Casquinha não é mais sorvete: como McDonald’s deixou de pagar R$ 324 milhões em impostos

Empresa retirou o nome "sorvete" da rede em 2022, deixando de pagar R$ 340 milhões em impostos - Fotos: Reprodução/Trip Advisor

Sorvetes da rede passaram a ser enquadrados como “bebidas lácteas”, o que permitiu à rede aplicar alíquota zero de PIS/Cofins

Com um argumento que beira o surreal, o McDonald’s transformou sorvetes em “bebidas lácteas” perante a lei e deixou de pagar R$ 324 milhões em impostos. A decisão, aprovada por 5 votos a 1 no Carf, aceitou o argumento que casquinhas e milk-shakes são meros líquidos viscosos servidos gelados, e não sorvetes, em uma interpretação que privilegiou detalhes laboratoriais em detrimento da realidade percebida por qualquer consumidor.

A decisão foi tomada neste mês pela 1ª Turma da 1ª Câmara da 3ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Por cinco votos a um, o colegiado afastou a autuação da Receita Federal contra a Arcos Dourados, operadora da marca no Brasil. Para os conselheiros, as sobremesas não se enquadram na categoria de ‘gelados comestíveis’, classificação reservada aos sorvetes tradicionais.

No processo, a Receita Federal defendia que os produtos eram sorvetes do tipo soft, sujeitos à tributação comum, e que chamá-los de bebida láctea seria um exercício excessivo de tecnicidade para reduzir impostos.

Na interpretação, os conselheiros acataram os argumentos da empresa. Pelas regras vigentes, um sorvete deve ser armazenado ou servido a temperaturas iguais ou inferiores a –8°C ou –12°C. De acordo com o processo, as ‘sobremesas’ do McDonald’s são servidas entre –4°C e –6°C, faixa considerada compatível com produtos apenas resfriados, e não congelados.

Laudos do laboratório Food Intelligence e do Instituto Nacional de Tecnologia (INT) classificaram a casquinha como um ‘líquido de alta viscosidade’ ou uma pasta cremosa. A defesa sustentou ainda que os equipamentos das lojas apenas resfriam a bebida láctea fornecida por empresas como Vigor e Polenghi, sem qualquer alteração na composição química do produto.

O mesmo raciocínio foi aplicado aos milk-shakes. A Receita questionava se, após a adição de xaropes e sabores, o produto final ainda poderia ser tratado como bebida láctea. Os números apresentados pela empresa indicaram que a base láctea permanece acima do mínimo de 51% exigido pela Instrução Normativa nº 16/2005 do Ministério da Agricultura. Segundo o processo, o ‘McShake sabor Flocos’ contém 73,1% de base láctea, enquanto o de Chocolate chega a 64,3%.

O julgamento, porém, não foi unânime. O conselheiro Ramon Silva Cunha apresentou voto divergente ao argumentar que o grau de viscosidade e a percepção do consumidor deveriam prevalecer na classificação. Para ele, aceitar a tese da empresa poderia desvirtuar o conceito de sorvete previsto na legislação. A posição, no entanto, ficou isolada.

MANOBRA

A manobra para a redução dos impostos foi tomada a partir de 2022, com a consolidação em todas as unidades da rede no início de 2023. Desde então, itens icônicos como a casquinha e o sundae deixaram de ser chamados de “sorvete” para serem classificados como “sobremesa à base de bebida láctea”.

Essa mudança não foi motivada por alterações na receita — que permanece a mesma há anos —, mas sim por uma estratégia de planejamento tributário. Ao reclassificar o produto como bebida láctea, a empresa consegue uma redução significativa na carga de impostos federais, como o PIS e a COFINS, que possuem alíquotas mais altas para sorvetes do que para produtos lácteos.

Leia a íntegra da nota do McDonald’s:

“A companhia reforça que suas sobremesas seguem os padrões globais da marca, com ingredientes de alta qualidade, provenientes de fornecedores reconhecidos e auditados. A empresa também esclarece que a decisão se refere exclusivamente a uma classificação tributária e que as sobremesas geladas não sofreram qualquer alteração em sua receita. Reforçamos que os produtos mantem a mesma composição, a base de leite, como comunicado amplamente em todos os canais de venda.”

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