Empresários, trabalhadores, estudantes, professores, líderes populares, personalidades, políticos e artistas se uniram para dizer que não haverá volta da ditadura
Milhares de pessoas estiveram na manhã desta quinta-feira (11) no Largo do São Francisco, na região central de São Paulo, para o ato de leitura da Carta pela Democracia, um manifesto elaborado por professores de Direito da USP e assinado por quase um milhão de brasileiros.
No interior da Faculdade, vários representantes de entidades discursaram em defesa do regime democrático. Miguel Torres, presidente da Força Sindical, transformou o Salão Nobre em uma assembleia. “A gente que é sindicalista, gosta de votação”, brincou, enquanto pedia que todos ficassem em pé e dessem as mãos. A presidente da UNE, Bruna Brelaz, emocionou os presentes ao lembrar os nomes de Honestino Guimarães e Edson Luís, mortos pela ditadura.
Armínio Fraga, Horácio Lafer e Neca Setúbal também discursaram. O ex-ministro da Justiça José Carlos Dias leu o manifesto elaborado pela Fiesp em defesa da democracia. Os empresários, sindicalistas, professores, estudantes e representantes dos advogados denunciaram as ameaças à democracia e se somaram na garantia das eleições.
O ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), candidato ao governo paulista, e o ex-governador Márcio França (PSB), candidato ao Senado pela mesma coligação estavam no ato. Estavam lá ainda o ex-ministro Aloizio Mercadante (PT), coordenador da campanha ao Planalto; o deputado Márcio Macedo (PT-SE), tesoureiro e vice-presidente do PT; Juliano Medeiros, presidente do do PSOL e Guilherme Boulos (PSOL). Daniela Mercury, Joice, o jornalista Chico Pinheiro, a ex-ministra Marina Silva (Rede), Bela Gil e o jornalista Casagrande também apoiaram a manifestação.
Ocuparam o palco, onde foi lida a carta, diversos professores que participaram da leitura da primeira Carta aos Brasileiros em Defesa do Estado de Direito, ocorrida em 1977. Naquela ocasião, amplos segmentos da sociedade brasileira exigiram o fim da ditadura e a volta do Estado Democrático de Direito.
Manuela Moraes, presidente do Centro Acadêmico 11 de Agosto, abriu a solenidade. Ela lembrou que “diversas pessoas deram a vida pelas liberdades e “agora nós estamos tendo que nos unir para defendê-las novamente”.
“Nós, que agora participamos desta nova carta, somos jovens, fruto das escolas públicas, das quebradas e das favelas”, prosseguiu Manuela. Ela destacou que Bolsonaro não ataca a democracia somente quando agride as urnas, os cortes bilionários da Educação também são ataques à democracia”, pontuou.
O diretor da Faculdade de Direito da USP, professor Celso Campilongo, falou em seguida. Ele chamou a atenção para o fato de que “o território da Faculdade de Direito da USP é um território sagrado de respeito ao direito no Brasil”.
O documento de 2022, que não aceita retrocessos no regime democrático, foi lido por três mulheres e um homem. A primeira foi Eunice Aparecida de Jesus Prudente, doutora pela USP, autora da primeira tese que propõe a criminalização da discriminação racial, em 1980. Atualmente, é secretária municipal de Justiça de São Paulo.
A segunda a ler um trecho da carta foi Maria Paula Dallari Bucci, professora de direito do Estado na instituição. Ela é filha do professor emérito e ex-diretor da faculdade, Dalmo de Abreu Dallari, que morreu em abril de 2021, aos 90 anos de idade, e foi um dos signatários da carta de 1977.
Flávio Bierrenbach, que também participou da articulação do manifesto dos anos 1970, foi o terceiro. A finalização da carta ficou a cargo da professora Ana Bechara, também formada pela USP, instituição da qual atualmente é vice-diretora. Os três terminaram juntos repetindo a última frase da carta: Estado Democrático de Direito Sempre!!!!
Leia a íntegra da Carta aos Brasileiros
Em agosto de 1977, em meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos Cursos Jurídicos no País, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que vivíamos. Conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.
A semente plantada rendeu frutos. O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o estado democrático de direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais.
Temos os poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal.
Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para país sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular.
A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral.
Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em país de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável. O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude.
Assista a leitura da carta
Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais. Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos.
Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições.
Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o estado democrático de direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional.
Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão.
Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.
Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos as brasileiras e brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições.
No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições.
Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona:
Estado Democrático de Direito Sempre!!!!