CARLOS LOPES
(HP, 06/07/2016)
Esta semana, na Operação Abismo, ramificação da Operação Lava Jato, apareceu um lado especialmente sórdido – sobretudo do ponto de vista do país e de seu desenvolvimento – do esquema que foi montado pelo PT para assaltar a Petrobrás.
Não há, dentro da Petrobrás – por si só a empresa-símbolo do povo brasileiro – nenhuma divisão que condense tanto a nossa capacidade, o nosso esforço bem sucedido para o desenvolvimento, a nossa inteligência, que o Centro de Pesquisas da Petrobrás, o Centro de Pesquisas Leopoldo Américo Miguez de Mello (Cenpes).
Foi neste Centro que a Petrobrás desenvolveu a tecnologia de exploração em águas profundas, recebendo três vezes o maior prêmio mundial destinado ao desenvolvimento tecnológico na área do petróleo, o OTC Distinguished Achievement Award: em 1992, pelo desenvolvimento de sistemas de produção em águas profundas no campo de Marlim, na Bacia de Campos (com o recorde, na época, de profundidade na extração de petróleo: 781 metros de lâmina d’água); em 2001, pelo avanço tecnológico no campo de Roncador, também na Bacia de Campos, quando alcançou uma profundidade de 1.877 metros de lâmina d’água; em 2015, pelo conjunto de tecnologias desenvolvidas para a produção no Pré-Sal, 10 tecnologias que a Petrobrás criou para explorar nossas maiores reservas petrolíferas.
Pois foi essa instituição decisiva que foi atacada pelo esquema do PT.
Em 2007, a Petrobrás abriu licitação para as obras de ampliação do Cenpes, licitação vencida pelo Consórcio Novo Cenpes, formado pelas empreiteiras OAS, Carioca Engenharia, Construbase Engenharia, Construcap CCPS Engenharia e Schahin Engenharia.
Posteriormente, Ricardo Pernambuco Backheuser e Ricardo Pernambuco Backheuser Júnior, diretores da Carioca Christiani-Nielsen Engenharia (Carioca Engenharia), confessaram que a obra do Cenpes foi destinada às empresas do Consórcio Novo Cenpes pelo cartel do bilhão, o que foi confirmado pelos funcionários da empresa Luiz Fernando dos Santos Reis e Roberto José Teixeira Gonçalves.
“Segundo esses depoimentos, empreiteiras componentes do cartel teriam ajustado com outras de fora preferências para licitações da Petrobrás em três obras de construção civil, especificamente para a Sede Administrativa de Vitória/ES, o Centro Integrado de Processamento de Dados (CIPD) e o Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello. Os resultados das licitações refletiram o ajuste” (cf. Decisão do juiz federal Sérgio Fernando Moro ao Pedido de Busca e Apreensão Criminal)
Mas houve um imprevisto: “a empresa WTorre Engenharia e Construção S/A (WTorres), que não havia participado dos ajustes, resolveu ingressar no certame e apresentou proposta de preço, de R$ 858.366.444,14, cerca de quarenta milhões de reais inferior ao da proposta apresentada pelo Consórcio Novo Cenpes (de R$ 897.980.421,13)”.
A solução do problema foi característica:
“As empresas que formavam o Consórcio Novo Cenpes ofereceram então vantagem indevida de dezoito milhões de reais para que a WTorre não aceitasse reduzir seu preço junto à Petrobrás, enquanto, concomitantemente, o Consórcio renegociaria e reduziria o preço para abaixo da proposta da Wtorre”.
O “portador da proposta” foi Leo Pinheiro, presidente da OAS, notório após o caso do triplex de Lula.
“Aceita a propina, a WTorre retirou-se do certame e o Consórcio Novo Cenpes acabou, de fato, negociando com a Petrobrás e reduziu sua proposta de preço, para R$ 849.981.400,13, e ficou com o contrato, assinado em 21/01/2008”.
Mesmo assim, o preço era majorado em relação à avaliação da Petrobrás – e, depois, ainda houve 17 aditivos.
Como se fez isso?
“Pedro José Barusco Filho, gerente de engenharia da Petrobrás, já condenado (…) por corrupção e lavagem de dinheiro por propinas em outros contratos da Petrobrás (…) apresentou planilha retratando as propinas por ele recebidas, constando apontamento de que a obra ganha pelo Consórcio Novo Cenpes teria rendido propinas de 2% do valor do contrato e que teria sido intermediada por Mário Frederico Mendonça Góes. Ouvido, Pedro Barusco, admitiu o fato.: ‘… na Diretoria de Serviços, cujo diretor era Renato Duque, houve contratos para a construção do novo Cenpes – CENTRO DE PESQUISA e o novo CENTRO DE PROCESSAMENTO DE DADOS, cujo percentual de propina foi de 2%, sendo que 1% foi para o Partido dos Trabalhadores – PT, representado por João Vaccari Neto, e outro 1% para a ‘Casa’, representado por Renato Duque e o declarante’.
“Em depoimento complementar, Pedro Barusco confirmou o recebimento de propinas pelo contrato: ‘… indagado acerca da existência de eventuais irregularidades nos certames ou contratos da PETROBRAS referentes às obras para construção do NOVO Cenpes e do CIPD, ambos localizados na ilha do Fundão, Cidade Universitária, Rio de Janeiro/RJ, o COLABORADOR declinou que em ambas as obras houve oferecimento, promessa e efetivo pagamento de propinas para a Diretoria de Serviços, ou seja, para si, para Renato Duque e para o Partido dos Trabalhadores – PT’.
“Nesse depoimento complementar, declarou que recebeu a sua parte das propinas do intermediador Mario Frederico Mendonça Goes, em espécie e em depósitos no exterior. Parte das propinas foi repassada ao Diretor da Petrobrás Renato de Souza Duque.
“Metade dos valores da propina foram destinados ao Partido dos Trabalhadores, diretamente com o representante encarregado”.
CONTAS NO EXTERIOR
O leitor que tem acompanhado nossa cobertura dos eventos da Operação Lava Jato, provavelmente, já tem conhecimento do que acabamos de transcrever. Qual é, então, a novidade da Operação Abismo, que, até agora, tem, somente de propina, comprovados R$ 39 milhões?
1) “Mario Frederico Mendonça Goes admitiu que intermediou propinas em contratos da Petrobrás para a Diretoria de Serviços e Engenharia da estatal, realizando pagamentos em espécie e depósitos em contas no exterior. Para este feito, o mais relevante é ter admitido ser o controlador da conta em nome da offshore Mayana Trading Corporation, constituída nas Ilhas Virgens Britânicas, e mantida no Banco Lombard Odier, em Genebra, Suíça, que foi utilizada para intermediação de propinas”.
1) O depoimento do empresário Ricardo Pernambuco Backheuser Júnior, da Carioca Engenharia:
“RICARDO: … os dois pagamentos que houve no exterior para empresas do Mario Goes, que ele cita, Mayana, saíram da conta de meu pai não declarada no exterior, foram para encerrar dívidas de pagamento passados dessas obras da Petrobras.
“MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Inclusive do novo Cenpes?
“RICARDO: Inclusive do novo Cenpes.
“MPF: Essa conta a que o senhor refere, cujos pagamentos foram efetuados à Conta Mayana, do Mario Goes, qual seria?
“RICARDO: É a conta pessoal de meu pai, conta de nome Cliver, é… que foi paga, inclusive a gente vai fornecer isso pros senhores… foram feitos dois pagamentos. Havia uma pressão enorme em cima da gente porque a gente tinha uma dívida pregressa, se não me engano o Barusco já tinha inclusive saído da gerência de engenharia da Petrobras indo pra Sete Brasil… e a gente acumulou uma dívida enorme e a única solução para essa dívida foi então dispor dessa conta para pagamento à Mayana.
“MPF: Essa dívida a que o senhor refere é dívida do ajuste…
“RICARDO: … dos contratos.
“MPF: … das vantagens.
“Ricardo: exatamente.”
3) O envolvimento e confissão de Alexandre Correa de Oliveira Romano, também conhecido como “Chambinho” – o mesmo do caso Consist, que levou à prisão do ex-ministro Paulo Bernardo. “Intermediador de propinas em esquemas criminosos, [Chambinho] confessou ter repassado valores, com simulação de contratos de prestação de serviços, de diversas empresas, entre elas da Construbase Engenharia, da Construcap Engenharia e da Schahin Engenharia, todas integrantes do Consórcio Novo Cenpes, para Paulo Ferreira, ex-deputado federal e ex-secretário de Finanças do PT”.
4) O envolvimento de Paulo Ferreira, tesoureiro nacional do PT entre 2005 a 2010, que recebeu parte da propina. A participação de Ferreira, ex-deputado federal pelo PT apareceu na confissão de “Chambinho”, que, resumidamente, “declarou, em diversos depoimentos, que a pedido de Paulo Adalberto Alves Ferreira, Secretário de Finanças do Partido dos Trabalhadores, ele, Alexandre, e suas empresas, teriam recebido diversos recursos pagos por terceiros e que seriam destinados, subrepticiamente, à referida agremiação política e ao próprio Paulo Ferreira. Para tanto, Alexandre celebrava contratos simulados de prestação de serviços, recebia os recursos, cobrava um percentual pela intermediação e repassava o restante a Paulo Ferreira em espécie. Para tanto, utilizava suas empresas, principalmente a Oliveira Romano Sociedade de Advogados, mas também a Link Consultoria Empresarial e a Avant Investimentos e Participação Ltda., com simulação de contratos de prestação de serviços para esconder o recebimento de valores sem causa”.
5) Um caminhão de provas documentais. Por exemplo:
– comprovante de transferência no exterior de US$ 711.000,00, em 22/03/2012, de conta controlada por dirigente da Carioca Engenharia para conta de Pedro José Barusco Filho;
– transferências, pela Carioca Engenharia, de R$ 1.287.501,00 e de R$ 820.000,00 em 12/12/2008 e em 11/02/2009, respectivamente, para contas controladas por Adir Assad, já condenado em outra ação penal pela intermediação de propinas em contratos da Petrobrás;
– transferências, pela Construcap Engenharia, de R$ 807.537,00 e de R$ 1.044.943,20 em 30/08 e em 19/10/2010, respectivamente, para contas controladas por Adir Assad;
– transferências pela Schahin Engenharia de R$ 10.248.820,82 entre 04/06/2010 a 25/11/2011 para contas controladas por Adir Assad;
– transferências, pela Construtora OAS, de R$ 2.157.907,10 para conta controlada por Adir Assad;
– transferências de R$ 2.195.000,00 do Consórcio Novo Cenpes para MRTR Gestão Empresarial, por contrato celebrado em 08/04/2008, com simulação de prestação de serviços, como admitido pelos dirigentes da MRTR, Roberto Trombeta e Rodrigo Morales;
– transferências de R$ 700.000,00 do Consórcio Novo Cenpes para Morales e De Paula Advogados Associados por contrato celebrado em 07/11/2011, com simulação de prestação de serviços, como admitido pelos dirigentes da Morales e De Paula Advogados, Roberto Trombeta e Rodrigo Morales;
– transferências para Alexandre Correa de Oliveira Romano, o Chambinho, ou para as empresas deste, da Construbase (cerca de dois milhões de reais), Schahin Engenharia (R$ 200.000,00) e Construcap/Ferreira Guedes (R$ 700.000,00), com base em contratos de prestação de serviços simulados ou superfaturados;
– diversas outras transferências em valores diversos de Chambinho para Paulo Ferreira ou a pessoas a este ligadas, inclusive para os filhos dele.
SILÊNCIO
Não vamos entrar em aspectos quase folclóricos, como a parte do dinheiro que foi parar numa escola de samba gaúcha – ou no caixa de sua madrinha da bateria. Convenhamos que, se o dinheiro roubado da Petrobrás tivesse esse destino, não seria de todo mau. Entretanto, não foi assim.
Portanto, mais importante, para encerrar, são esses dois trechos do depoimento de “Chambinho”:
“… em geral o modus operandi era o seguinte: Paulo Ferreira indicava uma empresa ao depoente; (…) o depoente, em todos os contratos indicados por Paulo Ferreira atuou de duas formas: ou por meio do superfaturamento de contratos de prestação de serviços advocatícios ou pela simulação de contratos de consultoria; no caso de contrato simulado, como não havia efetivo trabalho, Paulo Ferreira recebia 70% do valor da nota emitida e o depoente ficava com 30%; no caso de contrato superfaturado, o percentual era de 60% para Paulo Ferreira e 40% para o depoente, também do valor total da nota faturada; (…) acredita que os pagamentos para Paulo Ferreira tenham sido, no total, em torno de R$ 1,5 milhão; tais pagamentos ocorreram entre 2009 e 2012” (cf. Termo de Colaboração nº 02).
O outro trecho:
“… após essa conversa com Paulo Ferreira, o depoente entrou em contato com o diretor comercial da Construbase, Genésio Schiavinato Júnior, ligando para a empresa; o contato de Genésio foi passado ao depoente pelo próprio Paulo Ferreira; houve uma primeira reunião, acredita que em maio de 2009, na sede da empresa Construbase, no bairro de Pinheiros, no prédio da Tomie Ohtake, na Pedroso de Moraes com a Faria Lima em São Paulo; (…) nesta reunião se tratou da necessidade de repasse dos valores para Paulo Ferreira pela Construbase e que o escritório do depoente poderia realizar alguns serviços para dar consistência e materialidade aos trabalhos; (…) os contratos com a Construbase foram ao longo de dois anos de trabalho (2009 e 2010); (…) em todos os contratos houve alguma prestação de serviços pelo depoente, mas, em verdade, era uma justificativa de repasse de parte dos valores para Paulo Ferreira; (…) o valor total das notas emitidas aproxima-se de dois milhões de reais, conforme análise do faturamento feita pelo depoente; deste valor total, após abatido o valor dos impostos, 60% era repassado para Paulo Ferreira” (cf. Termo de Colaboração nº 03).
Com esse esgoto aberto, acreditávamos que o PT fizesse alguma declaração oficial. Ao contrário, declarou que não ia comentar a Operação Abismo e o assalto às obras do Cenpes.