WALTER SORRENTINO*
Luiz Carlos Trabuco Cappi, presidente do Conselho de Administração do Bradesco, interveio no movimento para aproximar o governo Bolsonaro da iniciativa privada, a partir da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), no encontro que promoveu para debater uma agenda de propostas para o país.
O Estadão informa que, para Trabuco, apesar dos efeitos da crise global, o Brasil teria instrumentos para “transformá-la em oportunidade”. “O Brasil pode ser um porto de segurança e rentabilidade para o capital mundial.”
Atenção, leitores: um “porto de segurança e rentabilidade para o capital mundial”! Não é para o Brasil e os brasileiros, explicitamente.
Na lenga-lenga que se seguiu, ele está convencido de que chegou a “hora da esperança”, afirma sua “fé” na economia brasileira com Paulo Guedes/Bolsonaro: “confiança é um clima, um estado de espírito”. Deve ser a mesma infundida por Macri na Argentina e que levou o país à bancarrota.
Coronavírus e a nova ameaça de recessão mundial (se espera queda para 1% no crescimento do PIB mundial em 2020), a guerra comercial que ainda existe entre EUA e China, os conflitos no Oriente Médio, segundo ele, mantêm a crise econômica instalada. Desse modo, “o mundo não está dando retorno para capital. E onde está a oportunidade do Brasil? Nós temos um portfólio de investimento que dará maior taxa interna de retorno do que qualquer projeto no mundo.” Venham, venham todos ao butim.
Trabuco é um dos líderes políticos dos quatro maiores bancos de capital aberto — Itaú Unibanco, Banco do Brasil (BB), Bradesco e Santander. Juntos, tiveram lucro líquido de R$ 86,648 bilhões em 2019, um crescimento de 18,4% na comparação com o ano anterior, que já vinha de crescimento sobre o ano antecedente. Foi o maior resultado nominal da história e o terceiro ano consecutivo de alta.
A nação vem pagando um imposto universal há décadas para a consolidação do sistema financeiro brasileiro. Ele é indispensável a um projeto nacional para a reindustrialização, os investimentos públicos, emprego e renda que fazem rodar a economia, muito crédito a taxas de juros baixas.
Mas o sistema financeiro brasileiro, público e privado, conformou uma oligarquia financeira. É ela que está no vértice hegemônico da acumulação do capital. Sua anterior aliança com o setor industrial se liquefaz com o franco desmanche em curso na indústria. Tem uma ideologia francamente antinacional e parasitária, voltada para a esfera internacional dominada pelo dólar dos EUA. Não lhe faz diferença produzir ou não produzir, mas viver do rentismo, das maiores taxas de juros do mundo ao consumidor de seus serviços.
A dominação política do setor financeiro apoia-se na pregação de que a crise fiscal, “muito Estado”, é a grande questão do impasse brasileiro. Nem é preciso muito esforço para compreender que o financiamento da dívida pública do Estado nacional é o grande lance parasitário do capital financeiro, a galinha dos ovos de ouro; de modo que a dita crise fiscal é veneno puro nessa relação simbiótica. Dessa hegemonia não escaparam nem os governos progressistas do início deste século, como se sabe.
Sua ideologia é apátrida e cosmopolita, não nacional. Mas ninguém podia esperar tanta franqueza de seu porta-voz na aludida reunião de “agenda para o Brasil”. Dá até saudades da ingênua República das Bananas com que a Doutrina Monroe se apresentou no século passado. O Brasil como um entreposto, um lugar de passagem de capitais fictícios em busca de rentabilidade diferencial em meio à crise capitalista. Uma nova versão conceitual da burguesia compradora de países neocolonizados sob as garras do imperialismo: é uma burguesia de entreposto.
Prá quê Brasil? pensam eles. Nenhuma nação e nenhum povo se afirmaram por esse caminho no mundo e na história. Muito pelo contrário. Mas o povo é um percalço nas contas de Trabuco. Não inconscientemente, ele deu a chave da escalada autoritária em curso no país, pois um rumo que concentra o capital e aumenta a desigualdade social não convive com democracia, nem sequer a liberal clássica. Só não vê quem não quer.
Os adjetivos, sobretudo quando em excesso, são perniciosos à escrita. Poucas vezes, na presente situação brasileira, eles estarão à altura dos acontecimentos. De modo que vou deixar ao próprio leitor que, mentalmente, os aponha ao ler este texto.
* Vice-Presidente Nacional e Secretário de Relações Internacionais do Partido Comunista do Brasil (PCdoB).