Do mesmo tipo da que tirou Dilma Rousseff. As dívidas com a população, Guedes trata assim: “devo, não nego; pagarei assim que puder”. Já a remuneração bilionária dos bancos que especulam com títulos públicos está rigorosamente em dia. Esta, para eles, é sagrada
Paulo Guedes afirmou que ficou surpreso com a informação do Poder Judiciário sobre o total de R$ 89 bilhões de dívidas em precatórios que o governo terá que pagar em 2022. Ele não manifestou a mesma surpresa com o montante do governo destinado aos bancos. Os gastos com juros, amortizações e rolagem da dívida pública consumiram a quantia de R$ 1,381 trilhão só em 2020, segundo dados do Banco Central.
Na terça-feira (3/8), Paulo Guedes, na maior cara de pau, disse, com aval do Planalto, que pretende dar um calote nos credores dos precatórios. “Credores” de precatórios são brasileiros que recorreram à Justiça para receber o que tinham direito e ganharam. Ele disse que as dívidas, em torno de R$ 89 bilhões, ultrapassaram a previsão do governo, correspondendo a 93% do Orçamento. “Devo, não nego; pagarei assim que puder”, declarou o serviçal de Wall Street.
Para isso, o governo Bolsonaro prepara uma proposta de emenda à Constituição, a “PEC do Calote”, que foi discutida por Guedes com líderes do Congresso para adiar o pagamento de dívidas reconhecidas pela Justiça para usar os recursos em sua demagogia com o Bolsa Família. Disse também que quer criar um fundo – não se sabe com que objetivo – com os recursos provenientes da entrega do patrimônio público, as “moedas da privatização”.
Para não mexer nas despesas financeiras (com os banqueiros) e sem espaço no orçamento, já que arrochou até o osso as despesas obrigatórias, o governo quer fazer demagogia em ano de eleição, dando um calote nos cidadãos que ganharam na Justiça o direito de receber as dívidas que o poder público tem com eles. Alguns aguardam há mais de 20 anos por isso.
Além de uma injustiça, isso é um crime, uma verdadeira pedalada fiscal, o mesmo tipo de ilegalidade que foi motivo para o impeachment de Dilma Rousseff. Bolsonaro e Guedes acham que, contra o povo, podem fazer isso. Eles podiam mexer nos gastos financeiros. Mas, isso eles não fazem, pois, para eles, são sagrados. Só prejudicam os mais pobres e quem produz e trabalha. Aliás, foi para isso que Paulo Guedes foi colocado no ministério – para prejudicar o país e defender os lucros dos bancos.
“O QEU O GOVERNO ESTÁ PROPONDO É UM CALOTE”
“O que o governo está propondo é um calote, porque os precatórios resultam de ações judiciais de longa duração, às vezes 10, 20, 30 anos. Depois que o autor da ação ganha a sua causa, vem o governo dizer ‘só te pago daqui 10 anos’? Você tem casos de pessoas que morrem sem receber. Esse tipo de reação do governo busca transformar os precatórios em dívida de segunda categoria”, afirmou o ex-ministro da Fazenda, o economista Mailson da Nóbrega, em entrevista ao Estadão.
Para Mailson da Nóbrega, é “uma dívida líquida e certa, determinada por sentença judicial, e que tem o mesmo valor da dívida pública. O governo paga os investidores de sua dívida pública e não paga os que ela tem que indenizar por reconhecimento judicial? É inacreditável que esse tipo de tratamento venha do próprio Ministério da Economia”.
“O ministro está convencido de que precatório é uma dívida à qual não se deve respeito. Se ele propõe, repetindo experiências anteriores, uma emenda constitucional para consagrar o calote, é porque ele não faz nenhuma relação entre esse ato, que não é típico de um ministro responsável, e a reação que pode eventualmente acontecer com os credores internos e externos da dívida pública”, declarou o ex-ministro. Ou seja, respeito somente aos bancos.
“Tem outra coisa: o Ministério da Economia não está examinando a história. Você não pode fazer uma afirmação dessa, mesmo com a brincadeira da metáfora, sem ver o que aconteceu no passado. Já houve duas tentativas de reprogramar os precatórios em prazo de 10 ou mais anos. Uma do governo federal, que é a emenda constitucional 30, e outra de governos estaduais, que é a emenda constitucional 62. Nesses dois casos, o Supremo considerou inconstitucional”, explicou Mailson. Para Armínio Fraga, ex-presidente do BC, a medida “tem um cheirinho de calote.”