Após receber críticas de todos os lados, depois de anunciar a expropriação da receita nova do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) – já rejeitada pelo Congresso Nacional – e o calote nos precatórios das dívidas reconhecidas pela Justiça com aposentados e fornecedores para maquiar o Bolsa Família, Bolsonaro insiste com seu plano. Para especialistas em contas públicas, a proposta de Renda Cidadã não passa de uma pedalada fiscal.
“Ocorre que, quando não se paga precatório, a LRF [Lei de Responsabilidade Fiscal] diz que isso se incorpora à dívida. E nem precisaria dizer, porque se você tem um gasto obrigatório para fazer no presente e não faz, você fica devendo e juros vão incidir sobre essa dívida. Contabilidade criativa parece estar retornando… Preocupante”, disse o diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Felipe Salto.
Para o economista Alexandre Manoel, ex-secretário de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria do ministério de Paulo Guedes, “se lermos o julgamento das contas de 2014 do governo de Dilma Rousseff, quando o Tribunal de Contas da União (TCU) identificou as chamadas pedaladas fiscais, é possível entender essa forma de financiamento via precatórios como uma espécie do gênero pedalada fiscal”.
Precatórios são dívidas do governo já reconhecidas pela Justiça. Para saldar essas dívidas no ano que vem, o governo reservou no projeto do Orçamento para 2021 cerca de R$ 55 bilhões. Deste total, segundo o senador Márcio Bittar (MDB-AC), o governo deve usar de R$ 37 bilhões a R$ 39 bilhões para financiar o Renda Cidadã e o restante seria usado para quitar precatórios.
FUNDEB
Além da verba do pagamento de precatórios, o governo quer retirar até 5% do novo recurso do Fundeb, que o Congresso aprovou este ano, para financiar o Renda Cidadã. Em entrevista na terça-feira (29), Bittar disse que não acha nada errado retirar dinheiro da Educação, pois segundo ele lá não falta dinheiro.
“Outro debate que eu gostaria de fazer é se a Educação do Brasil, que tem vários problemas, se um deles é a falta de dinheiro, porque não é! Nós gastamos a nossa fortuna muito mais com a Educação no Brasil do que muitos países da Europa ocidental e não temos resultado”, asseverou o senador.
Para Felipe Salto, com essa ideia de colocar despesas do Renda Cidadã no Fundeb, o governo estaria criando uma “forma de bypass [dar a volta] no teto”, porque o Fundeb, desde a origem do teto, é uma exceção à regra. Colocar mais coisas dentro dele é ruim. Podemos estar abrindo a caixa de pandora e começa a usar de subterfúgios para contornar o teto. Quer mostrar ‘para o inglês’ que está tudo bem, mas na verdade está aumentando gastos sem cortar outras despesas”, criticou o diretor executivo da IFI.
Já o secretário-geral da Organização Contas Abertas, Gil Castello Branco, lembrou que “o presidente disse que não iria tirar dinheiro dos pobres, mas propõe tirar das crianças e adolescentes. A ideia, além de comprometer o futuro, é uma burla ao teto de gastos. O uso de recursos dos precatórios apenas empurra dívidas com a barriga, em uma ‘corrente da infelicidade’, desrespeitando o Judiciário”. “Não creio que o TCU irá aceitar a burla ao teto e a pedalada dos precatórios”, afirmou.
O Congresso aprovou no fim de agosto uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que amplia de 10% para 23% a participação da União no Fundeb, destes 23%, 5% são vinculados para a educação infantil. A deputada Dorinha Seabra (DEM-TO), relatora da PEC, rechaçou a proposta do governo. “Não tem nada, nada que permita, que possa permitir que verba do Fundeb vá para o Renda Cidadã”, declarou. “O Fundeb é para a manutenção de escola. O que teve no texto do Fundeb foi uma destinação de 5% para a educação da primeira infância. Renda Cidadã tem de ser verba da área de assistência social. Nenhum recurso da educação pode ser desvinculado da área”, afirmou.
Durante a votação, Bolsonaro tentou desviar R$ 8 bilhões do fundo da educação para financiar o programa, então chamado Renda Brasil, mas foi rechaçado pelo Congresso.
“É, sem sombra de dúvida, uma pedalada fiscal”, afirmou o jurista Miguel Reale Jr. à Veja. “Com certeza trata-se de crime de responsabilidade. A proposta transforma uma determinação orçamentária em dívida, posterga o pagamento. É um calote”.
“Esse ato só mostra um governo que atua por experimentações, joga a ideia e vê se pega. Não existe sequer centralidade de decisões. Cada hora é uma proposta e volta atrás, como foi no caso das desonerações”, declarou o jurista, numa referência à proposta divulgada pelo secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, de congelar o reajuste de aposentadorias e pensões.