Os servidores públicos federais reagiram à aprovação na Câmara dos Deputados do veto de Temer ao Projeto de Lei 3831/15, que regulamenta a negociação coletiva de servidores públicos municipais, estaduais e federais.
O projeto fora aprovado em caráter conclusivo pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara, e seguiu para Temer, que vetou o PL. O veto chegou a ser derrubado no Senado, mas mantido na Câmara.
Para o Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco), os servidores públicos estão diante de um governo e de um Congresso “totalmente contrários aos interesses da classe trabalhadora”. A entidade salienta que a manutenção do veto representa uma afronta a Convenção 151 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), da qual o governo brasileiro é signatário, e que tem como propósito o fortalecimento do processo das relações de trabalho fundamentada no tripé liberdade sindical, exercício do direito de greve e, em especial, a instituição da negociação coletiva.
“Nossa luta não se encerra por aqui”, alertou a Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB). Para o presidente da entidade, João Domingos Gomes dos Santos, “não há como conduzir a atividade sindical, em sua plenitude, sem seu principal instrumento de negociação”, disse. Para o secretário-geral da Confederação, Lineu Neves Mazano, “essa é uma conquista de que não podemos desistir e, estou certo, dentro de alguns anos, iremos celebrar a regulamentação da negociação coletiva no setor público. Foi por pouco. Mostramos nossa força e seguiremos firmes nessa luta, até a vitória final”.
Para que o veto fosse rejeitado e a lei aprovada, era necessário maioria absoluta dos votos — 41 no Senado e 257 na Câmara. No Senado os trabalhadores do setor público obtiveram vitória com 44 votos. “Quando o governo percebia o cheiro de derrota colocou sua tropa de choque, inclusive de deputados representantes das associações de municípios, com o esdrúxulo argumento de que prefeitos e municípios não poderiam ficar reféns de presidentes de sindicatos”, denuncia Mazano.
Também nesse sentido, o presidente da CSPB avaliou que “ao não rejeitar o veto presidencial, a Câmara dos Deputados nega aos trabalhadores do setor público o principal mecanismo para evitar o recurso da greve nas negociações junto ao poder público, um claro atentado aos acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário. A Convenção 151 da OIT está sendo inexplicavelmente negligenciada”.
A luta dos servidores pela regulamentação da negociação coletiva é antiga. O funcionalismo conquistou o direito de greve com a Constituição de 88, mas não lhe foi assegurado o direito de negociação sobre salários (o funcionalismo não possui data-base, por exemplo, para a negociação de reajustes anuais), plano de carreira, criação de cargos, condições de trabalho, estabilidade e saúde, e direito a dissídio. Com a regulamentação, esse pontos poderiam ser negociados, se necessário, com um mediador, tal como acontece no setor privado, que, apesar de todas as tentativas do governo de querer acabar com as garantias na Justiça com a “reforma trabalhista”, direitos básicos para a negociação ainda estão mantidos.
Jurista responde argumento do veto: Tema pressupõe tratamento nacional
O argumento para o veto, apresentado por Temer, foi o de que não cabia à União, editar norma geral sobre negociação coletiva por “invadir competência legislativa de estados, Distrito Federal e municípios”. Para o jurista Florivaldo Dutra de Araújo, Mestre e Doutor em Direito pela UFMG, o argumento “improcedente, pois a matéria pressupõe, sim, tratamento uniforme em âmbito nacional, no que toca aos aspectos básicos”.
De acordo com Florivaldo, “como já salientado, a negociação coletiva é necessariamente ligada ao direito de greve, seja como meio de evitar a sua eclosão, seja como instrumento próprio para solucionar a paralisação e suas causas. Ademais, a greve e a negociação constituem-se em instrumentos inerentes e imprescindíveis à atuação sindical. Tal como a própria organização sindical, a greve e a negociação devem ser reguladas, pelo menos em seus aspectos essenciais, por norma nacional, pois seria absurdo imaginar que cada entidade da Federação viesse a regular tais matérias de modo inteiramente autônomo para seus respectivos servidores. Imagine-se cada Estado e cada Município com normas próprias sobre organização sindical, greve e negociação para seus servidores, sem que parâmetros básicos nacionais sejam fixados’”.
“Nesse panorama, seria tamanho o potencial de interferência de cada uma dessas entidades estatais sobre as organizações sindicais de seus respectivos servidores e sobre os seus meios de atuação, que o mínimo de autonomia e liberdade sindical poderia ser facilmente tolhido, no interesse das próprias entidades estatais enquanto patrões. Além disso, não se pode excluir que servidores de diferentes entidades sindicais realizem movimentos reivindicatórios em conjunto, em defesa de interesses comuns (lembre-se que as entidades estatais podem também atuar conjuntamente, como por meio de consórcios públicos). Se assim ocorresse, como seriam equacionadas a greve e a negociação coletiva, diante de diferentes legislações em vigor?”, questionou.
E continua: “Reitere-se que a negociação coletiva é requisito para a válida deflagração da greve (se frustrado o diálogo) e também meio legalmente previsto para encerramento da paralisação. Não há como dissociá-la da atuação sindical que busca evitar e solucionar conflitos e, por isso, também necessita tratamento em lei nacional”, afirma o jurista.