“2020 foi o ano do luto, 2021 será o ano de lutar pela vida”, afirmou Sérgio Cimerman, infectologista do Instituto Emilio Ribas.
O Instituto Butantan e o governo de São Paulo anunciaram, nesta terça-feira (12), a taxa de eficácia geral da CoronaVac, vacina contra o coronavírus desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac e produzida no Brasil pelo Butantan. A taxa que considera a análise de todos os voluntários infectados pela Covid-19 é de 50,38%.
O resultado da eficácia da vacina foi apresentado junto a representantes da comunidade científica em coletiva de imprensa realizada na sede do Instituto Butantan, em São Paulo.
O número é menor que o anunciado na semana passada pelo governo paulista, de 78%, que se refere ao grupo de voluntários que manifestaram casos leves de Covid-19, mas com necessidade de atendimento médico. Ou seja, a vacina tem 78% de eficácia de evitar que, mesmo que a pessoa se contamine com o coronavírus, ela vai ter somente uma doença leve, não a ponto de ser hospitalizada.
Já a taxa de eficácia global, apresentada nesta terça, se refere à capacidade de evitar que a pessoa fique doente. O índice de 50,38% é superior ao exigido para a aprovação do imunizante pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que exige eficácia mínima de 50%, mesmo percentual exigido pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Durante a apresentação dos resultados, o presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, declarou que os resultados dos testes provaram que a vacina é excelente e uma das melhores do mundo, considerando também sua facilidade logística e capacidade de prevenir casos graves de Covid-19.
“A vacina é muito esperada para ser usada num país onde 1.000 pessoas morrem por dia. É uma vacina mundial que será produzida em bilhões de unidades. Essa vacina tem segurança, tem eficácia, e todos os requisitos que justificam o uso emergencial”, defendeu o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, durante o anúncio.
“A vacina é eficiente, está disponível e esperando para ser usada. Num país onde estão morrendo mais de mil pessoas por dia”, disse Covas ao pedir que a Anvisa tenha urgência para a liberação do imunizante.
“Por que atrasar o uso da CoronaVac?”, indagou. “Ela tem segurança e eficácia”, completou.
Covas relembrou que a vacina foi duramente criticada por conta da origem, uma vez que foi desenvolvida em parceria com uma farmacêutica chinesa. “Isso é uma virtude”, disse o diretor do instituto. “Se isso não tivesse acontecido, não teríamos milhões de doses na prateleira esperando uso”, afirmou.
O Butantan já dispõe de 10,8 milhões de doses da vacina em solo brasileiro. No final de março, a carga total de imunizantes disponibilizados pelo instituto é estimada em 46 milhões de doses.
Veja a íntegra da apresentação do Instituto Butantan sobre a CoronaVac
ESTUDO
O diretor de pesquisa clínica do Butantã, Ricardo Palácios, afirmou que a taxa de eficácia menor do que a apresentada inicialmente ocorre por causa da definição de casos usada na pesquisa. Palácios explicou que o público no qual a vacina foi testada, os profissionais de saúde, colocou a vacina “sob maior estresse”.
“A gente tinha previsto que a vacina tinha que ter uma eficácia menor em casos mais leves e uma eficácia maior em casos moderados e graves e nós conseguimos demonstrar esse efeito biológico esperado. Esta é uma vacina eficaz. Temos uma vacina que consegue controlar a pandemia através desse efeito esperado que é a diminuição da intensidade da doença clínica”, destacou Palácios.
Segundo ele, foram considerados para avaliação também os casos leves da doença (que não precisam de atendimento) em uma “decisão consciente” para que os estudos da fase 3 atingissem de forma mais rápida o número mínimo de casos positivos exigidos: “A vantagem é termos um estudo mais rápido. Estávamos sacrificando eficácia para aumentarmos o número de casos e termos uma resposta mais rápida. Foi uma decisão arriscada, mas precisávamos dessa resposta rápido”.
De acordo com o pesquisador, quando se amplia a definição de caso de Covid-19, incluindo os casos positivos independentemente da gravidade, fica mais fácil identificar os casos, mas perde-se em especificidade. Isso acaba fazendo a eficácia global cair.
“O teste não é a vida real exatamente. É um teste artificial, no qual selecionamos dentro das populações possíveis, selecionamos aquela população que a vacina poderia ser testada com a barra mais alta. A gente quer comparar os diferentes estudos, mas é o mesmo que comparar uma pessoa que faz uma corrida de 1 km em um trecho plano e uma pessoa que faz uma corrida de 1 km em um trecho íngreme e cheio de obstáculos. Fizemos deliberadamente para colocar o teste mais difícil para essa vacina, porque se a vacina resistir a esse teste, iria se comportar infinitamente melhor em níveis comunitários”, disse.
Palácios afirmou que ainda é cedo para garantir a proteção de 100% contra casos graves anunciada pela gestão Doria na última semana. “Não sabemos se o número de casos que vamos atingir até o momento de corte no acompanhamento do grupo controle será suficiente para demonstrar estatisticamente a significância desse número. Há uma tendência que corresponde ao efeito biológico esperado. Esse número é consistente com essa hipótese. A tendência da vacina é diminuir a intensidade clínica da doença. Esse é o dado que a gente interpreta como conclusão”.
A eficácia de 78% foi registrada entre 38 casos de níveis leve, moderado ou grave, dentre os quais sete voluntários estavam no grupo que recebeu o imunizante. Já o índice de 50,38% foi atingido após o registro de 252 casos, que variaram de muito leves (que não precisam de ajuda) a graves (internação hospitalar em UTI). Desses, 85 receberam a vacina.
A taxa de eficácia de 100% observada entre casos graves e moderados apresentada na semana passada pelo governo paulista foi calculada com base em uma amostra de apenas sete pacientes com esse quadro da doença, todos no grupo placebo. O número é considerado pequeno para uma análise final. Serão necessários mais casos graves na amostra de voluntários para determinar a proteção final contra casos mais severos.
“É um dado ainda pequeno, não tem significância estatística, embora demonstre uma tendência e esperamos que se confirme”, reconheceu Palácios. “Não há nenhuma promessa de que ninguém vai morrer da doença se for vacinado, porque nenhuma vacina pode fazer essa promessa”, disse.
A pesquisa envolveu 16 centros de pesquisa científica em sete estados e o Distrito Federal. O teste duplo cego, com aplicação da vacina em 50% dos voluntários e de placebo nos demais, envolveu 12,5 mil profissionais de saúde.
VACINAÇÃO JÁ!
De acordo com Alex Precioso, diretor do centro de segurança clínica e gestão de risco farmacoepidemiológica do Butantan, a CoronaVac não registrou eventos adversos graves, além de dor no local da aplicação. Apenas 0,3% dos voluntários tiveram reações alérgicas, taxa que foi igualmente registrada entre quem recebeu o imunizante e quem recebeu o placebo. “É uma vacina que tem mantido o seu perfil de segurança ao longo do tempo”, explicou.
Os cientistas presentes no anúncio ressaltaram a importância de uma vacina segura e disponível no país.
Natalia Pasternak, bióloga e presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), celebrou a transparência dos dados apresentados e afirmou que a Coronavac “não é a melhor vacina do mundo, mas é uma boa vacina”. “Ela tem sua eficácia dentro dos limites do aceitável pela comunidade científica, pela OMS e por parâmetros internacionais. É um estudo limpo, claro e que agora traz os resultados exatamente do que se propôs a fazer. E traz agora bons e honestos resultados, de uma vacina que é perfeitamente aceitável”, afirmou, acrescentando que a maior necessidade agora é de uma campanha robusta de vacinação.
“2020 foi o ano do luto, 2021 será o ano de lutar pela vida. É isso que devemos buscar, e não nos pautar só em números, mas, sim, uma proteção clínica e uma vacinação em massa”, disse Sérgio Cimerman, infectologista do Instituto Emilio Ribas.
“A melhor vacina é a vacina que estará à disposição da população”, disse a infectologista Rosana Richtmann, em referência às características da CoronaVac, que pode ser armazenada em geladeiras comuns e pode ser facilmente transportada para todo o território nacional.
“Não há justificativa nenhuma para que não se use uma vacina que está disponível no Brasil, é fácil de distribuir e que tem ótima relação de custo-benefício. É a vacina possível, é uma boa vacina e é uma vacina que certamente vai iniciar o processo de sairmos da pandemia. Isso não quer dizer que depois dela não poderão entrar outras. Se essa vacina é o começo, vamos começar?”, ressaltou Natalia Pasternak.
TECNOLOGIA
Das vacinas com eficácia já conhecida, apenas a CoronoVac, desenvolvida no Instituto Butantan, usa a tecnologia mais segura, pois é conhecida e trabalhada há muitos anos. Nela, os cientistas usam o vírus inativado, pois cientificamente, vírus não morrem, mas podem ser paralisados, inativados. O “corpo” do vírus é capaz de gerar uma resposta imune do organismo, mas, como o Sars-CoV-2 está inativo, não há risco de a pessoa adoecer. Quando a pessoa entrar em contato com o vírus na vida real, o corpo estará apto a se proteger.
Já as vacinas desenvolvidas pela Pfizer + BioNTech e Moderna, usam tecnologia inédita no mundo. O RNA é um “livro” de instruções que manda células produzirem determinadas proteínas. A vacina insere no nosso corpo uma molécula de RNA produzida em laboratório (apenas um “capítulo” do livro inteiro) que irá instruir nossas células a produzir uma proteína que faz parte do código genético do Sars-CoV-2. Com isso, o corpo entende que essa proteína produzida é o vírus inteiro e cria uma resposta imune que o protegerá se for infectado pelo novo coronavírus.
Diferente da CoronaVac, essas duas vacinas não lidam diretamente com o novo coronavírus, o RNA com o código para que o corpo produza uma resposta imune é feito por engenharia genética, a partir do código do Sars-CoV-2 disponível na internet.
No caso da vacina produzida pela Universidade de Oxford em parceria com o laboratório Astrazeneca, ela usa o vetor viral, chamado de adenovírus, que tem em sua composição um fragmento do material genético do Sars-CoV-2.
A Coronavac possui um modelo mais tradicional que carrega o vírus inativado, como acontece com a vacina da gripe. E pelo vírus estar inativado, “morto”, ela não tem a dificuldade de logística que a vacina da Pfizer e da Moderna tem exige armazenamento a -70ºC
A logística para armazenar e distribuir essas vacinas é muito maior, pois precisam de baixas temperaturas para se manterem funcionando. A vacina da Pfizer exige armazenamento a -70ºC. A da Moderna exige -20ºC de temperatura.