Candidato pelo Movimento Nova República à Presidência do Paraguai, o advogado Euclides Acevedo defende que a “industrialização e a integração latino-americana” são os caminhos para a ruptura com ”o modelo agropastoril” que mantém o país dependente, preso à lógica dos países centrais. Para Acevedo, que encabeça a chapa oposicionista, ao lado do senador Jorge Querey, da Frente Guasú, “é imprescindível investir na industrialização do país porque é com ela que vamos ter mais recursos, gerando mais emprego e renda, e garantindo mais justiça social”. Com a experiência de quem já atuou como senador, ministro do Interior e das Relações Exteriores, Euclides Acevedo acredita que a vitória de Lula possibilita uma nova retomada nas relações bilaterais, que vai muito além da renegociação do anexo C de Itaipu – marcado para o próximo ano -, alcançando temas como a utilização comum das hidrovias e o corredor bioceânico em direção ao Pacífico. “Após uma onda progressista, a América Latina sofreu o retrocesso de governos de direita. Agora que há uma nova corrente de avanços, a integração se torna absolutamente inevitável”, sublinhou.
LEONARDO WEXELL SEVERO, direto de Assunção – Paraguai
Na sua avaliação, qual o papel da integração para que a América Latina prospere no campo da democracia e da soberania?
Para nós, a integração tem um fundamento histórico. Na nota de 20 de julho de 1813, o doutor José Gaspar Rodríguez de Francia [ideólogo e principal líder do processo de independência do Paraguai] já falava da sua importância. Primeiro: ninguém pode acusar o Paraguai de não ter disposição integracionista. Segundo: quando apostamos enfaticamente no Mercosul o fizemos com o propósito de uma união continental, o Mercosul para o latino-americanismo.
Lamentavelmente, o processo de integração foi paralisado em medidas puramente alfandegárias e se esqueceu do compromisso da unidade política. E sabe quando se notou essa falta de compromisso e se manifestou uma integração enganosa? Durante a pandemia, com cada um agindo por conta própria. Não houve uma política de ação comum, o que nos obriga a revisar seriamente o Tratado de Assunção. Não sair dele, mas não continuar assim como está. Sobretudo quando a América Latina, após uma onda progressista, sofreu o retrocesso de governos de direita. Agora que há uma nova corrente de avanços, a integração se torna absolutamente inevitável.
“Após uma onda progressista, a América Latina sofreu o retrocesso de governos de direita. Agora que há uma nova corrente de avanços, a integração se torna absolutamente inevitável”
Acreditamos, por exemplo, que a renegociação do Tratado de Itaipu deve fazer com que Itaipu se transforme numa plataforma de integração, não numa mera plataforma de produção energética. Deve converter-se numa plataforma política que, com o presidente Lula, possamos abordar o tema com uma visão de fraternidade generosa e inteligente para o nosso continente.
O pior que podemos fazer é nos fragmentarmos em instituições multilaterais. O latino-americanismo deve ser uma corrente política e cultural. Por isso que os governos, sem preconceitos ideológicos, necessitam investir na consolidação desse caminho. Porque se nós não nos integrarmos, outros blocos vão nos dominar.
A realidade é que, a partir da pandemia, as regras internacionais mudaram. O coronavírus nos demonstrou que a solidariedade internacional é uma ficção, que era um discurso e que a cobiça dos países centrais fez com que acumulassem vacinas muito além das suas necessidades, em prejuízo dos que mais necessitavam. Então, é preciso que isso seja revertido com firmeza, mas acima de tudo, com muita fraternidade em nossa região.
O Paraguai tem a sua economia centrada na energia e na agroexportação e muito vinculada às maquilas. Neste contexto, para que o país avance, qual o papel do Estado na industrialização?
Se nós falamos de uma Nova República, se queremos mudar o modelo, mais do que trocar o inquilino do governo, propomos um novo modelo econômico. Não podemos seguir sendo um país agropastoril. E digo mais: se no Tratado de Itaipu renegociamos o curso da energia elétrica, como vamos fazer o uso da energia que nos corresponde se não contarmos com uma nova infraestrutura industrial?
É imprescindível investir na industrialização do país porque é com ela que vamos ter mais recursos, gerando mais empregos e renda, e garantindo mais justiça social. E aí o Estado precisa administrar, não pode deixar a gestão ficar nas mãos dos donos dos meios de produção, necessita controlar. Negociar e pactuar com o empresariado produtivo nacional um projeto de país.
Nos primeiros 100 dias queremos fazer um grande acordo entre o Estado e a sociedade, entre o governo e as forças produtivas, sobre qual o tipo de país queremos e, a partir daí, trabalharmos todos juntos na construção de um plano de desenvolvimento.
Não há desenvolvimento se não há investimento e investimento necessita de segurança jurídica. É por isso que por trás de nossa plataforma de governo está a segurança para manter a ordem pública, o que supõe a moralização do Ministério Público e do poder Judiciário. Não podemos mais seguir tendo juízes venais ou promotores prevaricadores.
“É imprescindível investir na industrialização do país porque é com ela que vamos ter mais recursos, gerando mais empregos e renda, garantindo mais justiça social”
A industrialização é um projeto que também vai supor a reforma estrutural da terra. Porque enquanto tenhamos camponeses sem terra ou com terra, mas sem o título de propriedade, ou com terra e título, mas sem assistência técnica e financeira, sem integração, haverá desconexão e não teremos progresso. Não podemos ter um país industrializado com a terra mal distribuída como a que temos, sem nenhuma seguridade social, sem qualquer segurança jurídica. Por isso é indispensável um pacto entre o governo e a sociedade civil.
De que forma as eleições primárias deste domingo (18) podem influenciar como um primeiro passo na mobilização e no fortalecimento para a construção desse novo país?
A partir de agora teremos um novo cenário eleitoral para o qual necessitaremos dar um conteúdo político, com uma grande aliança das forças democráticas. Porque sem unidade para o progresso, o modelo não vai mudar.
A partir de segunda-feira (19) a Nova República necessitará costurar alianças programáticas, pois não teremos um governo eficaz sem que haja um acordo programático mínimo. E aí é fundamental a idoneidade e a decência porque não nos serve para nada uma pessoa competente, mas imoral, nem uma pessoa moralmente limpa, porém incompetente. Ambas são combinações diabólicas que não servem.
A Nova República busca um governo de integração porque viemos de uma guerra, a terceira do Paraguai, que é a da pandemia. Será o momento da ressurreição econômica, política e moral para o qual estamos convocando a todas as forças democráticas do país.
Daí a necessidade da conformação de uma grande frente
A Nova República supõe a construção de um novo Estado, que supõe a reestruturação da sociedade. Por isso queremos organizações empresariais e sociais organizadas, com sindicatos fortes, para termos um Estado potente.
O que ocorre atualmente é que não temos um Estado, mas instrumentos estatais penetrados pelo crime organizado e pelos poderes fáticos [banco, mídia e igreja]. A Nova República busca um Estado independente baseado numa aliança produtiva que coincide na luta pela construção de um novo modelo de desenvolvimento político. Sempre com a perspectiva de uma integração regional, continental, que não seja capturada pelo mercado.
Acompanhamos de perto o processo de luta pela reforma agrária, em especial a luta dos camponeses de Curuguaty, e a manipulação dos monopólios de mídia em favor dos latifundiários. Qual a importância da democratização dos meios de comunicação?
A Nova República supõe mudar a democracia eleitoral pela democracia política, que virá como consequência da democratização dos poderes fáticos, entre os quais se encontram os meios de comunicação. Quando o Estado é forte a mídia precisa estar democratizada, aberta ao público, para que os interesses dos setores mais vulneráveis sejam conhecidos e defendidos.
Não podemos ter um Estado indiferente, mas sim administrador, articulador, de gerenciamento da produção e da solidariedade inteligente com política fiscal equitativa, com aposentadoria para todos os trabalhadores, que atenda as reivindicações das mulheres, proteção e inserção dos povos indígenas nas estruturas de poder. Nosso projeto é integral. Por isso os poderes fáticos encontrarão um Estado forte.
Itaipu produz 18% da energia do Brasil, da qual metade pertence ao Paraguai. Para além da questão energética, que mais precisamos priorizar?
Para nós, o Brasil é um vizinho eterno. Muita gente pensa que a relação entre nossos dois países se esgota em Itaipu, que é tão somente uma parte. Temos a hidrovia, somos a terceira frota fluvial do mundo, e se torna fundamental negociar seu uso com o Brasil, assim como o corredor bioceânico, que beneficiará inicialmente mais ao nosso vizinho, porque permitirá que a produção do Mato Grosso do Sul chegue ao Pacífico. Temos a necessidade de uma política de defesa comum, porque o crime organizado não tem nacionalidade. Da mesma forma precisamos de uma política de meio ambiente comum, pois a Amazônia não é um problema somente do Brasil.
“Precisamos de uma nova relação econômica, política e, sobretudo, ecológica e cultural entre nossas duas nações. E acredito que o presidente Lula vai facilitar”
Ou seja, Itaipu é um pretexto para a revisão de uma nova relação econômica, política e, sobretudo, ecológica e cultural entre nossas duas nações e acredito que o governo do presidente Lula vai facilitar. Eu vou negociar pessoalmente as relações internacionais, como me obriga a nossa Constituição. E dialogarei acompanhado dos nossos melhores técnicos e dos parlamentares, porque todos os acordos presidenciais necessitam ser ratificados por ambos os Congressos.
O primeiro que farei é visitar Lula, nos encontraremos, aqui ou no Brasil, e direi: companheiro, essa é nossa agenda. E será tão somente o começo, pois cinco anos não serão suficientes. Precisaremos nos comprometer a dar continuidade. Porque depois de Lula e Euclides virão outros, mas o projeto de integração deve continuar. Porque nós seremos o depósito de alimento, de energia e de cultura. O mundo vai necessitar da segurança alimentar e de energia. O Brasil e a América Latina, com o Paraguai no meio, estão em plenas condições de responder a essa expectativa.