
Deputados abrem crise institucional ao aprovarem sustação sem debate, estendendo efeitos da decisão a investigados sem foro privilegiado
O plenário da Casa aprovou, na noite desta quarta-feira (7), a sustação integral da ação penal contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), acusado de integrar o núcleo principal da tentativa de golpe de Estado para anular o resultado das eleições de 2022.
A lamentável decisão acontece um dia após o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, acertadamente, suspender por 3 meses, o mandato do deputado fascista, Gilvan da Federal (PL-RJ), por grave agressão à ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann.
A aprovação do projeto confronta diretamente o posicionamento do STF (Supremo Tribunal Federal), que, em abril, enviou ofício à Câmara alertando que a sustação prevista no artigo 53 da Constituição Federal só se aplicaria a crimes cometidos após a diplomação de Ramagem.
Com isso, os crimes de tentativa de golpe de Estado e participação em organização criminosa não poderiam ser alcançados, segundo o entendimento da Corte.
Aprovada por 315 votos a favor e 143 contrários e 4 abstenções, a medida teve parecer do deputado Alfredo Gaspar (União-AL), que estendeu os efeitos da decisão não apenas a Ramagem, mas também ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a ex-ministros e militares denunciados no mesmo processo.
VOTAÇÃO
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), incluiu de forma intempestiva a votação no plenário, logo após a aprovação do parecer pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).
Ao anunciar a deliberação, Motta informou que a proposta seria submetida a rito sumário, sem possibilidade de discussão, emendas ou destaques, o que exige maioria absoluta, isto é, ao menos 257 votos favoráveis.
“Não serão admitidos requerimentos de retirada de pauta, adiamento de votação ou discussão. Não haverá discussão, nem encaminhamento da proposição, emendas ou destaques. O plenário deliberará exclusivamente sobre a aprovação ou não do parecer aprovado na CCJ”, encaminhou no plenário o presidente da Casa.
A palavra foi franqueada apenas ao relator e ao deputado Alexandre Ramagem, que optou por não se pronunciar. Parlamentares da oposição reagiram com críticas à condução dos trabalhos, e classificaram a manobra como tentativa de impedir o debate do mérito.
LIMITES CONSTITUCIONAIS
O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) apontou que o relator avançou sobre limites constitucionais ao estender a imunidade parlamentar a réus que não detêm prerrogativa de foro.
“A leitura do parecer do relator mostra uma tentativa de estabelecer bases para uma trama que suspenderia toda uma ação penal que incluiria 34 réus no STF. Isso amplia o alcance da imunidade para além do parlamentar”, chamou a atenção Orlando.
Na mesma linha, o deputado Chico Alencar (PSol-RJ) criticou, que o “deputado Ramagem virou um ‘guarda-chuva’ por esse projeto para outros que não têm imunidade parlamentar, como o ex-presidente Bolsonaro.”
O líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), destacou a jurisprudência do STF.
“Trancar ação de um julgamento que ainda nem começou é claramente inconstitucional.”
Motta, ao ser questionado, limitou-se a dizer que “recolhe a questão de ordem e responderá no momento em que achar necessário”.
Para o líder do PSB, deputado Pedro Campos (PE), trancar toda a ação penal não defende prerrogativas parlamentares. “Estamos nos expondo para que amanhã um plano como esse [de golpe de Estado] seja levado à cabo e nós tenhamos a instalação de um regime antidemocrático. E, aí sim, todas as nossas prerrogativas, inclusive a maior delas, o direito à vida, estariam em risco”, afirmou.
CONSTITUIÇÃO
A sustentação jurídica da medida está no artigo 53 da CF, que prevê:
“Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o STF dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação.”
Para o relator, Alfredo Gaspar, o texto constitucional autoriza a sustação de toda a ação, inclusive em relação aos demais réus. “Quem resolveu colocar Ramagem e os demais numa denúncia foi o Ministério Público e o STF. A Primeira Turma acolheu a denúncia contra todos os denunciados e colocou no mesmo vagão”, disse o relator.
GOLPE DE ESTADO
A Primeira Turma do STF já havia formado maioria para tornar réus o ex-presidente Jair Bolsonaro, Alexandre Ramagem e outros 6 investigados, apontados como parte do “núcleo crucial” ou “núcleo 1” da denúncia por tentativa de golpe de Estado.
De acordo com a PGR (Procuradoria-Geral da República), o grupo articulou a anulação das eleições presidenciais de 2022 e a execução de plano que incluía o assassinato do presidente Lula (PT), do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro do STF Alexandre de Moraes, que na época era presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Segundo a denúncia, o ex-presidente Bolsonaro liderava a trama e buscava apoio das Forças Armadas para decretar Estado de Sítio e romper a ordem democrática no País.
MINISTROS DO STF
Segundo ministros do STF, o projeto aprovado na Câmara não deve ir adiante por muito tempo, segundo avaliam quatro ministros do STF ouvidos pelo jornal Folha de S.Paulo.
Para eles, há um entendimento majoritário na corte de que o movimento dos parlamentares é inconstitucional.
Outro ponto levantado por esses ministros, incluindo integrante do colegiado responsável pela tramitação e julgamento do processo sobre a trama golpista, é que a palavra sobre o tema será do presidente da Primeira Turma, Cristiano Zanin.
Veja como votaram os deputados:
Trata-se da SAP (Sustação de Andamento de Ação Penal) 1/25 – Requerimento do PL (Partido Liberal), protocolizado em 1º de abril de 2025. Decorrente do recebimento da denúncia contida na Petição 12.100, em trâmite no STF, em desfavor do deputado Delegado Ramagem.