O candidato Fernando Haddad, do PT, foi entrevistado, na última sexta-feira (14/09), durante o Jornal Nacional, da TV Globo.
Haddad tem, evidentemente, o direito de defender-se e defender o seu partido – e, até mesmo, de defender Lula e outros condenados (ou investigados) petistas por corrupção.
No entanto, não existe lei que lhe assegure o direito de mentir, assim como não há lei que garanta a algum homem público o direito de roubar a coletividade.
Não é preciso ser advogado, como Haddad é, para saber disso.
Por exemplo, não é verdade que Dilma Rousseff, como presidente do Conselho de Administração da Petrobrás, tenha afastado Renato Duque da diretoria da estatal. Nem mesmo é verdade que Duque tenha sido “afastado”.
O trecho da entrevista foi o seguinte:
ENTREVISTADORA: Por que o presidente Lula se encontrou com Renato Duque no aeroporto de Congonhas?
HADDAD: Depois de deixar a presidência, em função de um rumor de que o…
ENTREVISTADORA: Dilma Rousseff era presidente do Conselho de Administração.
HADDAD: Sim, que afastou Renato Duque quando tomou posse, a partir de um rumor de que ele poderia estar envolvido num esquema de propina. Esses diretores todos já tinham sido afastados.
Isso é mentira, sem nenhuma atenuante possível (exceto a ignorância, mas isso não pega bem para um candidato à Presidência, sobretudo nesse caso).
Duque, hoje condenado em seis processos – um total de 91 anos e mais alguns meses de cadeia – por corrupção e lavagem, era a figura central do esquema de propinas do PT dentro da Petrobrás, e cumpre pena em Curitiba.
Nomeado para a diretoria de Serviços e Engenharia da Petrobrás [depois, diretoria de Engenharia, Tecnologia e Materiais] em 2003, logo após a posse de Lula na Presidência da República, Duque saiu, em 2012, por moto próprio, quando renunciou – e o primeiro governo Dilma tinha mais de um ano de idade.
Portanto, levou nove anos na diretoria da Petrobrás e somente saiu por vontade própria. Ainda por cima, como veremos, saiu carregado de elogios.
Quando Duque renunciou à diretoria da Petrobrás, Dilma não era mais presidente do Conselho. Saíra desde 19 de março de 2010, quando anunciou que iria passar a função para Guido Mantega, então ministro da Fazenda – e um dos operadores de Lula (o outro era Antonio Palocci).
Ao contrário do que disse Haddad, Dilma, nos oito anos em que presidiu esse órgão da Petrobrás, conviveu muito bem com Duque. Depois, como presidente da República, conviveu mais um ano com ele na empresa, sem, jamais, durante mais de nove anos, demiti-lo.
Duque renunciou à diretoria da Petrobrás no dia 27 de abril de 2012 – sua renúncia consta da ata da reunião do Conselho de Administração realizada nesse dia:
“O Presidente do Conselho de Administração Guido Mantega, em face da renúncia do Diretor de Engenharia, Tecnologia e Materiais Renato de Souza Duque, submeteu o nome do Sr. Richard Olm, indicado pela Presidente da Petrobras Maria das Graças Silva Foster para substituí-lo no referido cargo.
“Outrossim, determinou o registro dos agradecimentos do Colegiado ao Diretor que deixa o cargo, pelos relevantes serviços prestados à Companhia no desempenho de suas funções” (cf. a ata publicada no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, ano XXXVIII, nº 098, parte V, p. 9, 28/05/2012, grifos nossos).
Dois anos depois, a Operação Lava Jato revelaria os relevantes serviços prestados por Duque – não à Petrobrás, mas a Lula, ao PT e ao cartel das empreiteiras que assaltou nossa mais importante empresa.
RETRATO
Quanto ao encontro de Renato Duque com Lula, não foi um encontro, mas três encontros, o último deles no dia 2 de junho de 2014, quando a Operação Lava Jato já fora deflagrada.
Por isso, também não é verdade que Lula mantivesse distância em relação ao esquema de propinas do PT na Petrobrás.
O encontro no hangar da TAM no aeroporto de Congonhas, em 2014, foi confirmado pelo próprio Lula – em seu depoimento ao juiz Moro, Lula afirmou que “eu pedi para o Vaccari, que eu não tinha amizade com o Duque, trazer o Duque para conversar”.
Duque demonstrou, depois, que já se encontrara com Lula antes – e anexou ao processo uma fotografia dos dois, em um encontro ocorrido em 2012.
O que Duque relatou foi que, em todos os encontros com Lula, “ficou claro, muito claro para mim, que ele tinha pleno conhecimento de tudo e detinha o comando”.
Quanto, especificamente, ao encontro no hangar da TAM, Lula queria saber se Duque tinha conta na Suíça, frisando: “Olha, presta atenção no que vou te dizer. Se tiver alguma coisa, não pode ter, entendeu? Não pode ter nada no teu nome entendeu?” (v. Só Palocci falava por Lula sobre propina na Petrobrás, diz Duque).
O que mostra que Duque falou a verdade é o fato de um ex-presidente da República sentir necessidade de encontrar-se secretamente, em um hangar do aeroporto de Congonhas, com um ex-diretor da Petrobrás já acusado de corrupção (o que o próprio Lula admite; Duque seria preso em março de 2015, na “Operação Que País é Esse”, 10ª fase da Operação Lava Jato).
Além disso, para que Duque mentiria a esse respeito?
Segundo Haddad, porque “hoje, a delação virou uma indústria, todo mundo, para diminuir 80% da pena, fala o que quer sem apresentar provas”.
Resta saber qual foi a denúncia, oriunda da força-tarefa da Lava Jato, que foi baseada somente em “delações”, sem provas materiais.
A resposta é: nenhuma (cf. as 81 denúncias e processos da força-tarefa de Curitiba).
Mais ainda, disse Haddad que “você não pode, em função de um indício, condenar”.
Qual foi a condenação – ou, quem foi condenado -, até agora, “em função de um indício”?
Ninguém, a começar por Lula (v., p. ex., Uma pequena compilação das provas contra Lula (só no caso do triplex) e “O triplex não é meu” ou as provas que Lula garante que não existem).
Há mais, em relação à entrevista de Haddad (por exemplo, no alto estilo Gilmar Mendes, ele assinou embaixo da tentativa de amordaçar os membros do Ministério Público, a pedido de um amigo de Renan Calheiros).
Porém, ficamos por aqui, apenas com mais uma anotação.
Disse ele que sua derrota, na reeleição para a Prefeitura de São Paulo, foi porque “2016 foi um ano muito atípico na cidade de São Paulo, o clima que se criou no Brasil, de antipetismo, porque se represou informações sobre os demais partidos, foi enorme” e “o PIB brasileiro entre 2015 e 2016 caiu 8%. Eu peguei a maior recessão da história de cidade de São Paulo e entreguei a cidade com grau de investimento”.
O que viabilizou a eleição de um debiloide para a Prefeitura de São Paulo, que derrotou Haddad em 2016, foi o repúdio do eleitorado ao PT – e não porque “se represou informações sobre os demais partidos”, mas porque o estelionato eleitoral de Dilma causou um clima de revolta no país.
O PIB caiu – e metade do aumento do desemprego, desde 2014, foi no governo Dilma – devido à política desastrosa da sua correligionária.
Não entraremos na administração e nas contas de Haddad sobre o seu desempenho como prefeito (“Nós cumprimos em mais de 50%, 100% das metas. E 85%, ou 100% ou mais de 50 % das metas“) porque… bem, leitores, deixemos isso para lá.
Mais importante é que não é lícito justificar ou explicar uma derrota, omitindo que ela foi devida a si próprio, e, sobretudo, aos seus próprios parceiros – aqueles que defende até hoje.
Quanto a, mesmo assim, “entregar a cidade com grau de investimento” – isto é, com o selo de que a especulação financeira externa não corria riscos ao manipular os títulos de sua administração – isso demonstra, apenas, subserviência ao rentismo.
C.L.