“O regime de capitalização da Previdência transformou adultos chilenos de classe média em idosos pobres”, afirmou o economista Andras Uthoff, alertando para o grave retrocesso proposto pelo governo Bolsonaro. Durante encontro recentemente realizado em Brasília, Uthoff alertou para a identidade da reforma com as determinações dos Chicago boys e defendeu a necessidade de “cumprir o marco regulatório da seguridade social”.
Em entrevista à Carta Capital, o professor da Faculdade de Economia e Negócios da Universidade do Chile e conselheiro regional da Organização Social do Trabalho (OIT) denunciou que a ditadura de Augusto Pinochet fez em 1981 com que o Estado e as empresas deixassem de contribuir para a pensão de seus empregados, tanto na Previdência quanto na saúde, adotando a perversa lógica da contribuição individual pura e simples.
“O sistema sobreviveu exclusivamente do aporte dos empregados, com uma capitalização e má qualidade de empregos. Não deu certo: 79% das pensões financiadas pelo sistema, mesmo após os subsídios estatais, estão abaixo do salário mínimo chileno (cerca de 1810 reais). E 44% dos aposentados vive abaixo da linha da pobreza, ganhando menos de 600 reais por mês. Isso não foi resolvido no Chile e não será resolvido no Brasil com capitalização individual”, denunciou.
“Como estávamos em uma ditadura até os anos 90, ninguém podia opinar”, esclareceu o economista chileno, frisando que “simplesmente houve uma mudança de todo o modelo econômico para um projeto neoliberal e o mercado financeiro foi introduzido nas pensões e nos planos de saúde”. “O que aquela reforma fez foi destruir a seguridade social, introduzindo o mercado na jogada. Na Previdência, com a capitalização, e na Saúde, com os seguros individuais. O problema é que, ao fazer contratos individuais, você deixou desamparados aqueles que não tiveram a capacidade de pagar uma entrada”, acrescentou.
A reforma realizada pelo governo de Michelle Bachelet, em 2008, também não enfrentou o problema, alertou, pois “criou a pensão básica solidária e a contribuição previdenciária, pagas por um fundo público”. “O primeiro, para quem não conseguiu poupar nada. E o segundo para quem economizou, mas não o suficiente para se manter na velhice. Mas só recebem aqueles cuja renda familiar ficam entre os 60% mais pobres. Portanto, não é universal. A solução melhora a cobertura, mas não muda efetivamente as aposentadorias”, condenou.
Para o economista, “a classe média é a mais afetada porque é assalariada e sua renda previdenciária cai substancialmente”. “Quando a reforma foi implantada, prometia-se uma aposentadoria de 70% da média do salário que a pessoa recebera durante a vida ativa. Hoje em dia, as taxas de reposição são em média de 35%. Quer dizer que a renda dessas pessoas diminuiu 65%, é uma mudança muito grande. Você vive a vida de trabalhador como classe média. Ao sair dela, se torna pobre”, sintetizou.