Fraude com o Fundo Eleitoral
A candidata teve a 3ª maior fatia de verba da legenda e só 274 votos
O PSL – partido de Jair Bolsonaro, – repassou R$ 400 mil a uma candidata de Pernambuco que obteve apenas 274 votos na disputa por uma cadeira na Câmara dos Deputados nas eleições de 2018.
A candidata, Maria de Lourdes Paixão, recebeu poucos votos apesar de ter recebido a terceira maior fatia nacional da verba da legenda, que é dinheiro público. À frente dela só Luciano Bivar, atual presidente nacional do partido, que recebeu R$ 1,8 milhão, e em segundo o Delegado Waldir que se reelegeu recebendo R$ 420 mil.
A prestação de contas da candidata sustenta que 95% dos R$ 400 mil foram usados para a impressão de 9 milhões de santinhos e 1,7 milhão de adesivos, às vésperas do pleito, em 7 de outubro.
Todos esses materiais seriam distribuídos por apenas quatro panfleteiros que ela diz ter contratado. Sendo assim, cada um dos quatro panfleteiros teria que distribuir, só de santinhos, 750 mil unidades por dia – mais especificamente, sete panfletos por segundo, no caso de trabalharem 24 horas ininterruptas. Depois em entrevista ela caiu em contradição ao dizer que teve militância para distribuir o material em tão pouco tempo.
A verba do fundo partidário da sigla foi enviada em 3 de outubro pela direção nacional do PSL para a conta de Maria de Lourdes, que é secretária administrativa do partido em Pernambuco.
“Não me lembro de tudo”
Entrevistada pelo jornal “Folha de S. Paulo”, Maria de Lourdes Paixão disse que não se lembrava de tudo e afirmou desconhecer as razões de ter sido agraciada com a terceira maior verba do partido e que não lembrava do volume nem do quanto gastou na impressão de material na gráfica.
Leiam trechos:
Mas eu vi que os pagamentos, pelos extratos bancários, pelo menos parte, foi feito até para depois da eleição, principalmente para uma gráfica, Itapissu, de Juliane Mirella de Carvalho, é isso mesmo?
Hummm, não sei, eu não lembro de tudo, realmente, decorado. Entreguei tudo ao contador, eu só fazia os pagamentos porque quando fiz a abertura da conta [de campanha] só deixei mesmo eu responsável, aí ele [contador] me disse: ‘Recebeu as notas fiscais?’ Eu mandava para ele, conferia, tudo ok, pode pagar, aí eu fazia o pagamento.
Contador do partido?
Não, o contador contratado para a campanha.
Você se lembra o nome dele?
Não, não me lembro do nome dele.
E a senhora se lembra desse material? Praticamente você não conseguiu usar na campanha, porque o pagamento chegou em cima do primeiro turno…
Usei, usei um bocado, porque tive militância e eles entregaram uma semana antes, entendeu, foi feito. Isso é público, você pode ver lá que teve militância [ela declarou gasto com quatro possíveis panfleteiros].
A reportagem também visitou o endereço da gráfica que teria feito os impressos, mas não encontrou sinais de que ela tenha funcionado durante as eleições nos locais informados.
Um funcionário de nome Paulo, da Gráfica Itapissu, que supostamente recebeu R$ 380 mil pelos serviços contratados por Maria de Lourdes Paixão, em transferências bancária no próprio dia 3 de outubro e no dia 11 de outubro, quatro dias após ter recebido apenas 274 votos no estado, ao ser questionado sobre os serviços teve uma reação curiosa para quem recebeu tanto dinheiro ao falar para o jornal:
Paulo, a gráfica da Juliane consta na prestação de contas da candidata Maria de Lourdes
Paulo: Maria o quê?
Maria de Lourdes. Vocês imprimiram material para a campanha dela nas eleições?
Rapaz, só verificando. A gente imprime o de tanta gente assim. Pelo nome, assim, fica difícil. Agora, eu posso tentar achar o arquivo e mandar para você.
O que consta na prestação de contas dela é que ela gastou R$ 380 mil na gráfica da Juliane
Trezentos e oitenta mil reais aqui? Eu acho que não, viu, minha filha. Eu acho que você pegou informação errada, 380 mil reais? Eu vou verificar isso direitinho. Maria de Lourdes de quê?
Maria de Lourdes Paixão. O material foi de 1,5 milhão de ‘praguinhas’ adesivos no dia 3 de outubro, 9 milhões de santinhos…
Mas, R$ 380 mil, rapaz, eu preciso verificar isso. Me diz que mais direitinho o que tem ai na nota? Vou verificar amanhã de manhã.
Só você e Juliane que trabalham na gráfica?
Não, a gente tem um equipamento grande, a gente terceirizava com pessoas grandes.
O retorno da ligação no dia seguinte foi mais estranho ainda:
Oi Paulo, você já tem um retorno?
Eu verifiquei no sistema direitinho e foi tudo feito e tudo entregue, todos os materiais, as praguinhas, adesivos, tudo.
E onde vocês imprimiram esse material? Onde a gráfica funcionava nessa época?
Lá em Água Fria.
Mas lá é uma oficina [de carros] desde março de 2018…
Mas a gente rodou todo o material lá, inclusive com parceiros também. As gráficas utilizam de outros parceiros para rodar também. Se eu não tenho um equipamento para um serviço, aí roda com outra pessoa.
Quais são esses parceiros?
Olha, eu vou ter que dar uma saída agora porque mandaram me chamar aqui.
Mas preciso que você me explique isso…
Está muito ruim a ligação, estou sendo atendido no médico e mandaram me chamar aqui. Depois a gente se fala.
O presidente nacional do PSL, Luciano Bivar, eleito deputado federal por Pernambuco, complicou-se ao negar que Maria de Lourdes foi candidata laranja. Sem explicar o porquê de tanto dinheiro investido na campanha para perder da candidata, ele creditou o fraco desempenho dela nas urnas ao fato de ser mulher e que a culpa é das cotas para mulheres. “[A política] não é muito da mulher. Eu não sou psicólogo, não. Mas eu sei isso”, disse.
As declarações causaram controvérsia dentro do próprio partido, que tem duas senadoras e dez deputadas federais. No grupo de WhatsApp que reúne os congressistas da legenda, a deputada Major Fabiana (RJ) postou mensagens questionando a posição de Bivar, que “não critica a cota, critica a capacidade intelectual, disposição ou posicionamento” das mulheres na política.
Na semana passada descobriu-se que o ministro do Turismo de Jair Bolsonaro, Marcelo Álvaro Antônio, que presidiu o PSL de Minas Gerais, pediu ao órgão nacional do partido o repasse de R$ 279 mil do fundo eleitoral para candidatas laranjas que somaram apenas 2 mil votos, mas repassaram, ao menos R$ 85 mil para empresas ligadas aos assessores do atual ministro.
As candidatas foram Lilian Bernardino, Milla Fernandes, Débora Gomes e Naftali Tamar, todas de Minas Gerais. O valor foi solicitado por Marcelo Álvaro Antônio ao partido nacional e se refere aos 30% que os partidos devem destinar às candidaturas femininas.
Porém, apesar de todas elas aparecendo entre as vinte campanhas mais caras do partido, o desempenho eleitoral das candidatas foi pífio: somaram somente 2.097 votos.
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