convertendo-os em ativos lícitos, violando desta forma o disposto no art. 1o da Lei 9613/98, incorrendo, assim, na prática do crime de lavagem de capitais.
Como se encontra descrito nesta peça, Marcelo Odebrecht e Alexandrino Alencar, ofereceram a José Janene e Paulo Roberto Costa, diretamente e por intermédio de Alberto Youssef, vantagem indevida no montante de US$ 5.000.000,00 (cinco milhões de dólares norte-americanos), entregues anualmente no interregno entre 2009 e 2014, a qual foi aceita, de modo a viabilizar a celebração de contrato de fornecimento de nafta entre a Braskem e a Petrobrás.
[NOTA DO MPF: Neste sentido, veja-se depoimento prestado por Paulo Roberto Costa: “… o tema da compra de nafta por parte da Braskem era tratado também com o ex-Deputado Janene e com Alberto Youssef, sendo acertado que para que o declarante agilizasse a tramitação dos pedidos de compra de nafta da Braskem haveria uma contraprestação financeira, na ordem de 3 a 5 milhões de dólares por ano em média, o que teria ocorrido entre 2006 e 2012” – ANEXO 76. Não obstante, afirmou “que, perguntado até quanto esses pagamentos se mantiveram, afirma que isso perdurou até a sua prisão no ano de 2014” – ANEXO 4Y1]
Para acobertar a origem ilícita de parcela da propina paga ao ex-Diretor de Abastecimento da Petrobrás, os denunciados Marcelo Odebrecht e Alexandrino Alencar valeram-se de um dos esquemas de lavagem de dinheiro montados por Alberto Youssef.
Para tanto, Alberto Youssef utilizou-se de empresas sediadas fora do território nacional, conhecidas como offshores, algumas delas sediadas em paraísos fiscais.
Alberto Youssef, nesse proceder, encaminhava os dados de contas bancárias mantidas fora do território nacional para Alexandrino Alencar, que adotava os procedimentos necessários para realizar as transferências a partir de offshores mantidas pela Braskem.
Por sua vez, Alberto Youssef recebia de Alexandrino Alencar os comprovantes das transferências internacionais, que tinham como destino as contas por ele indicadas.
As contas no exterior que recebiam os valores eram controladas por doleiros da confiança de Alberto Youssef, entre estes Nelma Kodama, Leonardo Meirelles e, ainda, Carlos Rocha (“Ceará”), que repassavam para Alberto Youssef em moeda nacional (Reais) o equivalente ao numerário depositado em dólares norte-americanos.
[NOTA DO MPF: Observe-se o quanto declarado pelo operador financeiro (Youssef): “… informava a Alexandrino o número das contas onde os valores eram depositados, competindo ao responsável pelas mesmas (Nelma, Carlos Rocha e Leonardo Meirelles), disponibilizar os valores em reais no Brasil” – ANEXO 70.]
Esse valor era, então, entregue em espécie aos beneficiários da propina, que passavam a deter a disponibilidade dos valores, dissociada de sua origem espúria.
Nesta seara, corroboram as declarações prestadas por Alberto Youssef o quanto alegado pelo colaborador Rafael Ângulo, braço direito do operador financeiro e responsável por parte do contato com Alexandrino Alencar.
De acordo com Ângulo, Alberto Youssef reunia-se com frequência com Alexandrino Alencar, executivo da área financeira da Braskem, com a finalidade de discutir contratos de propina e depósitos de valores indevidos no exterior, desde os anos de 2007/2008.
Os números das contas em que deveriam ser realizados os depósitos da Braskem era fornecido ao diretor por Alberto Youssef ou pelo próprio Rafael Ângulo, sendo que, após os depósitos, Alexandrino Alencar encarregava-se de entregar os swifts (comprovantes das transações bancárias) a Alberto Youssef ou, por ordem do operador, a Rafael Ângulo.
Ângulo afirmou, ainda, que entre os anos de 2007 e 2013 compareceu à sede da Braskem a fim de levar os números de contas a serem realizados os depósitos, assim como para retirar os swifts com Alexandrino Alencar para que fossem entregues a Alberto Youssef.
Alberto Youssef, por seu turno, recebia o numerário em espécie, repassando os valores a José Janene, pessoas por ele indicadas e, ainda, Paulo Roberto Costa, ex-Diretor de Abastecimento da Petrobrás.
Neste sentido, menciona-se depoimento prestado por Paulo Roberto Costa, segundo o qual parte dos valores pagos a título de propina decorrente dos contratos da Braskem com a Petrobrás era operacionalizada por Alberto Youssef, que, em conjunto com José Janene, cuidava do rateio dos valores entre o Partido Progressista (PP) e o ex-Diretor de Abastecimento da Petrobrás [“Que, parte desses recursos era entregue a Alberto Youssef, sendo praticamente todos os valores recebidos nas contas da Suíça administradas por Bernardo Freiburghaus; que, uma pequena parte pode ter sido paga em espécie no Brasil; que, do valor pago pela Braskem, 60% era destinado ao PP, 20% era destinado ao pagamento de custos, inclusive com a emissão de notas fiscais e dos 20% restantes, 70% era destinado ao declarante e os 30% remanescentes eram rateados entre Alberto Youssef e José Janene; que, quem controlava esse rateio eram José Janene e posteriormente Alberto Youssef” – ANEXO 41].
Corroboram o quanto alegado pelos colaboradores, documentos acostados por Rafael Ângulo, nos quais podem ser identificadas as seguintes transações:
Tais depósitos foram efetuados pela Braskem, através de Alexandrino Alencar, orientado por Marcelo Odebrecht, em contas bancárias indicadas por Alberto Youssef e controladas pelos doleiros Nelma Kodama, Leonardo Meirelles e Carlos Rocha, os quais se responsabilizavam por fornecer referidos valores em espécie a Alberto Youssef no território nacional, em clássica operação de dólar-cabo.
Note-se que os swifts entregues por Rafael Ângulo correspondem a uma pequena parte das operações realizadas pela Braskem, através de Alexandrino Alencar, em favor de Alberto Youssef e das pessoas por ele representadas, conforme declarado pelo próprio operador financeiro.
[Termo de Declarações de Alberto Youssef: “… observa também que os swifts apresentados por Rafael Ângulo foram entregues a ele por Alexandrino Alencar apenas nos casos em que os valores pagos pela Braskem não eram localizados nas contas dos doleiros anteriormente mencionados, o que ocorreu apenas com uma pequena parte dos depósitos feitos pela petroquímica” – ANEXO 214.]
Em recente depoimento, Alberto Youssef informou que referidos documentos eram entregues tão somente nas ocasiões em que os doleiros por ele utilizados não conseguiam identificar os depósitos realizados pela Braskem.
Tem-se, assim, que Alexandrino Alencar, enquanto diretor da Braskem e do Grupo Odebrecht, sob as ordens de seu presidente, Marcelo Odebrecht, reunia-se com Alberto Youssef e José Janene para negociar o pagamento de propina dirigida ao grupo político que se beneficiava dos contratos firmados com a Petrobrás, sendo que efetuava depósitos nas contas indicadas por Alberto Youssef e informadas pelo operador, diretamente ou por intermédio de Rafael Ângulo.
Este, por sua vez, retirava, a mando de Alberto Youssef, os swifts, que nada mais são do que documentos de transferências internacionais, com Alexandrino Alencar na sede da Braskem em um primeiro momento, e, posteriormente, no prédio da própria Odebrecht.
[Termo de Declarações nº 07 de Rafael Ângulo Lopez: “… com certeza, era um acerto de contrato de propina e de transferências de dinheiro no exterior; que em relação a estas transferências de valores no exterior, Youssef levava número de contas situadas no exterior para Alexandrino e este último providenciava o depósito dos valores nas contas indicadas; que o declarante apresenta nesta oportunidade alguns destes comprovantes para juntada, em anexo; que também o declarante pessoalmente levou número de contas situadas no exterior para Alexandrino; que entregou pessoalmente tais números de contas para Alexandrino, na própria Braskem; que após a transferência dos valores no exterior, o declarante também ia buscar os comprovantes das transferências internacionais (swifts), tais como estes que ora junta; que era Alexandrino quem entregava pessoalmente estes swifts ao declarante;(…)” e “que soube da mudança de Alexandrino para a Odebrecht pois Youssef pediu para o declarante entregar número de contas e retirar swifts na Odebrecht, onde Alexandrino passou a trabalhar; que quando foi buscar swifts na Odebrecht pode verificar que quem fazia a remessa era alguma pessoa que operava para Alexandrino” – ANEXO 73.]
A análise dos documentos (sobretudo dos swifts) entregues por Rafael Ângulo e dos dados neles constantes é reveladora da complexidade das operações realizadas em favor do grupo Odebrecht e de suas empresas coligadas, sediadas no território nacional e fora dele.
Veja-se, nesse sentido, que algumas das contas utilizadas por Alexandrino Alencar para viabilizar a lavagem dos valores repassados a título de pagamento em favor de Alberto Youssef estavam em nome das offshores Trident Inter Trading Ltd., Intercorp Logistic e Klienfeld Services Ltda., sendo que esta última também foi identificada como recebedora de recursos de empresas do Grupo Odebrecht, a partir das contas em nome das offshores Smith & Nash Enginnering Company Inc., Golac Projects And Construction Corp, Sherkson International S.A., nas quais a Construtora Norberto Odebrecht figura como beneficiária econômica.
Depois destes aportes, a conta Klienfeld Services Ltda. repassou os valores para as contas dos então funcionários da Petrobrás, Paulo Roberto Costa, Renato Duque e Pedro Barusco, que estavam abertas em nome das offshores Quinus Services S.A., Milzart Overseas Holdings Inc., Pexo Corporation.
Verifica-se, assim, que a Braskem comprovadamente compartilhava a utilização da conta Klienfeld Services Ltda. – e possivelmente das outras também – com a Construtora Norberto Odebrecht, a fim de proceder à lavagem dos recursos que ilicitamente auferiram em benefício de terceiros agentes, no caso Paulo Roberto Costa.
Marcelo Odebrecht, por sua vez, na condição de executivo do Grupo Odebrecht e presidente do conselho de administração da Braskem desde 30/07/2008, comandou o pagamento das vantagens indevidas, tendo Alexandrino Alencar agido conforme suas orientações.
O colaborador Paulo Roberto Costa prestou declarações no sentido de que em todas as reuniões de que Marcelo Odebrecht participou, relacionadas à Braskem, o executivo demonstrou amplo conhecimento acerca dos temas relacionados à empresa, tendo sido bastante participativo.
Ademais, informou que possivelmente Marcelo Odebrecht tenha participado de reunião realizada pelo ex-Diretor de Abastecimento e Bernardo Gradim em que foram solicitados descontos no preço da nafta, a ser estabelecido na renovação do contrato de compra e venda celebrado entre a Braskem e a Petrobrás, no ano de 2009.
[Termo de Declarações de Paulo Roberto Costa: “… de fato o pleito da Braskem foi atendido, nos termos do que foi sugerido por Bernardo Gradim; no tocante à participação de Marcelo Odebrecht nessa reunião, acha possível que isso tenha ocorrido, considerando que o mesmo era o presidente do Conselho; diz nunca ter tratado do assunto propina diretamente com Marcelo; nas reuniões das quais participou, Marcelo sempre era bastante atuante e informado quanto aos assuntos ligados a Braskem” – ANEXO 41.]
Observe-se, neste sentido, que Marcelo Odebrecht compareceu à sede da Petrobrás por diversas vezes durante o ano de 2009, inclusive poucos dias depois que a pretensão contratual da Braskem não foi acolhida pela Diretoria Executiva da Estatal, sendo que, logo após, em virtude da influência de Paulo Roberto Costa, esta decisão foi revertida, autorizando-se a contratação como pretendida pela Braskem.
Nessa oportunidade, Marcelo Odebrecht esteve reunido com Paulo Roberto Costa e o presidente da estatal, Sérgio Gabrielli, para tratar deste tema.
Verifica-se, portanto, que Marcelo Odebrecht não apenas tinha conhecimento acerca das tratativas e dos pagamentos de vantagens indevidas a Paulo Roberto Costa e ao Partido Progressista (PP), como também participava diretamente na coordenação de tais atividades ilícitas e, indiretamente, na execução, por seus próprios subordinados.
Assim agindo, no interregno entre 2009 e 2014, ao realizar o pagamento em contas bancárias controladas por doleiros indicados por Alberto Youssef, a fim de que fossem os valores repassados a Paulo Roberto Costa, a José Janene (inicialmente) e a membros do Partido Progressista (PP), os denunciados Marcelo Odebrecht e Alexandrino Alencar, agindo em conluio e com unidade de desígnios com Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa, dissimularam a origem, disposição, movimentação e propriedade de, pelo menos, US$ 1.850.000,00, valores estes provenientes direta e indiretamente dos delitos de organização criminosa, cartel, fraude à licitação, e, especialmente, do produto dos crimes de corrupção praticados em face da Petrobrás S.A., todos descritos nesta peça, violando em cinco oportunidades o disposto no art. 1o da Lei 9613/98 e incorrendo, assim, na prática do crime de lavagem de capitais.