Caiado se destempera na CPI do MST ao ser lembrado de tio na lista suja do trabalho escravo

Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Governador de Goiás tentou associar movimentos sociais ao tráfico de drogas e propôs criminalizar os Sem Terra. “Fala leviana”, criticaram os deputados

A sessão desta quarta-feira (31) da CPI do MST, articulada pelos bolsonaristas na Câmara Federal para investigar as atividades do movimento, foi encerrada de forma abrupta após o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), se descontrolar e mandar o deputado Paulão (PT-AL) se calar.

“Cala a sua boca, que eu estou falando. Não faço parte das suas bandalheiras. Vim aqui para falar sobre o MST e vocês querem falar do CPF das pessoas. Me respeite”, bradou Caiado, em total desequilíbrio. O deputado havia levantado questionamentos sobre os doadores da campanha do governador.

“O governador foi infeliz quando generalizou que o MST é uma organização criminosa. O senhor mesmo falou que generalizar não é prudencial”, disse Paulão. “O senhor mesmo falou que generalizar não é prudencial”, completou o parlamentar. Nesse momento, Caiado se desequilibrou, proferindo a agressão.

O desrespeito de Caiado revoltou deputados governistas. O clima se acirrou e o presidente da comissão, Coronel Zucco (Republicanos-RS), encerrou a audiência.

Caiado acusou o MST de ter ligação com o narcotráfico, sem apresentar provas. O governador classificou o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra como uma “facção criminosa” e afirmou que em Goiás “todo mês é verde e amarelo”. “Lá não tem mês vermelho”, disse, referindo-se à cor símbolo do MST.

A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) reagiu e citou que Caiado tem familiares que já figuraram na “lista suja” do trabalho escravo no Brasil. “Ele [Caiado] acusa o MST de uma série de barbaridades, mas esqueceu de dizer que seu tio, Antônio Ramos Caiado, está na lista suja do trabalho escravo, que foram encontrados quatro trabalhadores em situação análoga à escravidão dentro da sua carvoaria”, relembrou Sâmia.

A parlamentar também citou que outro primo de Caiado também responde a uma série de inquéritos pelo mesmo motivo. E relembrou que o governador de Goiás era presidente da União Democrática Ruralista (UDR) à época do assassinato do ambientalista Chico Mendes, em 1988.

A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), esclareceu ao governador de Goiás como surgiu o MST e qual é o seu objetivo.

“É preciso ter muito cuidado com o que se fala, governador. O MST nasceu no Paraná, na cidade de Cascavel, em 1984. E nasceu por conta da inundação para formação da barragem de Itaipu, quando muitas pessoas foram expulsas de suas terras sem indenização na época ditadura militar. Então se criou o MST, para que essas famílias tivessem acesso à terra novamente, e também para lutar contra a concentração de terra no Brasil, que vem desde a época das Capitanias Hereditárias”, explicou.

MICROFONES SILENCIADOS

Os trabalhos da CPI, que tem como relator e presidente os deputados Ricardo Salles, (PL-SP) e o tenente-coronel Zucco (Republicanos-RS), respectivamente, tem funcionando como trampolim para a promoção de bolsonaristas de olhos nas eleições de 2023. Entre eles, o próprio Salles, que pretende disputar a prefeitura de São Paulo. Já Zucco é investigado por suspeita de patrocinar e incentivar os atos golpistas de 8 de janeiro.

Além do uso político, as sessões da comissão também têm sido marcadas por cenas de machismo contra deputadas. Nesta quarta-feira, a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) teve o microfone desligado pela terceira vez – numa tentativa dos apoiadores de Bolsonaro de tentar de silenciá-la durante seus pronunciamentos.

Zucco interrompeu duas vezes a fala de Sâmia na CPI — a primeira foi na terça (23); ontem, ela foi interrompida por Salles (PL-SP); e hoje, Zucco cortou seu microfone de novo. Ao ser interrompida, ela lembrou ao tenente-coronel o inquérito contra ele por silenciá-la nas sessões.

“Tem um inquérito contra o senhor na PGR por cortar o microfone de deputadas e o senhor dá provas contra o senhor, o inquérito está aberto”, advertiu.

Na semana passada, a deputada teve o microfone cortado ao citar que Zucco é investigado pela Polícia Federal a pedido do Supremo Tribunal Federal por suspeita de incentivo a atos antidemocráticos. 

Ao iniciar uma das perguntas na audiência sobre as diligências dos deputados ao Pontal, prevista na pauta, o som da parlamentar foi cortado mais uma vez. Salles riu, falou algo para Caiado e entregou um microfone para o governador goiano, que também ria. 

Em outro momento, o bolsonarista Abílio Brunini (PL-MT) se posicionou em frente Sâmia e a deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ), para impedir que elas vissem a sessão e olhassem para Zucco e Caiado.

Sobre as idas dos deputados ao Pontal, segundo Sâmia, caracterizam abuso de autoridade “porque não havia autorização, ninguém pode entrar na casa de ninguém. Vocês saem espalhando por aí que seríamos nós que fazemos isso, foram vocês que fizeram”, justificou na audiência de ontem.

“Deputado Salles, você que está sonhando em disputar a prefeitura [de São Paulo] contra o Guilherme Boulos e nem seu partido conseguiu convencer, vive acusando ele de invadir a casa alheia e invadiu onde aquelas pessoas moram”, falou no dia de ontem antes de ter o microfone cortado.

“[Policiais] entraram nas barracas das pessoas, cometendo abuso de autoridade, porque não havia autorização para isso. Se aquilo é a moradia daquelas pessoas, ninguém pode entrar na casa de ninguém indevidamente”, criticou.

Pelo Twitter, Sâmia afirmou que o presidente e o relator da CPI “rasgam o regimento da Câmara.

“Zucco e Ricardo Salles, presidente e relator da CPI do MST, rasgam o regimento da Câmara e a Constituição todos os dias. Cortam microfone e interrompem falas, ignoram questões de ordem e protegem os amigos ruralistas a todo custo. Esta CPI é uma farsa aparelhada pelo bolsonarismo!”.

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