Mais da metade dos países que adotaram o modelo de capitalização previdenciária, de forma total ou parcial, entre 1981 e 2014, tiveram que retornar ao sistema público de Previdência Social, “porque o sistema não atendeu às expectativas, mas gerou frustrações”, conforme estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT),
O estudo aponta que a privatização da Previdência – que o governo Bolsonaro quer implantar no Brasil através do modelo de capitalização – fracassou na maioria dos países que adotaram este sistema.
De 30 países que realizaram reformas em seus sistemas previdenciários e implantaram o modelo de capitalização, entre 1981 e 2014, dezoito destes, até o ano 2018, se desfizeram de suas reformas, revertendo-as totalmente ou parcialmente para o sistema público de Previdência.
“Tendo em vista a reversão da privatização pela maioria dos países e a acumulação de evidências sobre os impactos sociais e econômicos negativos da privatização, pode-se afirmar que o experimento da privatização fracassou”, diz o documento da OIT.
A OIT explica que por consequência da crise financeira de 2008, o valor real dos ativos das previdências privadas foram reduzindo significativamente e, consequentemente, os resultados negativos do sistema privado causaram forte indignação popular.
“Muitos aposentados tiveram de recorrer à solidariedade social porque a aposentadoria caiu para níveis baixíssimos, muitas vezes inferiores à linha de pobreza”.
A sondagem tem como base: 14 países da América Latina (entre estes estão: Chile, primeiro a privatizar em 1981, Peru em 1993, Argentina e Colômbia em 1994, Uruguai em 1996, Bolívia, México e Venezuela em1997); 14 do leste europeu e da e antiga União Soviética (entre estes estão: Hungria e Cazaquistão em 1998, Croácia e Polônia em 1999, Bulgária e Russia em 2002, e República Checa em 2013); E dois países da África, Nigéria em 2004 e Gana em 2010.
Até 2018, dezoito destes países desistiram da privatização, ainda que parcialmente: Rússia em 2012, Argentina (2008), Bulgária (2007), Bolívia (2009), Hungria (2010), Polônia (2011), Cazaquistão (2013), Venezuela (2000), Equador (2002), Nicarágua (2005), Eslováquia (2008), Estônia, Letônia e Lituânia (2009), Croácia e Macedônia (2011), República Tcheca (2016) e Romênia (2017).
O modelo de capitalização exige que o trabalhador abra uma poupança pessoal onde terá de depositar no banco todo mês uma quantia para conseguir se aposentar. Hoje no Brasil, além da contribuição por parte do empregado, os patrões e o Estado também contribuem para as aposentadorias dos trabalhadores.
Na prática, a privatização dos sistemas de aposentadorias e pensões – que foi apresentada por seus defensores como uma solução concreta para enfrentar o envelhecimento da população e garantir a sustentabilidade dos sistemas de previdência – produziu, entre outros pontos, segundo o estudo:
A diminuição e a estagnação nas taxas de cobertura dos regimes contributivos: “Na Argentina, as taxas de cobertura caíram mais de 20 por cento. O similar foi observado no Chile, Hungria, Cazaquistão e México; enquanto em outros países como Bolívia, Polônia e Uruguai, a cobertura se estagnou”.
A Deterioração das prestações previdenciárias: “a deterioração do nível das prestações sociais resultou em aumentos da pobreza na velhice, comprometendo o objetivo principal dos sistemas de previdência”, afirma a OIT ao destacar que a mudança do tipo de plano de benefício teve um sério impacto negativo na suficiência das prestações, com taxas de substituição muitas vezes abaixo dos estândares da OIT. “Na Bolívia, as pensões privadas correspondem em média a apenas 20 por cento do salário médio durante a vida ativa do trabalhador. No Chile, a mediana das taxas de substituição futuras é de 15 por cento e apenas 3,8 por cento para os trabalhadores de baixa renda”.
Aumentou a desigualdade de gênero e de renda: “as componentes redistributivos dos sistemas de previdência social foram suprimidos com a introdução de contas individuais. As contribuições do empregador foram eliminadas. Como a aposentadoria privada é resultado de poupança pessoal, as pessoas de baixa renda ou que tiveram sua vida profissional interrompida – por exemplo, por causa da maternidade e das responsabilidades familiares – obtiveram poupanças muito reduzidas e consequentemente terminaram com aposentadorias baixas, aumentando assim as desigualdades. Na Bolívia, por exemplo, a proporção de mulheres idosas que recebem uma aposentadoria caiu de 23,7 por cento em 1995 para 12,8 por cento em 2007; na Polônia, a proporção das mulheres em risco da pobreza atingiu um recorde histórico de 22,5 por cento em 2014”.
Os bancos, em especial os estrangeiros, são os maiores beneficiados: “as experiências de privatização nos países em desenvolvimento mostram que o setor financeiro, os administradores privados e as empresas comerciais de seguros de vida são, aparentemente, quem mais se beneficia da poupança previdenciária das pessoas – muitas vezes são os grupos financeiros internacionais que detêm a maioria dos fundos investidos”.
Ao lembrar que a previdência publica tem um papel importante no desenvolvimento nacional de muitos países – com no caso, do uso das “reservas da previdência na fase acumulativa” para fomentar o investimento público nacional em geral, como foi feito na Europa -, a OIT alerta que nos países que investiram nas poupanças individuais, o mercado financeiro passou a especular com as aposentadorias em busca de retornos elevados, “sem colocar as metas nacionais de desenvolvimento como prioridade”.
A OIT reforça no documento que “a responsabilidade dos Estados de garantir a segurança de renda na idade avançada é melhor cumprida por meio do fortalecimento de sistemas públicos de previdência”.
Confira o estudo na íntegra.