Cármen Lúcia aponta violação à Constituição na política ambiental de Bolsonaro

Para ministra, governo tronou-se réu confesso que assumiu os crimes cometidos no setor ambiental - Foto: Reprodução/STF

Em seu relatório, ministra do STF disse que há no país um quadro de “cupinização institucional”, que ficaria configurado pela corrosão invisível das instituições

Durante seu julgamento na última quinta-feira (31), a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia reconheceu que há uma violação sistemática de vários princípios constitucionais na política ambiental do governo Jair Bolsonaro. Segundo a ministra, está configurado o chamado “estado de coisas inconstitucional” nas ações ambientais definidas pelo governo federal nos últimos anos.

A declaração foi dada durante o voto de Cármen Lúcia, relatora de parte do chamado “pacote verde”. Os sete processos em julgamento contestam diversas políticas ambientais adotadas pelo governo Bolsonaro. A análise das ações começou na última quarta (30) e deve prosseguir na próxima semana.

O estado de coisas inconstitucional surgiu a partir de decisões da Corte Constitucional Colombiana e foi reconhecido, pela primeira vez, no STF, quando a Corte analisou a situação do sistema prisional. Ele é caracterizado por uma violação massiva, sistemática e generalizada de direitos fundamentais, com potencial para atingir um grande número de pessoas.

Não é frequente o STF reconhecer o estado de coisas inconstitucional. Na prática, quando isso acontece, o Poder Judiciário fica autorizado a estabelecer diálogo com os demais Poderes, fixando e acompanhando medidas em busca de concretização de direitos fundamentais.

A ministra começou ler seu voto como relatora de duas ações: A que acusa o governo federal de omissão no combate ao desmatamento; e a que discute o Descumprimento de Preceito Fundamental 760, pedidos pelos partidos PSB, Rede Sustentabilidade, PDT, PT, Psol, PCdoB e PV para que a corte determine à União e aos órgãos e às entidades federais competentes que executem, de maneira efetiva, o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm).

Na primeira parte de seu voto, a ministra defendeu que o Estado não pode retroceder na preservação ambiental e que é obrigação do poder público garantir a preservação do meio ambiente com uma atuação eficiente.

Segundo a relatora, o enfraquecimento do quadro normativo em matéria ambiental é a comprovação sobre o estado de coisas inconstitucional em matéria ambiental no Brasil.

E que isso ocorre, por exemplo, quando há a redução da fiscalização, ausência de cumprimento dos recursos orçamentários, a ausência de um plano de combate ao desmatamento.

“Aqui estamos falando de um estado de coisas inconstitucional porque propicia a mudança do modus operandi [modo de ação] dos desmatadores. A ecocriminalidade deve ser restringida e punida no devido processo legal”, afirmou a ministra.

Cármen Lúcia disse ainda que há no país um quadro de “cupinização institucional”, que ficaria configurado pela corrosão invisível das instituições.

“O que são esses cupins? O cupim do autoritarismo, o cupim do populismo, o cupim de interesses pessoais, o cupim da ineficiência administrativa. Tudo isso ajuda a construir um quadro que faz com que não se tenha cumprimento objetivo garantido, de conteúdo, da matéria constitucional”, disse.

RÉU CONFESSO

No julgamento, Cármen Lúcia afirmou que o governo é “réu confesso” ao criticar uma declaração do ministro da Economia, Paulo Guedes, que classificou o Brasil como um pequeno transgressor ambiental.

Cármen Lúcia citou diversos dados que demonstram o aumento do desmatamento da Amazônia desde 2015 e, especialmente, 2018. De acordo com ela, houve uma mudança no modus operandi do governo desde então, atingindo áreas de preservação e terras indígenas.

Por isso, a Amazônia está próxima ao ponto de não retorno, o qual, se ultrapassado, não pode ser revertido, mencionou a ministra. Nesse caso, haveria a savanização da Amazônia, que ficaria semelhante ao cerrado.

A ministra aceitou o argumento dos partidos de que existe um estado de coisas inconstitucional em matéria ambiental no Brasil e que, conforme alegado, há redução da fiscalização, abandono do PPCDAm sem a substituição por plano comprovadamente eficiente e eficaz, ausência de cumprimento dos recursos orçamentários, bem como enfraquecimento do quadro normativo ambiental pelas normas infraconstitucionais.

O voto da relatora terá continuidade na próxima quarta-feira (6).

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