
O que está acontecendo, desde o fim da greve dos caminhoneiros, é uma tentativa de desrespeitar o acordo estabelecido com o governo – acordo que redundou na publicação de três Medidas Provisórias, que, como toda MP, têm força de lei.
A começar pelo preço do diesel, em que se concordou com uma redução de 46 centavos por litro, no preço da bomba – no preço para os consumidores, para os caminhoneiros –, que enfrenta a sabotagem das distribuidoras, sobretudo multinacionais, e do governo (v. HP 07/06/2018, Planalto quer dar calote nos caminhoneiros).
Na questão do frete, a Medida Provisória nº 832 estabeleceu a Política de Preços Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas. Para sua efetivação, diz a MP, “a Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT publicará tabela com os preços mínimos referentes ao quilômetro rodado na realização de fretes”, de acordo com a carga.
É essa política que os agronegocistas e outros elementos que sempre ganharam às custas do Estado e do povo estão tentando passar por cima. Que sejam irresponsáveis a ponto de arriscar o preço de provocar uma explosão não surpreende – a ganância é cega, e, muitas vezes, suicida.
No dia 30 de maio, obedecendo ao que dispõe a MP nº 832, a ANTT publicou a primeira tabela, apresentando os preços mínimos referentes ao quilômetro rodado na realização de fretes, por eixo carregado, válida para o período até 20 de janeiro de 2019.
A tentativa de derrubar essa tabela – que, afinal, fracassou – partiu do agronegócio e de setores do governo, que tem como ministro da Agricultura um grande exportador de soja, Blairo Maggi.
A agricultura de exportação está isenta de pagar ICMS, principal imposto estadual. Também está isenta de contribuir para a Previdência (PIS e Cofins). Também não paga ISS, principal imposto municipal. Tem direito a “drawback” (isenção de impostos nas importações que tiverem por objetivo as exportações, por ex., fertilizantes). E, por fim, se houver algum grau de industrialização (sempre há, na agricultura atual), também pode pedir ressarcimento de uma parte do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
No entanto, os agronegocistas acham que não são suficientes esses privilégios – querem pagar valores tão baixos pelos fretes de suas mercadorias, que, em breve, se fosse possível que continuasse esse afundamento, os valores seria simbólicos…
Porém, com a pressão – e a pouca vontade em cumprir o acordo com os caminhoneiros – o governo, através da ANTT, revogou a primeira tabela e publicou outra, no dia 7 de junho, com valores 20% mais baixos, em média.
Os caminhoneiros não aceitaram essa tentativa, que claramente desrespeitava o acordo que possibilitou o final da greve – e se mostraram dispostos a estacionar, outra vez, nas estradas, se essa segunda tabela não fosse anulada.
O governo, então, outra vez através da ANTT, revogou a segunda tabela.
Voltou a valer a primeira tabela – a que os caminhoneiros queriam. No entanto, estes aceitaram uma negociação para tentar chegar em uma tabela com a qual todos os setores concordassem.
Na terça-feira, dia 12, durante audiência pública na Câmara dos Deputados, o líder caminhoneiro Carlos Alberto Litti Dahmer, presidente do Sindicato dos Transportadores Autônomos de Carga (Sinditac) de Ijuí (RS), afirmou que a categoria busca apenas a fixação de preços mínimos que lhe permita cobrir os custos do transporte.
“Não é um tabelamento de frete, é um piso mínimo de frete para que se consiga cobrir os custos”, disse ele. “Essa situação veio da ausência do pão na mesa, da impossibilidade de dar o sustento para a família, da dificuldade de dar manutenção para o caminhoneiro. Do pão inteiro, querem dar a migalha. E aí chegou no limite extremo de o país parar”.
Litti declarou que o impasse sobre o preço mínimo do frete é em relação apenas ao agronegócio. Outros setores já chegaram a um acordo. “É exploração demasiada de uma categoria sobre a outra”, afirmou, referindo-se à relação entre os caminhoneiros e os agronegocistas.
Sobre algumas declarações de dirigentes da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), de que a entidade entraria com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a tabela de fretes publicada pelo governo federal, Litti disse que:
“A CNA é contrária ao piso mínimo do frete. Não quer pagar. No entanto, ela está exigindo que exista um preço mínimo para o café. Para receber, é possível. É constitucional e é legal existir um piso mínimo do café. Porém, para pagar o preço mínimo do frete é inconstitucional. Dois pesos, duas medidas. Quando me serve, sou favorável, quando não me serve, sou contrário.”
Também na terça-feira, as entidades representantes dos caminhoneiros – a Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam) e a Federação dos Caminhoneiros Autônomos (Fecam) – apresentaram uma nova proposta de tabela, para negociação. A proposta ainda não foi divulgada e segue em análise pelo governo.
Outra entidade do agronegócio contrária ao preço mínimo é a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais, que representa as multinacionais do agronegócio como Bunge, Cargill, Archer Daniels Midland (ADM). São monopólios multinacionais que concentram o comércio exterior de cereais, além de uma parte da produção agrícola interna. Portanto, sua ação é para impor preços os mais achatados possíveis aos caminhoneiros.
Sobre isso, é ridícula a alegação de que o preço mínimo para os fretes seria inconstitucional, porque feriria o inciso IV do artigo 1º da Constituição (princípio da livre inciativa).
Esta foi, exatamente, a alegação de Dilma Rousseff e de seu ministro da Secretaria Geral da Presidência, Miguel Rossetto, para negar uma política de preços mínimos aos caminhoneiros, na greve de 2015.
No entanto, basta ver a redação da Constituição:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
“IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;”
Para perceber que o preço mínimo é, exatamente, uma garantia do valor social do trabalho e da livre iniciativa.
A imposição de preços miseráveis aos caminhoneiros, de preços sem qualquer limite mínimo, por alguns monopólios privados que são a negação da livre iniciativa e esmagam o valor social do trabalho. Portanto, é a ausência de preço mínimo que fere este dispositivo constitucional.