O plenário da Câmara dos Deputados dos EUA deverá votar na próxima semana o impeachment do presidente Donald Trump, na sequência da votação no Comitê de Justiça que, por 23 a 17, aprovou na sexta-feira duas acusações contra ele, de “abuso de poder” e “obstrução da justiça” no caso do telefonema para o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky.
Pelo Twitter, o presidente Trump se fez de vítima, postando que “como alguém sofre um impeachment não tendo feito NADA ERRADO (um telefonema perfeito), tendo criado a melhor economia na história do nosso país, reconstruído nosso exército, arrumado as questões de veteranos, diminuído impostos e regulamentações, protegido a segunda classe, criado empregos, empregos, empregos e taaaanto mais? Loucura.”
“Hoje é um dia solene e triste”, disse contrito o deputado Jerrold Nadler, presidente democrata do comitê. “Pela terceira vez em pouco mais de um século e meio, o Comitê Judiciário da Câmara votou artigos de impeachment contra o presidente”.
Declaração não muito convincente, já que até hoje jamais um presidente dos EUA foi afastado no Senado. Para o Comitê, o ato de Trump pôs em risco “a constituição”, comprometeu “a segurança nacional” e minou “a integridade das eleições” do próximo ano.
Em resposta, Trump asseverou aos repórteres na Casa Branca que tudo não passa “de uma farsa”. “Farsa desesperada”, repetiu a secretária de imprensa da Casa Branca, Stephanie Grisham, que disse ainda que o processo contra Trump “atingiu seu fim vergonhoso”.
A cada novo lance, a coisa toda cada vez parece mais um turno preliminar da eleição do próximo ano.
Enquanto o impeachment não vem, Trump aproveita o assunto para mobilizar supremacistas brancos, opositores da vacina e terraplanistas em prol de sua campanha, e ativou os robôs nas redes sociais. A acusação de buscar “interferência estrangeira” de um vassalo é de morrer de rir, e mais um episódio da série ‘o rabo abanando o cachorro”. Quanto à obstrução, é porque a Casa Branca se negou a fornecer documentos, alegando que o processo era tendencioso, e proibiu funcionários de depor.
PRÉVIA DE JANEIRO
Com a aprovação da Câmara dada como certa, a discussão já começa a se mover para o Senado. O líder da maioria, o republicano Mitch McConnell, disse que não há “chance” de que o presidente Donald Trump seja destituído do cargo em qualquer julgamento de impeachment e que “não o surpreenderia” se alguns democratas se separassem de seu partido e votassem a favor do presidente.
“O caso vindo da Câmara é muito fraco”, garantiu McConnell à Fox News. “Nós sabemos como isso vai acabar. Não há chance de o presidente ser destituído do cargo”.
O senador republicano Lindsay Graham, fiel escudeiro de Trump, asseverou em um Fórum no Qatar que “essa coisa chegará ao Senado” e “morrerá rapidamente”, prometendo fazer tudo que pudesse “para fazê-la morrer rapidamente”.
Acrescentou que, com ele, não tem essa coisa de parecer um jurado “imparcial”. “Pessoalmente, acho que o presidente Trump sairá mais forte e a boa notícia é que todos na política nos Estados Unidos precisam provar ao público americano que não somos todos completamente loucos. Portanto, pode haver um espírito de compromisso após o impeachment, nascido da necessidade política, se for o caso”.
Ainda segundo Graham, quem não gosta de Trump, “pode votar contra ele em menos de um ano. Não é como se um político ficasse inatingível se você não o afastasse por impeachment. Então, acho que o impeachment terminará rapidamente no Senado. Eu preferiria que terminasse o mais rápido possível”.
O líder da minoria democrata, Chuck Schumer, respondeu dizendo que caso os artigos de impeachment seja enviados ao Senado, “todo senador fará um juramento para prestar ‘justiça imparcial’”. “ Garantir que o Senado conduza um julgamento justo e honesto que permita que todos os fatos apareçam é fundamental”, instou.
QUE AMAVA TODA A QUADRILHA
Biden – que Trump apelidou de “Joe Sonolento” – na época foi o principal operativo do governo Obama na derrubada do presidente Viktor Yanukovich a um ano da eleição. Curiosamente ele se auto-acusou em um vídeo, às gargalhadas, de como mandou – e foi atendido por Kiev – demitir o procurador-geral ucraniano, ou nada de empréstimo de US$ 1 bilhão prometido. O tal procurador-geral havia confiscado duas mansões do magnata que empregara o filho de Biden.
O circo inclui a ex-embaixadora em Kiev, Marie Yovanovitch, que se disse perseguida por Trump e sobre a qual é dito que teria entregado ao governo de Kiev uma lista de quem não deveria ser perturbado por causa de corrupção.
Há ainda a célebre assessora do Diretório Nacional Democrata, Alexandra Chalupa, de ascendência ucraniana, cujo nome aparece como enlace entre Kiev e a candidatura Hillary em 2016.
Assim como a evidência de que aquelas mutretas por baixo dos panos anos atrás na Ucrânia, que levaram o marqueteiro de Trump, Paul Manafort, à cadeia, foram delatadas pelo governo Poroshenko.
Os republicanos tentaram convocar Biden para depor, mas a bancada democrata não deixou. O embaixador de Trump junto à União Europeia, Gordon Sondland, no mesmo depoimento, confirmou e desconfirmou tudo.
No rolo, Trump meteu também seu advogado pessoal, Rudy Giuliani, aquele que substituiu o quebra-galho de anos do presidente que foi em cana e virou a casaca. E, na Ucrânia, além dos canais “normais” – Pentágono, CIA, DEA, NED – passou a ter “o advogado”.
Com tanta mixórdia, teve uma hora que Trump até disse que “nem queria telefonar”; a “ideia” fora do seu secretário de Energia, Rick Perry – que jura que só queria botar um amigo na diretoria da estatal ucraniana do gás. Ajuda desinteressada, claro.
Como no poema, Trump amava Giuliani, que amava Sondland, que amava Marie, que amava Volker, que amava Chalupa, que amava Biden, que amava toda a quadrilha. Se remexer muito, vai aparecer treta até nas famosas rosquinhas que o então senador John McCain levou para a Praça Maidan para presentear aqueles rapazes de suástica do Setor de Direita.
A.P.