
Imagens obtidas pelas câmeras corporais de policiais militares, divulgadas pelo portal Uol, mostram o envolvimento de PMs em cinco mortes durante operação realizada em fevereiro de 2024, em São Vicente (SP). As câmeras gravaram gritos das vítimas alertando estarem desarmadas, momentos antes de serem atingidas por 30 tiros de fuzil.
“Sem arma, senhor! Não tem arma, senhor! Sem arma, senhor, pelo amor de Deus, senhor!”, disse os baleados em ação policial. Os policiais que atuaram na ocorrência afirmaram à Polícia Civil que patrulhavam na região quando receberam uma denúncia de ponto de venda de drogas.
No local, os PMs afirmaram que se depararam com Kauê Henrique Diniz Batista, Luiz Henrique Jurovitz Alves de Lima, Marcus Vinicius Jurovitz de Lima, Peterson Souza da Silva Xavier e Pedro Rosa dos Reis Junior. Todos eles foram mortos pelos policiais.
Segundo a versão dos PMs, os rapazes estavam com três armas e atiraram primeiro. As armas, drogas e itens pessoais foram apresentados como se fossem dos cinco à Polícia Civil. Não foi realizada perícia no local sob alegação de oferecer risco.
O Ministério Público (MP) pediu arquivamento do procedimento investigatório criminal e do inquérito policial civil em 20 de fevereiro de 2025, sendo homologado pelo sistema judiciário em 23 de abril de 2025. Os laudos necroscópicos apontaram que os cinco rapazes, sendo dois deles adolescentes, foram atingidos 30 vezes, sem contar os demais disparos feitos pelos PMs que não os atingiram.
“Cabe pontuar que a promoção de arquivamento fora juntada aos autos em menos de 24h do interrogatório dos investigados e da juntada de laudos faltantes, a indicar que, mesmo sem melhor adentrar à colheita probatória, o Ministério Público já havia formulado sua decisão pelo arquivamento”, disse a Defensoria Pública de SP em petição.
No entanto, a versão dos moradores contrasta com a versão policial. Uma testemunha protegida informou no decorrer do processo que, perto de 19h, policiais fizeram uma emboscada no local. Segundo ela, nenhuma das vítimas portava arma de fogo. A testemunha sobreviveu porque correu no sentido oposto dos demais. Ela ouviu os tiros e se escondeu na mata. Disse que, depois, voltou ao local e afirmou ter visto cerca de 50 PMs aguardando o resgate. Quatro dos cinco baleados morreram ali.
Uma das vítimas, o adolescente Kauê Henrique Diniz Batista, tinha 17 anos. O laudo necroscópico mostra que o jovem foi atingido por seis disparos. Do total, quatro entraram nos braços em riste, o que, segundo petição da Defensoria Pública, são lesões compatíveis com autodefesa e incongruentes com o empunho de arma de fogo. A petição foi obtida pelo portal no processo que está em segredo de Justiça.
A mãe de Kauê, Gilmara Diniz da Silva, afirmou nos autos que o filho estudava e trabalhava com bicos em um mercado. Ela contou que ele “era tão medroso que nunca encostaria numa arma”.
No dia seguinte, ela foi até o local. Lá, afirmou ter encontrado os chinelos do filho alinhados e itens queimados. Segundo ela, no dia que antecedeu à chacina, um drone havia sumido. Moradores da favela receberam ameaças de morte caso o aparelho não fosse devolvido.
“Espero, do fundo da minha alma, que aconteça justiça pela morte do meu filho. Quero que esses policiais sejam exonerados, para que eles não tirem vidas de outros filhos. Não existe operação Escudo ou Verão: são nomes fictícios que criaram para matar quem deve e quem não deve”, disse Gilmara a reportagem do portal Uol.
A Defensoria Pública pede o desarquivamento do processo. Na petição, os defensores dizem ter acompanhado o inquérito e o procedimento de investigação esperando que fossem apuradas as devidas responsabilidades no âmbito criminal, com a efetiva denúncia.
O “prematuro arquivamento” causou surpresa, diz o órgão. A Defensoria entende que existem elementos suficientes para embasar uma denúncia, “sob pena de o arquivamento incorrer em acionamento do sistema internacional de proteção dos direitos humanos e a condenação internacional do Brasil”.