O ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, indicava para a Receita Federal que as joias de R$ 16,5 milhões iriam para o acervo da Presidência da República, mas se acertava com os colegas do gabinete de Bolsonaro para garantir que fossem para o acervo pessoal do ex-presidente.
Isto é, para que Bolsonaro embolsasse as joias.
O presidente da República não pode receber presentes que não sejam de caráter “personalíssimo”, como roupas e outros objetos de pouco valor. Objetos de luxo, por exemplo, são transferidos para o acervo da Presidência, sendo um objeto de propriedade do Estado brasileiro.
Mesmo assim, Jair Bolsonaro e seu braço-direito, Mauro Cid, agiram para ludibriar funcionários da Receita Federal a fim de que as joias avaliadas em R$ 16,5 milhões fossem incorporadas no acervo pessoal do então presidente.
Os outros dois pacotes de joias de luxo que Jair recebeu de “presente” da Arábia Saudita e que não foram identificados pela Receita Federal quando entraram no país tiveram esse destino: o bolso de Bolsonaro.
Por ordem do Tribunal de Contas da União (TCU), Bolsonaro entregou os dois outros pacotes ao Estado brasileiro.
O pacote de R$ 16,5 milhões, no entanto, foi percebido pela Receita Federal quando o ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, entrou no país sem declará-lo. As joias foram apreendidas em 2021.
No último mês do governo Bolsonaro, Mauro Cid passou a se movimentar tentando liberá-las sem a necessidade de pagamento de impostos de importação e multa.
Para isso, só havia um meio legal: que os presentes fossem para o Estado brasileiro, e não para Jair Bolsonaro.
E foi assim que Mauro Cid agiu frente à Receita.
No dia 28 de dezembro de 2022, Mauro Cid escreveu e assinou um ofício, que seria enviado para o então chefe da Receita Federal, Julio Cesar Vieira Gomes, pedindo a liberação para “incorporação” das joias. Isto é, liberação para que fossem incluídas no acervo da Presidência da República.
“Trata-se de pedido para incorporação dos bens abaixo descritos a este órgão da União”, dizia o documento assinado por Mauro Cid.
Em depoimento, Julio Cesar Vieira Gomes disse que “o ofício era muito claro no sentido de incorporação ao órgão público da Presidência da República” e que “qualquer destinação que não fosse pública na modalidade incorporação seria juridicamente impossível”.
No dia seguinte à assinatura do ofício, Mauro Cid enviou um outro funcionário da Ajudância de Ordens, Jairo Moreira da Silva, até o Aeroporto de Guarulhos para tentar a liberação das peças, que seriam levadas no mesmo dia para Brasília.
O servidor que estava na alfândega se recusou a aceitar o ofício que Jairo carregava e não entregou o pacote de joias.
A pressa causou estranheza entre os servidores da Receita. Afinal, se as joias iriam para o acervo da Presidência da República, por que o gabinete pessoal de Jair Bolsonaro tinha tanto interesse em liberá-las antes do fim do governo?
Um servidor da Receita disse à PF que, “como a destinação era o patrimônio público, não seria necessário aquele açodamento”.
No dia seguinte, 30 de outubro, Jair Bolsonaro viajou para os Estados Unidos.
ACERVO PRIVADO
O ajudante de ordens de Bolsonaro estava, na verdade, tentando liberar as peças para que fossem incorporadas ao acervo privado do ex-presidente.
Quer dizer, para que Jair Bolsonaro, e não o Estado brasileiro, recebesse o presente de R$ 16,5 milhões enviado pela família real da Arábia Saudita.
Outro funcionário da Ajudância de Ordens, Cleiton Holzschuk, afirmou à PF que Mauro Cid lhe disse que as joias iriam para o acervo pessoal de Jair Bolsonaro, ao invés do acervo público.
No depoimento, Holzschuk contou que lhe “foi falado pelo tenente-coronel Cid [entre os dias 28 e 29 de dezembro] durante as conversas de WhatsApp relatadas que as joias iriam para o acervo pessoal do presidente da República”.
Por isso, Holzschuk acionou outra funcionária para que se adiantasse e produzisse os documentos necessários para a incorporação ao acervo pessoal de Bolsonaro.
Esta funcionária confirmou o ocorrido à PF e contou que o documento dizia que o “presente” da Arábia Saudita seria transferido para a “posse do presidente da República, como presidente pessoal e não institucional”.
Em um áudio, Holzschuk conta para a funcionária que o plano de Mauro Cid para liberar as joias na Receita Federal falhou e, por isso, o documento de incorporação ao acervo pessoal deveria ser excluído.
No áudio, ele chama as joias de “presentes do PR [presidente da República”, forma como os militares próximos de Bolsonaro o chamavam.
“Ainda bem que eu não assinei, porque deu uma ‘zica’ lá e o Jairo [Moreira da Silva] não conseguiu pegar esse material. Ele tá voltando hoje à noite sem o material, beleza? Na segunda-feira, a gente vê como faz para excluir o ofício, a documentação que a gente fez com relação ao recebimento desse material”, disse Cleiton Holzschuk na gravação.
Ao dizer, falsamente, para a Receita Federal que as joias de R$ 16,5 milhões seriam incorporadas ao acervo da Presidência da República, Mauro Cid extrapolou suas funções e atropelou o Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH), a quem cabe fazer esse tipo de triagem.
Está claríssimo que o Bolsonaro e seus comandados cometeram vários crimes para que as joias milionárias fossem para o Bolsonaro, contudo, não conseguiram porque um funcionário da Receita Federal, fez a coisa certa e não liberou as joias portanto, todos os envolvidos deverão serem punidos com todo rigor da lei. A verdade acima de tudo. E a Constituição acima de todos.