Conversa sobre Cinema Italiano
Live realizada no dia 29 de setembro de 2020, às 19h, no Cine-Teatro Denoy de Oliveira
Convidados:
André Sturm, cineasta, produtor, distribuidor e exibidor de filmes, curador do Cine Petra Belas Artes, ex-secretário da Cultura da cidade de São Paulo
Marcus Vinicius, maestro, compositor, presidente da Associação dos Músicos, Arranjadores e Regentes (Amar), diretor artístico da gravadora CPC-UMES, do Centro Popular de Cultura da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo
Mediadora:
Luisa Lopes, coordenadora da Mostra Permanente de Cinema Italiano, Cine-Teatro Denoy de Oliveira/CPC-UMES
Vídeo:
Luisa Lopes
Estamos no quinto ano da Mostra Permanente de Cinema Italiano. Nesse tempo, aprendemos bastante com o nosso público. Muitos são pessoas mais idosas do que nós, que assistiram esses filmes no circuito comercial. Uma coisa que para a gente pode parecer impensável.
Eu gostaria de agradecer a presença de todos e passar a palavra para o maestro Marcus Vinícius, diretor artístico da nossa gravadora CPC-UMES.
Marcus Vinicius
Cinema italiano é um dos encantos, para mim, como artista.
Entre a adolescência e o começo da vida adulta, eu morava no Nordeste, em João Pessoa, uma cidade pequena e agradável que tinha poucos cinemas, mas quinta-feira era um dia especial onde eram exibidos os filmes chamados na época de “filmes de arte”. O Cinema de Arte.
Aquilo marcou minha vida, porque dentro desse cinema de arte consegui ver praticamente todo o neorrealismo italiano e o cinema novo brasileiro.
Conheci a biografia do De Sica, do Fellini, do Visconti, do Francesco Rosi e tudo isso pra mim formou aquilo que seria o “cinema dos meus olhos.”
“Cinema dos meus olhos” é uma expressão muito bonita, cunhada por Vinicius de Moraes. O poeta viveu uma época em Los Angeles e começou a fazer crítica de cinema. Ele tinha uma sessão chamada “Cinema dos meus olhos”, que depois virou um livro. E aquilo ali formou a base cultural cinematográfica que me levou a trabalhar no cinema, fazendo música para filmes. Então tem todo um envolvimento, e, dentro desse envolvimento, o cinema italiano tem um peso muito grande.
Lembro quando vi o filme de Francesco Rosi, “O Bandido Giuliano”. Eu vi aquele filme e dizia: “Meu Deus, isso é o Nordeste”. Era um filme passado na Sicília, mas era um filme passado no Nordeste… E vários outros filmes, ambientados no Sul da Itália, que era ambiência mais rural, aquilo nos marcava demasiadamente. E mesmo os filmes mais cosmopolitas, os do Norte da Itália, também tinham uma identificação grande conosco e tudo isso terminou fazendo esse “cinema dos meus olhos”.
Essa surpresa, o encanto que esse cinema proporcionava se tornava maior porque ao final das sessões às quintas-feiras tínhamos um pequeno grupo de amigos, que depois se tornaram pessoas importantes. E aqui estou falando de Manfredo Caldas, documentarista, com quem eu fiz uns dois ou três filmes. Nós fizemos “Romance do Vaqueiro Voador”, “Negros de Cedro” e outros. Tinha o Walter Carvalho, grande fotógrafo do cinema brasileiro, que fez o filme sobre o Cazuza e foi o cara que fotografou “Central do Brasil”. Tinha também Vladimir Carvalho, um dos maiores documentaristas brasileiros, com quem cheguei a fazer uns quatro ou cinco filmes, inclusive “País de São Saruê” e “O Evangelho Segundo Teotônio”. E tínhamos ainda, e aí já era o decano da turma, a figura emblemática do Linduarte Noronha. Glauber Rocha, no livro Revisão Crítica do Cinema Brasileiro, o coloca como o precursor do cinema novo com o filme “Aruanda”, um documentário premiado no mundo inteiro. Linduarte, para quem fiz a música do longa “O Salário da Morte”, também participava do nosso grupo.
A gente acabava aquela sessão e geralmente ia, João Pessoa que naquela época era uma cidade muito segura, a gente ia para uma praça lá perto, sentávamos ali no banco, conversávamos sobre os filmes que tínhamos acabado de assistir naquela quinta-feira.
Os filmes italianos eram aqueles que mais motivavam o nosso entusiasmo, e eu fico pensando: Mas, por que isso?
Alguém me perguntou: você já ouviu falar sobre a política no cinema italiano? É um tema interessante que foi muito discutido nas nossas conversas na praça. Os filmes italianos não são políticos, eles passam mensagens políticas. Esse é um dos milagres que o cinema proporciona e eu me lembro por exemplo de “Umberto D”, um filme do De Sica, um filme muito terno, mas por trás daquela ternura, tem política. Por trás daquele velho com aquele cachorrinho, tem toda uma denúncia de uma situação social. Ele nem precisava ser político, para ser.
Uma das coisas que nos atraía no cinema italiano era essa capacidade de expressar a realidade, e ser político, sem ser explicitamente político.
Eu me recordo que havia um debate criado a partir de um artigo, um pequeno ensaio do Carlos Nelson Coutinho, que é um falecido teórico marxista, baiano, estudou com Caetano Veloso na mesma escola.
O Carlos Nelson escreveu um artigo que lançava a seguinte provocação: “Fellini ou Visconti?”. Querendo dizer o seguinte: Fellini é o cinema onírico, o cinema fantasioso, não tem muito a ver com a realidade. Mas o Visconti não, o Visconti era o cara mais assertivo, mais dialético…
E ele, claro, opinava claramente a favor do Visconti, porque o Visconti era um cineasta que permitia mais esse enfoque político das coisas, da realidade. Naquela época eu até entrei um pouco nessa onda, gostava demais do Fellini, mas para levar uma mensagem de natureza de conscientização, Visconti era mais apropriado.
Hoje eu já não penso mais assim, exatamente em função disso que acabei de dizer, às vezes o cinema adquire essa capacidade metafórica, o cinema em si, é uma coisa metafórica. De querer dizer uma coisa, e na realidade além de dizer essa coisa, muitas outras.
Hoje, a gente descobre que o próprio Fellini tem uma dimensão política e isso a gente encontra em vários outros filmes italianos. Eu diria: em grande parte do cinema italiano. Às vezes o filme é uma comédia, às vezes é um filme romântico, mas a realidade está sempre presente com uma força muito grande.
Tenho uma série de outras coisas para dizer.
Primeiro o fato de que no cinema, e aí eu volto ao velho Fellini, porque ele conseguia isso de cuidar de uma coisa com uma visão e de repente isso vai transcender a visão inicial dele.
Uma das cenas que mais me marcou nos filmes do Fellini é aquela cena do navio do “Amarcord”, quando a população da cidade vai ver o transatlântico que tinha sido construído pelo governo fascista da época.
Aquilo ali era um grande exemplo que a Itália tinha de mostrar para o mundo. Então a população da cidade pega os barcos e vai para o alto mar ver passar o navio. De repente no meio da madrugada aparece aquela coisa deslumbrante, o navio transatlântico imenso.
Pois bem, essa cena que comove pelo tanto de realidade que tem foi rodada em estúdio. Então Fellini tinha uma capacidade muito grande de pegar e trabalhar uma circunstância e dar a ela uma dimensão maior. E depois você começa a ver que grande parte das cenas, inclusive as cenas amplas, do Fellini, eram rodadas em estúdio. Isso seria uma comprovação de como você pode, a partir de uma realidade, transcender essa realidade.
Claro, eu vi esses filmes quando eu tinha entre 14 e 21 anos, depois disso vim aqui para o Sul, vim me profissionalizar na música, e isso coincidiu com o momento em que o cinema, principalmente o cinema Europeu, o grande cinema Europeu: Italiano, francês, inglês, espanhol, tcheco, soviético… Tudo isso ia para o cinema no Brasil, para o cinema de rua. Tudo isso deixou de ser levado para o cinema de rua, porque a presença do mainstream norte-americano foi mais forte.
E esse cinema que vi entre os 14 e 21 anos eu deixei de ver. Uma das tarefas que me impus depois foi, quando começaram a aparecer os VHS’s, DVD’s e hoje os Blu-rays, recuperar esse “cinema dos meus olhos”, grande parte desses filmes eu tenho hoje em casa em uma videoteca com aproximadamente dois mil e poucos filmes.
São filmes italianos, franceses, são filmes que eu vi exatamente nesse começo, na aurora da minha vida.
Voltando ainda para mostrar como no cinema as coisas se transformam. O cinema por si só é uma arte metafórica. Aliás, a palavra metáfora quer dizer transporte, quando você transporta uma coisa para dar a ela o significado de outra.
Tem uma história muito boa, num dos livros de memórias do Fellini. Ele conta que quando ia filmar colocava uma vitrolinha e tocava música para criar clima para os atores representarem.
Ai o Nino Rota que é o grande músico do Fellini ia ver as filmagens e ficava ouvindo aquilo tudo. Quando acabava a filmagem, o Nino Rota ia trabalhar na música e quando voltava, trazendo a música pronta, ela não tinha nada a ver com aquilo que o Fellini tinha tocado durante as filmagens.
Por quê? Porque a coisa se transportava para outro clima, e dizia o Fellini: “Ele é que estava certo e eu errado, tocando aquele tipo de música lá”. Porque quem adivinhava o clima dos filmes era realmente o Nino Rota.
Mal comparando, isso aconteceu comigo, quando comecei a fazer a música do João Batista de Andrade, do filme “A Próxima Vítima”. Ele apareceu um dia no estúdio de gravação e disse: “Não, mas não é nada disso, eu estava pensando em outra coisa”.
E eu falei para ele: “Não João, espera, deixa o filme ficar pronto e a gente analisa depois”.
Depois que o filme ficou pronto, ele me chamou e disse: “Marcus, hoje eu não consigo conceber o meu filme sem essa música aí”.
E eu falei: “Claro, o que você tinha na cabeça não era a música do filme, era uma ideia de música”.
Essa coisa do Fellini filmar em estúdio, filmar com uma música que depois vai virar outra, mostra mesmo esse caráter que o cinema pode ter na transcendência de significados.
Luisa Lopes
Então fale um pouco de música, você que é maestro. A gente esse ano perdeu Ennio Morricone, que fez trilha para mais de 500 filmes, séries de TVs…
Marcus Vinicius
Ele fez coisa muito importante e fez coisa até que nem tinha tanta importância assim, mas ele fez. Era um profissional, tinha que fazer mesmo. Tudo com muito bom nível técnico. E o Morricone realmente foi o último grande nome da trilha de cinema.
A relação da música com o cinema, ainda falando de que as coisas podem adquirir outros significados, que o cinema tem esse condão de dar significados novos àquilo que antes era concebido com um determinado viés.
Eu me lembro que fiz muita música para documentário, e ficava muito incomodado com que tipo de música ia colocar no documentário. Porque às vezes o documentário chega com imagem muito impactante, com uma narrativa muito impactante, e se de repente entra a música e ela não faz as coisas direito, toda aquela mensagem do documentário pode se perder.
Um dia eu cheguei para Manfredo Caldas, na ocasião inclusive deste que foi o último filme dele, e perguntei: “Manfredo, tenho essa preocupação, porque a música que posso colocar pode bagunçar a sua narrativa inteira. Pode inclusive desdocumentarizar o seu filme, posso transformar o seu filme em uma coisa de ficção, com a música que eu coloco em cima da imagem”.
E ele me deu uma resposta muito boa: “Olha, mas o cinema é ficção. Mesmo quando a gente faz um filme documentário, o simples fato de posicionar a câmera desse jeito ou daquele já é uma interferência na realidade, eu já estou ficcionando. Então não se preocupe com isso não, porque a gente está criando uma coisa diferente”.
Essa foi uma lição que eu aprendi, inclusive para dizer essas coisas que estou dizendo aqui, que o cinema tem o poder de transcender, inclusive aquela realidade que está retratando.
André Sturm
Eu com certeza sou muito apaixonado pelo Cinema Italiano, desde que me dou por gente, eu gosto de cinema. Minhas primeiras memórias de vida já foram no cinema, por sorte, meus pais me levavam ao cinema, meus avós me levavam… Assim aos 16 anos eu descobri que era um cinéfilo.
Até os 16 anos era o cinema mais acessível, mas a partir dali comecei a buscar os filmes da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, entre outros festivais.
O cinema italiano com certeza é um dos cinemas mais cativantes. Você tem aquela produção do final dos anos 50 e dos anos 60, de Antonioni, Fellini, Pasolini, esse mestres de cinema, até mesmo um pouco antes com o neorrealismo, com Vittorio De Sica, Roberto Rossellini, que é um cinema mais árido, mas também genial.
Aí começamos a ver, apesar de já ter neste período, um período de ouro, no final dos anos 60, as comédias italianas, que eram muito engraçadas, mas ao mesmo tempo muito irônicas, com segundas leituras, se você prestasse atenção, com atores absurdamente extraordinários como Ugo Tognazzi, Vittorio Gassman, Alberto Sordi, fora Totò que já é de antes.
Neste período, embora temos esses gênios do cinema italiano, se eu tivesse que escolher o meu preferido, seria Ettore Scola.
Ele fez pra mim uma diferença tamanha, é difícil dizer qual filme dele eu mais gosto. Porque o cara fez “Um dia Muito Especial”, fez “A Família”, fez “Nós que Nos Amávamos Tanto”, só aí já poderia parar. Mas, além disso, ele fez vários outros filmes extraordinários.
Ettore Scola, ao contrário do Fellini, Pasolini, Antonioni, Rossellini, que você assiste os primeiros 10 minutos do filme e já fala: “Esse filme é do Fellini, esse filme é do Antonioni”, eles tinham estilos muito característicos, mas o Ettore Scola não, ele fazia grandes filmes, por exemplo, “Um Dia Muito Especial”, é um filme delicado, é um filme que tem um fundo político, mas é a relação de um homem homossexual com uma mulher solitária, é um filme muito intimista.
Aí você pega o filme “Nós que Nos Amávamos Tanto”, já era um filme, embora não em termos de produção, é quase um épico, um filme sobre a política, a vida, o tempo que passa. Se você pega “A Família”, já é um filme sobre as relações familiares. Então ele ia da comédia ao filme político, para o filme humano, para o filme pessoal, para o filme de época. Ele fez “O Baile”, que é uma coisa absolutamente espetacular, um filme que não tem diálogos, mudo.
Ettore Scola pra mim representa muito o que é o Cinema Italiano, porque em nenhum filme dele, ao menos do que eu assisti, que foram pelo menos 15 filmes, você nunca tem um filme frio.
Ah, sabia que estava faltando uma coisa, se não o mais importante que é “Feios, Sujos e Malvados”, um filme avassalador, que eu mesmo devo ter assistido umas 15 vezes.
Então tenho uma relação mesmo de paixão com o cinema italiano e por essa história. Você vai logo depois da guerra até os anos 80, que daria pra dizer de certa maneira que não há outra cinematografia, que durante tanto tempo tenha feito filmes tão bons, de maneiras e tipos diferentes, com enredos muito diversificados.
Depois, a partir dos anos 90, o Cinema Italiano perde essa capacidade, essa relevância. Não que deixe de ser relevante, mas neste período grande de cinquenta anos, você tem durante todos os anos, sempre filmes italianos bons, sendo impressionante a diversidade e a qualidade dos filmes, dos talentos em cena.
Ainda não falei de Mario Monicelli, um cara incrível, que tem uma obra muito variada, muito potente como “O Incrível Exército de Brancaleone”, “Meus Caros Amigos”… E esses atores extraordinários, atrizes também como Monica Vitti, Claudia Cardinale, Stefania Sandrelli, Sophia Loren, atrizes que além de bonitas eram muito talentosas, que passavam por personagens diferentes, não eram atrizes personagem.
Tem algumas atrizes, alguns atores, por exemplo Jack Nicholson. Se você der um papel de Jack Nicholson, para o Jack Nicholson, ninguém faz melhor do que ele. Se você der o Batman, o Lobisomem, As Bruxas de Eastwick, ele é imbatível. Agora ele faz Jack Nicholson.
Essas atrizes que eu citei, elas são muito bonitas, mas elas fazem uma mulher solitária, uma italiana grossa, elas fazem uma mulher sedutora.
Na minha opinião, se você considerar volume de filmes, volume de talentos, volume de resultado, o Cinema Italiano é o melhor cinema dos anos 40 aos anos 90, na minha opinião.
Luisa Lopes
A minha favorita é a Anna Magnani. Você não falou dela, mas ela é uma pessoa que consegue fazer muitos personagens. Ela é a típica mulher napolitana, mas faz muitos outros personagens.
André Sturm
A lista é enorme, não é? Eu falei aqui somente três mulheres, três homens e cinco diretores. Se eu for aqui seguir a lista, ela é de fato muito grande. Entre os homens, também temos atores maravilhosos.
Ornela Mutti, que eu não falei. Silvana Mangano, já nos anos 60 e 70. Uma profusão de atrizes maravilhosas.
Mas também atores, diretores, roteiristas, músicos.
Que melhor combinação entre músico e cineasta?
Claro que Morricone, italiano também, é genial. Mas, a melhor sintonia entre um compositor de trilhas sonoras e um cineasta é Nino Rota/Fellini.
Não dá pra imaginar o cinema de Fellini sem Nino Rota e não dá pra imaginar o Nino Rota sem o Fellini.
Eu tenho o CD e o LP das trilhas do Nino Rota para o Fellini. Se você ouve separado, é uma delícia. Mas inevitavelmente você pensa em Fellini. E vice-versa.
Morricone não tem uma ligação com um cineasta específico, mas ele compôs uma trilha que se tornou bordão.
A trilha sonora de “Por um Punhado de Dólares” virou um bordão de faroeste. Em qualquer filme que aparecer aqueles dois acordes, o espectador sabe que vem um faroeste. Que vem alguém com cara de mau, um plano aberto, que é como começa aquele filme. Pode ser uma paródia, pode ser um filme sério.
Um cara que conseguiu fazer uma música que se torna o paradigma da trilha sonora de um gênero cinematográfico…
E ele não fez só isso, fez dezenas de trilhas sonoras inesquecíveis. Mas são poucos os artistas que conseguem se tornar sinônimo de algo.
Marcus Vinicius
Fiquei aqui concordando com o que foi dito. Algo parecido com o que falei antes. A ligação do Fellini com o Nino Rota. E quando ele diz: “Esqueci de citar um monte de gente”. É isso mesmo. É o perigo que a gente corre quando se fala de cinema italiano.
Ele foi até os anos 90. E tem gente nova. Por exemplo, o Giuseppe Tornatore.
Pessoas que estão fazendo coisas interessantes. Claro, talvez por conta das circunstâncias serem outras, do momento ser outro, eles não estão tendo aquele impacto que o cinema lá de trás tinha.
Mas fazem parte de uma filmografia que continua sendo extraordinária.
André Sturm
O cinema italiano continua importante. Quando eu digo até os anos 90, no meu ponto de vista, você tinha muitos filmes todos os anos, no caso de hoje, continua o cinema italiano, que digamos que em tal ano teve aquele destaque, tal filme apareceu aos holofotes.
Como o Giuseppe Tornatore, sendo um excelente exemplo, mas a gente pode falar daquele maravilhoso artista que só fez um filme, chamado Massimo Troisi, com “O Carteiro e o Poeta”. Roberto Benigni que fez filmes incríveis, também um dos atores mais incríveis que apareceu foi Toni Servillo, um dos maiores atores vivos hoje, que em seus papéis muda completamente e performa perfeitamente.
“A Grande Beleza”, obra magistral do cinema mundial, Nanni Moretti que tem um cinema muito bom, que tem um estilo que reconhecemos, o cinema italiano ainda continua vivo, também podemos citar Gianni Amelio, um veterano que ainda continua em atividade.
Ano passado tive a felicidade de ser convidado pelo governo italiano para um evento chamado Italian Screenings, que eles convidam distribuidores de filmes. Eu fui convidado, o evento foi em Lecce, na Puglia e fiquei quatro dias vendo cinco filmes italianos por dia. Foi muito bacana para me atualizar dos talentos e das obras que estão por aí, desde os mais novos até os mais veteranos.
O cinema italiano tem este espaço e acredito que uma pessoa com 50 anos, ou mais, inevitavelmente tem o cinema italiano em sua memória afetiva, não tem como a pessoa não ter sido vítima do cinema italiano alguma vez, nos anos 70 e 80. Claro que quem for mais novo pode ter consigo, mas quem tem 50 anos ou mais e foi no cinema leva consigo a arte e o sentimento do cinema italiano no coração, uma memória afetiva da obra.
Luisa Lopes
O público do Cine-Teatro fala para nós que assistiu os filmes que passamos na mostra quando foram lançados no cinema. Hoje em dia não temos mais isso. Tudo bem, tem essa questão que vocês falaram que o cinema italiano já não é mais como antes. Mas também, o acesso ao cinema está muito dificultado. Tem muitos diretores novos que eu pesquiso que não passam no cinema comercial. São gente que só assistimos nos festivais de cinema italiano. Inclusive para conhecer melhor.
Marcus Vinicius
Não é o cinema italiano que perdeu a força, Luisa. É que o mainstream impede que esses filmes cheguem aqui. A gente tem uma cinematografia que vem da grande indústria. E isso não acontece só com o cinema italiano. Acontece também com o cinema francês, o cinema tcheco, polonês. Nós víamos esse cinema no Brasil. Filmes extraordinários. “Cinzas e Diamantes”, eu me lembro adolescente vendo este filme.
Hoje em dia, para ver esses filmes, só por iniciativas de verdadeiros heróis, como o André, que tem todo o trabalho dele como exibidor. Só vemos em ocasiões assim. Porque não vemos mais no cinema de rua. E lá pelos anos 60, a gente via esses filmes no cinema de rua.
André Sturm
Nos anos 70 ainda, muito cinema europeu estreava no Brasil, até o final dos anos 70. Depois disso o que aconteceu foi uma oligopolização do mercado. Para vocês terem uma noção, o filme “Tubarão” quando passou no Brasil nos anos 70 estreou com 140 cópias. O Brasil tinha três mil salas de cinema e 140 estreavam com o “Tubarão”.
Atualmente o Brasil tem 3.000 salas de cinema, mas um filme como “Vingadores” estreia em 2.000 dessas salas. Como é que sobra sala para qualquer outra coisa? Não sobra.
Vou dar um exemplo: na primeira semana de janeiro deste ano, o Cinemark, que é o maior circuito de exibição de filmes do Brasil (eu imprimi isso que acredito que uma hora eu vou usar), deixando claro que não é contra Cinemark, é contra o mercado, mas em particular da Cinemark, que faz esse trabalho que eu particularmente considero muito ruim.
Todas as salas de cinema do Brasil da Cinemark exibiam apenas três filmes. De Norte a Sul do Brasil, de Norte a Sul do Brasil, só três filmes.
Para não dizer todos, existiam alguns complexos da própria rede que tinham mais de 10 salas que passavam um ou dois filmes a mais do que os três, mas, no geral, eram apenas três filmes exibidos de Norte a Sul do Brasil.
Isso é ruim. Não só por gostar de cinema, não só por gostar de cinema italiano, mas é ruim para o povo como um todo, que não tem opções. O público deixa de ter o direito de conseguir assistir o que quer. Se quer ir no cinema só tem três filmes: esse, esse, esse.
É ruim para as pessoas, é ruim para formação do público é ruim para o cinema nacional.
É preciso ampliar o conhecimento das pessoas. Quando você pensa, por exemplo, em alimentação, todo mundo vai comer hambúrguer nas redes de fastfood que em qualquer Shopping Center tem. Lá você tem aquela área de alimentação que terá sempre um McDonald’s, Bob’s e Burger King.
Mas, na mesma praça de alimentação tem uma loja que vende comida japonesa, tem uma loja que vende esfiha, uma que vende comida chinesa, uma que vende comida italiana. Claro que sempre tem mais fila nos fastfoods, mas sempre tem opções. No cinema a gente perdeu isso.
Só tem um tipo de produção, só tem um tipo de cinema. É muito ruim para todo mundo, é ruim para a indústria, é ruim para a cultura brasileira, é ruim para o público e é ruim para todo mundo. Era para ter sido feito alguma coisa para reverter essa história.
Mas eu quero dizer aqui que no nosso cinema, o Cine Belas Artes, esses tipos de filmes não passam. Nós fomos um dos únicos exibidores do Brasil que não exibiram “Vingadores” e, claro, outros semelhantes.
Vou citar aqui que recentemente o Cine Belas Artes criou um streaming. Também percebemos que nos streamings, as grandes produtoras também têm um oligopólio.
Com isso criamos esse streaming que se chama “Belas Artes À La Carte”. Lá a gente oferece o tipo de filme diferente que não se oferece no cinema. A gente oferece desde os clássicos, passando pelos filmes cult e pelos filmes atuais, mais recentes que saíram do cinema a pouco tempo. E só custa só R$ 9,90.
Marcus Vinicius
Para encerrar, só gostaria de repetir o que o André falou. Estamos num momento de luta cultural. Precisamos lutar pela diversidade. O público tem o direito de ver esses filmes, de conhecer a totalidade da produção cultural. Se não a totalidade, pelo menos a parte mais significativa.
E nós não estamos tendo esse direito.
Por outro lado, o poder público não está cumprindo o dever que deveria ter, de incentivar essa diversidade.
Então iniciativas como essa. Como a que estamos fazendo aqui no CPC-UMES, como a das segundas-feiras com o Cinema Italiano e agora com o “Café À Italiana”, são iniciativas que vem em favor dessa luta cultural, que é uma luta que todos nós temos que nos envolver nela.
André Sturm
Excelente fala Marcus. Acho que a palavra é Resistência.
Nem que seja só nós três e não somos. Mas temos que sempre trazer mais um.
E de novo. Não é porque esse cinema monopólio é ruim. Eu não sou contra.
Eu só sou a favor da diversidade e de que as pessoas possam escolher o que elas querem assistir.
Essa é uma luta que nos une.