“Esses instrumentos são fundamentais para minimizar a possibilidade de novos aumentos na transmissão”, afirmam
O ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão, a pesquisadora Márcia Castro e professor Adriano Massuda defenderam em artigo que o “rastreamento de contato”, através de equipes de atenção primária, “é crucial para o controle de doenças transmissíveis”, como o coronavírus.
“A busca ativa e o rastreamento de contatos são fundamentais para minimizar a infecção entre grupos de alto risco e maximizar a detecção de indivíduos que poderiam ter sido expostos ao coronavírus, contribuindo para reduzir a demanda por serviços hospitalares”, argumentam os pesquisadores.
José Gomes Temporão foi ministro da Saúde de 2007 a 2011 e é pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz; Márcia Castro é professora e chefe do departamento de Global Health and Population, na Harvard T.H. Chan School of Public Health, e Adriano Massuda é professor no Centro de Estudos em Planejamento e Gestão de Saúde, da FGV.
O artigo, intitulado Atenção primária à saúde e a covid-19 no Brasil, foi publicado no jornal Valor Econômico.
“Isso é fundamental em um país desigual como o Brasil, onde as medidas de distanciamento social praticadas nos países europeus são inviáveis para grande parcela da população e, portanto, devem ser adaptadas à realidade local”
Os pesquisadores chamam atenção para o fato de que o Brasil tem 269.921 agentes comunitários no programa Estratégia Saúde da Família (ESF), mas que eles têm tido um papel “mínimo” no combate ao coronavírus, devido à falta de estratégia do governo federal.
Esses “profissionais são capazes de rastrear os contatos de pessoas que testaram positivo para a doença, e esses contatos podem ser colocados em quarentena e/ou testados”, afirmam.
“À medida que cidades implementam planos de reabertura, incorporar equipes de Atenção Primária e agentes comunitários é necessário e urgente. Se nada for feito, o país permanecerá assistindo milhares de mortes, das quais muitas poderiam ser evitadas”, alertam.
“As equipes de atenção primária poderiam ter feito a diferença na resposta do Brasil à covid-19. Esses profissionais podem auxiliar a identificação de domicílios mais vulneráveis, muitos dos quais sem acesso regular à água, dependentes do trabalho informal, e com alta densidade de moradores”, prosseguem os pesquisadores.
“Isso é fundamental em um país desigual como o Brasil, onde as medidas de distanciamento social praticadas nos países europeus são inviáveis para grande parcela da população e, portanto, devem ser adaptadas à realidade local”, dizem os autores.
Para eles, “a falta de uma mensagem uniforme dos diferentes níveis de liderança quanto à seriedade da covid-19 – combinada com um orçamento reduzido para a saúde, devido às medidas de austeridade e mudanças no mecanismo de financiamento da ESF – prejudicou o planejamento de uma resposta efetiva”.
“A coordenação nacional da resposta ainda é caótica e se reflete em elevadas médias diárias de casos e mortes que persistem há três meses”, apontam.
“Atualmente, o Brasil é um dos países que realiza o menor número de testes dado o seu tamanho populacional”
Os pesquisadores criticam o fato de que, no início da pandemia, “o protocolo para atenção primária no enfrentamento da covid-19, publicado pelo Ministério da Saúde, priorizou o atendimento clínico, secundarizando o controle epidemiológico e a orientação de medidas preventivas na comunidade”.
“O resultado é que a participação dos agentes se limita a ações locais, que partem de movimentos comunitários, filantrópicos, e de iniciativas de governantes locais”, continuam.
Segundo eles, uma estratégia mais acertada de combate ao coronavírus faria “arranjos especiais para permitir a quarentena de indivíduos expostos que vivem em áreas precárias, com baixos recursos financeiros, e que, portanto, não têm meios de sair temporariamente do domicílio”, e também ampliaria a testagem.
“Atualmente, o Brasil é um dos países que realiza o menor número de testes dado o seu tamanho populacional”, assinalam.
“Diante do relaxamento das políticas de distanciamento social, esses instrumentos são cruciais para minimizar a possibilidade de novos aumentos na transmissão”, observam os cientistas.
As prefeituras e governos estaduais também podem “preparar protocolos e organizar treinamentos, com orientação coordenada às ações locais. Contudo, o governo precisa prover meios para a implantação dessas ações”.
Os autores reafirmam a crítica à falta de coordenação nacional para combater a pandemia. “Seis meses após o registro do primeiro caso de covid-19 no Brasil, com mais de três milhões de casos e superando a marca de 100 mil mortes provocadas pela doença, a coordenação nacional da resposta ainda é caótica e se reflete em elevadas médias diárias de casos e mortes que persistem há três meses”, lamentam.
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