“Se a afirmação de Campos Neto fosse verdadeira, não haveria nem porque estar no Senado Federal explicando porque os juros estão altos e quando deverá começar a baixá-los. Simplesmente não haveria opção”, afirma o economista Aurélio Valporto, presidente da Abradin
Em artigo enviado ao HP nesta quinta-feira (27), o economista Aurélio Valporto, presidente da Associação Brasileira de Investidores (Abradin), denuncia o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, por mentir para os senadores durante audiência pública realizada neste mesmo dia, por iniciativa do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, para discutir os Juros, a Inflação e o Crescimento Econômico.
“Campos Neto estava ali justamente para explicar a esses senadores como funciona o mecanismo de financiamento da dívida pública e os motivos dos juros no atual patamar, mas ao invés de explicar, acabou por desinformá-los”, apontou o representante dos investidores. O que ele fez foi “eximir-se da culpa pela taxa e transferi-la para o mercado”, acrescentou.
“O presidente do Banco Central afirmou que ‘é a dívida (do governo) alta que faz o juro ser alto’ e ainda fez uma comparação com uma pessoa endividada que vai ao banco pedir empréstimo que acaba por pagar taxa mais alta. Essa afirmação é descabida e coloca em xeque a aptidão moral do dirigente para ocupar o cargo”, prosseguiu Valporto. Confira o artigo na íntegra!
CAMPOS NETO INDUZIU O SENADO A ERRO
AURÉLIO VALPORTO (*)
Durante sua exposição ao Senado, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou que “é a dívida (do governo) alta que faz o juro ser alto” e ainda faz uma comparação com uma pessoa endividada que vai ao banco pedir empréstimo que acaba por pagar taxa mais alta. Essa afirmação é descabida e coloca em xeque a aptidão moral do dirigente para ocupar o cargo, uma vez que estava induzindo os senadores a erro.
Se a afirmação de Campos Neto fosse verdadeira, não haveria nem porque estar no Senado Federal explicando porque os juros estão altos e quando deverá começar a baixá-los. Simplesmente não haveria opção, ou o Banco Central manteria esses juros altos ou não financiaria a dívida pública, porque não encontraria quem emprestasse dinheiro para o governo. Mas foi a forma que encontrou de, naquele momento, eximir-se da culpa pela taxa e transferi-la para o “mercado”.
A primeira pista para os senadores de que essa afirmação não corresponde à realidade reside no simples fato que, durante sua própria gestão, o Banco Central manteve, por um período, taxas de juros não somente muito baixas, mas, na verdade, negativas em termos reais. Isto é, as taxas sequer superavam a inflação. Entretanto, mesmo assim, em nenhum momento a autoridade monetária teve dificuldade em financiar a dívida pública.
Mas, pior, foi sua desastrosa comparação com uma pessoa comum e endividada. Isso pode ser entendido como uma tentativa de ludibriar o Senado, contando com o desconhecimento dos senadores acerca do funcionamento do mercado aberto, onde os títulos do governo são negociados. Campos Neto estava ali justamente para explicar a esses senadores como funciona o mecanismo de financiamento da dívida pública e os motivos dos juros no atual patamar, mas ao invés de explicar, acabou por desinformá-los.
A capacidade de financiamento do Tesouro através da gestão de seus títulos pelo Banco Central em nada se compara com a de uma pessoa comum por dois motivos principais:
1) o BACEN é o “player” dominante do mercado de títulos de renda fixa e tem a capacidade de, a qualquer momento, resgatar ou colocar no mercado mais títulos do Tesouro, que são a referência no mercado por serem os títulos de menor risco em relação ao emissor do mercado nacional. Então, por si sós, são o padrão, a referência a ser seguida por todos os títulos privados, que negociam em volumes muito menores que os públicos.
A norma é que o títulos privados tenham que pagar sempre taxas mais altas que os do Tesouro para conseguir captar. Isso significa que o investidor em renda fixa, que em geral procura investimentos de baixo risco, preferem os títulos do Tesouro aos privados, independente do nível de endividamento do governo. De fato a dívida interna bruta brasileira gira hoje em torno de 75% do PIB anual, o país que tem a economia que mais cresce no planeta tem dívida interna de mais de 300% do PIB e tem uma das taxas de juros mais baixas do mundo;
2) o principal é que, além de ser o “player” dominante, a autoridade monetária tem também o poder de regulamentação do mercado. Isso implica em dizer que a qualquer momento ela pode emitir normas alterando os limites e proporções que as instituições do sistema financeiro podem ter de títulos públicos e privados em suas carteiras. Em outras palavras, na prática o governo e sua autarquia, o Banco Central, podem tornar virtualmente compulsória a compra de títulos públicos para a composição da carteira de bancos, corretoras distribuidoras etc.
Isso ocorre porque, para uma dada quantidade de títulos detidos por uma instituição, uma proporção tem que ser de títulos públicos, e quem define essa proporção, que pode ser alterada a qualquer momento, é o próprio Banco Central através de suas resoluções e circulares. Como a antiga Resolução 366, substituída pela 3339.
De fato, a taxa básica de juros, a chamada SELIC, é definida pelo Banco Central em um mercado completamente manipulado por ele. E assim deve ser, trata-se da capacidade do governo, através de sua autarquia, definir a política monetária.
Pelo exposto acima, como não podemos admitir que Campos Neto, como presidente do Banco Central, ignore os instrumentos de que dispõe para gerir a dívida pública, não nos resta outra interpretação de sua fala que não seja a de que teve o intuito de induzir a erro os senadores, quando tinha o dever funcional de instruí-los acerca do correto funcionamento do mercado de títulos e juros, fato que pode demonstrar sua inaptidão moral para ocupar o cargo.
(*) Presidente da Associação Brasileira de Investidores (Abradin)