
CACs estão burlando a fiscalização e montando fábricas clandestinas para produção de munição. Investigações da polícia dão conta que os intitulados caçadores, atiradores esportivos e colecionadores têm produzido ilegalmente cartuchos para venda em quatros estados diferentes desde 2016.
O Brasil proíbe a produção e venda de munição por esse grupo. Entretanto, integrantes da categoria têm conseguido burlar a fiscalização do Exército, órgão responsável pelo controle dos CACs, e montam verdadeiras fábricas clandestinas de munição em suas casas.
Conforme a legislação, quem for pego produzindo os instrumentos, é preso e terá o certificado cancelado por “perda de idoneidade”.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o número na venda de munição por CACs no Brasil cresceu de 117 mil em 2018 para mais de 673 mil até junho de 2022. As estatísticas refletem a política armamentista do governo Bolsonaro que facilitou a montagem de fábricas clandestinas, avalia Bruno Langeani, gerente do Instituto Sou da Paz e especialista em controle de armas.
Por decreto, o presidente aumentou o limite de cartuchos que os integrantes da categoria podem comprar por ano. Antes, o limite máximo, para atiradores com muita experiência em competições esportivas, era de 40 mil projéteis e quatro quilos de pólvora para recarga de munição.
Hoje, qualquer atirador pode adquirir 180 mil cartuchos e 20 quilos de pólvora. A quantidade permite recarregar 40 mil projéteis de pistolas, número maior do que as polícias do Rio de Janeiro apreenderam com criminosos de janeiro a abril deste ano.
Nessas fábricas clandestinas, colecionadores e atiradores usam máquinas e prensas para preencher estojos de cartuchos já usados com pólvora e produzir, e produzir, em grandes quantidades, munição nova, recarregada e pronta para uso.
Os CACs são autorizados a comprar pólvora e recarregar projéteis em quantias pequenas e só para uso pessoal. A proibição da recarga em larga escala e da venda tem como objetivo evitar que esse tipo de projétil, muito difícil de ser rastreado, caia nas mãos de criminosos.
Em 2020, PMs do 4º Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep) por meio de uma denúncia sobre produção clandestina de munição, localizaram uma fábrica que funcionava em uma casa em Lajeado, na Zona Leste de São Paulo.
A residência era habitada por um casal de idosos e sua família. Além das câmeras de vigilância do lado de fora da casa, uma camisa suja de pólvora do filho do casal Enderson Hideki Kinjo, registrado no Exército como atirador desportivo, chamou a atenção dos policiais.
Na casa, funcionava uma fábrica clandestina de munição com 28.729 cartuchos, 21 kg de pólvora, 600 kg de chumbo e instrumentos (moldes, máquinas de recarga e balança de precisão) de fabricação de cartuchos, todos apreendidos pela PM.
Na época, Kinjo foi preso em flagrante e, em agosto passado, condenado a dez anos por comércio ilegal de munição. No entanto, a polícia não conseguiu identificar para quem o criminoso vendia os cartuchos.
Aos PMs que o prenderam, Kinjo disse que no início vendia as munições para atiradores, mas depois “para quem quisesse comprar”. Após a prisão, ele teve o certificado de registro cancelado por “perda de idoneidade”.
As mudanças nas regras que tratam de armas e munição enfraqueceram o Estatuto do Desarmamento. Com isso, o número de CACs no Brasil cresceu de 117 mil em 2018 para mais de 673 mil até junho de 2022, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
O Exército disse não saber informar o número do total de armas existentes em cada cidade brasileira nas mãos de caçadores, atiradores esportivos e colecionadores. Em números totais no país, o arsenal de CACs já ultrapassa um milhão de armas — quatro vezes o total de 2019, quando Jair Bolsonaro (PL) flexibilizou, por decreto, o acesso a armas de fogo por civis
A afirmação foi feita à Controladoria-Geral da União (CGU), durante análise do órgão sobre um pedido através da Lei de Acesso à Informação feito pelo portal UOL e negado pelo Exército. A CGU aceitou a justificativa do Exército e, assim, os dados não foram disponibilizados.
Exército explicou que, para identificar o número de armas de CACs por cidade, seria necessário o trabalho de 12 militares durante 180 dias úteis. Isso resultaria em “considerável prejuízo no cumprimento de outras atividades, como regulamentação, fiscalização e autorização referentes ao trabalho com Produtos Controlados pelo Exército”.