DENOY DE OLIVEIRA
O Governo deve ter pensado assim: um mais oito, nove fora, nada. E foi nessa que o Guido Araújo amargou este ano o descaso pelo que seria a 18ª Jornada Internacional de Cinema e Vídeo da Bahia.
Para quem não sabe, esse encontro anual em Salvador, que também já aconteceu em Cachoeira, é o veículo da produção mais instigante do nosso cinema – curtas e documentários. Foi lá que nasceu a ABD – Associação Brasileira de Documentaristas – e é um espaço livre para as discussões sobre o nosso cinema. Não se propõe a ser um Festival mundano e conseguiu, a partir de 83, ser internacional.
Os cineastas do mundo sabem da existência e aguardam a Jornada da Bahia, por seu caráter de liberdade e independência, impondo aos filmes apenas o seu canto geral: “Por Um Mundo Mais Humano”.
Aconteceu que a grana dos empresários tá toda no “open”. O Governo se atola na fachada do privativismo, e nossos governantes como são primários, não percebem que a cultura perpassa por todos os tecidos sociais. Cultura para essa senhora é curtição de eventos de palanque. Resumindo, por falta de grana a Jornada este ano “dançou”.
Os filmes já chegavam do exterior e Guido Araújo, se segura a “barra” todo ano, deve ter enlouquecido pra devolver filmes sem grana para pagar os fretes. A Jornada é importante, entre outras coisas, porque vem sendo o caminho para a produção latino-americana, fundamental à sobrevivência de nosso mercado e de fluxo para filmes brasileiros.
O embananamento de nossa dívida externa tem muito a ver com essa política de costas viradas para os Andes. A abertura de picadas na integração latino-americana é tarefa prioritária na superação do nosso atraso endêmico. No mesmo ano em que inauguramos um Memorial da América Latina, é inconcebível esse “passa moleque” na Jornada.
Neste momento, estamos dublando vários filmes em espanhol, num convênio acertado entre Brasil e Cuba; vamos iniciar a construção do Centro Latino-Americano e do Caribe de Preservação da Imagem em Movimento. Criou-se em São Paulo um Núcleo da Fundação do Cinema Latino-Americano, cujo presidente é Garcia Marquez.
São fatos da maior relevância e de reflexo imediato na qualidade e capacidade de construirmos uma cinematografia brasileira independente. Estes são passos vigorosos que precisamos dar antes de simplesmente arriarmos a calça para o capital estrangeiro, como vivem sonhando alguns gananciosos espertos.
Voltando à Jornada, ela precisa que os cineastas se movimentem para 1990. Vamos dizer um Basta! às perdas do Cinema Brasileiro! Como Guido Araújo é teimoso ele respondeu à sabotagem com um Simpósio Internacional de Cinema na Defesa do Meio Ambiente, lá em Salvador. É o cinema sendo resgatado de seus efeitos apenas anestesiantes para uma presença ativa na busca de “Um Mundo Mais Humano”.
A lua que brilha aqui não brilha como a de lá
Imagine que você, milagrosamente, pode mudar o destino de seu povo. Alguma coisa assim como acabar a dívida externa do Brasil, os assaltos no Rio de Janeiro e Sampa, dividir as terras pros camponeses, mas tudo numa boa, como uma belíssima presidenta depois de descongelar um ditador pendurado um ano no frigorífico. E sem derramamento de sangue. Legal, não?
“Luar Sobre o Parador” realiza o milagre.
Entrecho: em Parador, equipe americana filma cena de tiroteio. O Ditador assiste e aplaude. E até gosta de Jack Noah, o ator que imita seus trejeitos e voz. Jack Noah é um ator de segunda, algo assim como Ronald Regan quando fazia o papel de “mocinho”. Como todo ditador latino-americano, Alphonsus é inescrupuloso, mulherengo, irresponsável, beberrão e dominado por seu chefe de polícia (Raul Julia, oxigenado). O fígado do ditador arrebenta às vésperas das eleições e Jack é sequestrado para “viver” o papel da sua vida: na real, um ditador (similitude com o barbeiro de Chaplin dublando o ditador Hinckeiv em “O Grande Ditador”). Ele topa, ou morre. Ele topa. Além das mordomias, “pinta” Madonna (Sônia Braga), cortesã morena e amante ideal. A CIA está presente, transando entre o Governo e os guerrilheiros revoltosos. Não me recordo de uma noite em floresta tão bem iluminada, como a da fuga dos meninos. As trucagens têm melhores dias em Parador.
E temos uma pá de atores brasileiros. Desde Sônia Braga, Lutero Luiz (não consegui ver seu rosto), Lewgoy, Nelson Xavier, Milton Gonçalves, a Cazarré, Nildo Parente. Senti todos com o “american” breque daquele “samba” ou mesmo o “tango” que o ditador ensaia com sua Madonna e leva pros salões de Parador.
Isto sem falar dos “Begin the Begin” e “Bessame Mucho” como hinos de Parador, cantados por Sammy Davis Jr., naturalmente, porque Nat King Cole já morreu. Esse pastiche não é legal. Não é troca de cultura. Paul Mazursky é o diretor do filme. Música de Maurice Jarre. Produção da Universal. Distribuição CIC Vïdeo.