Na contramão do mundo, Brasil será o único país do mundo a entregar gestão do setor elétrico
A Câmara dos Deputados aprovou na madrugada desta quinta-feira (20) a Medida Provisória 1031/21 que privatiza a Eletrobrás, por 313 votos a favor e 166 contra.
A privatização da Eletrobrás, estatal responsável por 30% da energia gerada no país e a maior empresa de energia elétrica da América Latina, é uma das prioridades do ministro da Economia, Paulo Guedes, com aval de Jair Bolsonaro, em sua sanha de “vender todas as estatais” e transferir os recursos arrecadados com a entrega do patrimônio para o sistema financeiro.
A Eletrobrás detém 48 usinas hidrelétricas, 12 termelétricas a gás natural, óleo e carvão, duas termonucleares, 62 usinas eólicas e uma usina solar, toda uma estrutura construída pelos brasileiros com recursos públicos ao longo de décadas e todo o investimento já pago. Possui quase metade do total das linhas de transmissão do país: 71.153,60 km.
Os parlamentares que se manifestaram contra a privatização da Eletrobrás denunciaram que além de entregar o patrimônio, qualquer prejuízo que as empresas privadas venham a ter será bancada pela União e os consumidores vão pagar a conta com aumento nas tarifas, como admitiu a própria Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), uma alta de 16,7%. Para parlamentares da oposição é a “MP do apagão e do tarifaço”.
Durante os debates no Plenário da Câmara, deputados lembraram o episódio do Amapá quando a empresa privada, estrangeira, deixou no apagão 13 cidades, durante 20 dias, em novembro do ano passado, em plena pandemia. O problema só foi solucionado graças à Eletrobrás.
Para o líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), “o Brasil vai na contramão do mundo, assim como foi ao lidar com a pandemia”. “Na Índia, Rússia, Noruega, Suécia, China e nos Estados Unidos, nenhum desses países entregou a gestão da hidroeletricidade para a iniciativa privada”, declarou. .
“Qual a justificativa para, em um momento de pandemia, liquidar o patrimônio público do povo brasileiro, e fazer isso no momento em que os países desenvolvidos estão reestatizando as suas companhias?”, questionou o deputado Camilo Capiberibe (PSB-AP).
“A Eletrobras apresenta um resultado de R$ 6,5 bilhões de lucro no ano de 2020. É uma empresa que tem R$ 15 bilhões em caixa. Que Estado nacional pega um patrimônio desse, que coordena, organiza todo o setor elétrico, e entrega para a iniciativa privada?”, questionou o deputado Renildo Calheiros, líder do PCdoB.
Renildo Calheiros lembrou o presidente Getúlio Vargas ao defender a criação da Eletrobrás. “Veja o que disse Getúlio Vargas: ‘pedem as empresas de serviços elétricos câmbio para pagar as instalações a serem feitas, e pedem uma base média de 30 milhões de dólares por ano. Nessas condições não há investimentos. Se fornecer através de câmbio os dólares para a compra das instalações, onde estará o capital estrangeiro? Eu não pretendo nacionalizar nem bens nem o capital estrangeiro, não pretendo encampar nem desapropriar empresas. O que tenho como dever é evitar a desnacionalização do Brasil. Eis por que se impõe a criação da Eletrobrás'”.
O líder do PT, deputado Bohn Gass (PT-RS), enfatizou que a MP vai aumentar a conta de luz. “Se votarmos essa medida, seremos coniventes com o aumento de preços. De cara, a energia ficará 20% mais cara”, disse. Ele afirmou ainda que o governo quer perder controle da “maior empresa de energia da América Latina”.
“A Eletrobrás tem um valor inestimável, não é só econômico, para o desenvolvimento do país, do comércio, da indústria, do serviço. O PIB do Brasil depende da energia e a empresa estatal vai criar conições para o país voltar a crescer no período pós-pandemia”, destacou o deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS). “É um empresa estatal, lucrativa, o PDT é contra a privatização”.
O deputado Marcelo Freixo (Psol-RJ) rebateu as afirmações de que a MP teria que ser aprovada para ter investimento.
“A Eletrobrás dá lucro, o governo não investe porque não quer. Esse é um projeto e tem que ser desmascarado uma vez por toda, porque parece que para ter investimento tem que privatizar. Não, o maior retorno é o da qualidade de serviço público, porque essa empresa é lucrativa. Não tem investimento porque não quer, porque estão sucateando como projeto. Não faz investimento, não permite que a Eletrobrás participe de leilão, retira do poder público sua capacidade de investimento”, afirmou Freixo.
“O investimento pode e deve ser feito por investimento público gerado pela própria empresa que é lucrativa. Não temos que aceitar que qualidade melhora se for privatizado. Não é verdade. Qual é a questão? A questão é o estado mínimo. É o mesmo discurso sobre a Petrobrás, o Banco do Brasil , os Correios. Isso é um projeto de país que passa pela mentalidade tacanha de Paulo Guedes, que pensa nos fundos de pensão, que pensa numa lógica de mercado, que não tem compromisso com o poder público, porque nunca teve vida pública, faz do governo um balcão de negócio, faz do governo interesse privado”, enfatizou Marcelo Freixo.
Para o deputado, pela importância do tema, o debate tinha que passar por comissão mista, audiência pública, para ouvir os especialistas do setor. “A Câmara não estaria votando nesse momento onde toda as sociedade estaria olhando o trapalhão do Pazzuelo”, disse.
A proposta será analisada também pelo Senado Federal até 22 de junho, quando a MP perde a validade. Os parlamentares da oposição afirmaram que a luta em defesa da estatal continua no Senado, na Justiça e nas ruas.